OPINIÃO

Quem conhece a reforma do ensino médio, a reprova

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 20 de fevereiro de 2017

Temer sancionou MP aprovada às pressas pelo Congresso, apesar das manifestações contrárias

Foto: Marcos Corrêa/ PR Divulgação

Foto: Marcos Corrêa/ PR Divulgação

Contrapondo a publicidade oficial tendenciosa, a cada dia que passa, quem conhece a proposta de reforma do ensino médio, a reprova. Além das dez entidades nacionais do campo educacional que organizaram o Movimento de Defesa pelo Ensino Médio, outra centena de entidades e órgãos posicionaram-se contrários à proposta apresentada através da Medida Provisória (MP) nº 746, de 22/09/2016. Mesmo com todas essas manifestações, governo e Congresso Nacional não recuaram, não ouviram a comunidade educacional, aprovaram a MP nas duas casas legislativas e sancionada pela Presidência nesta quinta-feira, 16 de fevereiro.

Esta reforma do ensino médio é um equívoco político, considerando que a sociedade não participou e nem a legitimou; é um equívoco metodológico, tendo em vista que até o Ministério Público Federal (MPF) a considerou inconstitucional; e, também, trata-se de um equívoco pedagógico-epistemológico, pois mutila e fragmenta a formação humana, científica e técnica que os jovens têm direito na educação básica.

A cada dia nos convencemos mais que a proposta de reforma fracassará no processo de sua efetiva implementação e será um desastre por várias razões que passo a enumerar.

Primeira delas é que esta reforma, como algumas outras anteriores, não tem nada de novo. É tão somente a materialização de um compromisso do atual governo com o mercado, ancorando-se na flexibilização de natureza neoliberal conservadora, que antecipa a especialização da formação profissional para o nível médio, que hoje se dá na Universidade; ou seja, obriga os jovens a fazerem escolhas a partir de 14 anos e profissionaliza precocemente, como a ditadura tentou na década de 1970. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Ocde) e outros considerados como modelo em educação, o movimento é no sentido contrário: os jovens escolhem a profissão após o terceiro ano universitário e a entrada no mercado ocorre após os 20 anos de idade. Não há empregos para jovens adultos e, muito menos, para adolescentes-jovens.

Uma segunda razão é que esta reforma está centrada basicamente na mudança curricular, sem oferecer condições para sua implementação. As escolas públicas brasileiras estão sucateadas, sem laboratórios, sem internet, sem instalações e ambientes apropriados para o desenvolvimento de aprendizagens. Os docentes formados disciplinarmente, desvalorizados na carreira, desprestigiados socialmente, nem sequer piso e salários estão recebendo em dia. Os jovens estudantes que recentemente ocuparam as escolas públicas foram reprimidos com violência e suas reivindicações ignoradas. Portanto, sem dialogar e ouvir educadores e estudantes, em escolas sem as mínimas condições, a qualidade e a reforma estão comprometidas.

A terceira razão é que a reforma depende, em grande medida, da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), ainda em discussão até 2018, com previsão para iniciar no ano de 2019. Além de já termos outro presidente, outro ministro da educação, também, os estados e o Distrito Federal que ofertam 85% das matrículas do ensino médio (contra 1% Rede Federal e 14% Rede privada), já contarão com novos governadores e novos gestores. Estes estados possuem sistemas próprios de ensino, com autonomia administrativa e pedagógica, apesar da centralização do poder e dos recursos na União. Em 2019 o cenário político e educacional será outro.

A obrigatoriedade de apenas três disciplinas – Matemática, Português e Inglês –, empobrecerá tanto o currículo, já fragilizado, que revoltará professores, estudantes, famílias, sociedade e, inclusive, o mercado. É verdade que o processo fragmentado de conhecimento e do trabalho se impôs historicamente, porém, atualmente, até o grande capital demanda trabalhadores menos parciais – o trabalhador superespecializado está perdendo espaço para os que sabem projetar, executar e avaliar.

Uma quinta razão é que este projeto de manipulação das mentes dos jovens com a pseudo oportunidade de escolhas dos itinerários formativos será desmascarada pela oferta fechada que os sistemas de ensino farão, devido crise financeira dos estados e pelo próprio mercado de trabalho. Para uma boa escolha pelos estudantes, é necessário conhecimento prévio e oportunidades. Ambos faltam aos jovens brasileiros. Eles são as maiores vítimas do desemprego, da violência, da exclusão, da falta de acesso à cultura, à educação e à informação. Farão escolhas livres e responsáveis? Ou é uma nova forma de inclusão excludente?

Uma sexta e última razão, por ora, é lembrar a todos que, a função da educação é desenvolver pessoas com autonomia intelectual, ética e política por meio da construção do conhecimento. A adolescência e a juventude são fases do desenvolvimento humano complexas e, a formação desenvolvida, impacta por toda a vida. Por isto, o ensino médio, enquanto etapa conclusiva da Educação Básica, deve estruturar-se numa sólida formação humana, científica e tecnológica. A formação humana básica, integral, de sólidos valores éticos e sociais, relegada nesta reforma, fará muita falta na vida dos jovens.

Por estas e outras razões que a proposta de reforma não deve prosperar e, pior, seus formuladores sabem disto. Organizar fóruns de debate, de resistência e de luta ajudará que tal insanidade e irresponsabilidade com estas gerações de jovens não as condene a um ensino médio de péssima qualidade.

* Gabriel Grabowiski | Filósofo, doutor em Educação, professor e pesquisador.

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