GERAL

À espera de um superantibiótico

Por Gilson Camargo / Publicado em 4 de abril de 2017
“É preciso tentar isolar os pacientes com essas bactérias para que não haja proliferação e que a comunidade em geral não use antibióticos indiscriminadamente”

Foto: Unicamp/ Divulgação

“É preciso tentar isolar os pacientes com essas bactérias para que não haja proliferação e que a comunidade em geral não use antibióticos indiscriminadamente”

Foto: Unicamp/ Divulgação

A farmacêutica clínica e docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp, Patrícia Moriel, explica nesta entrevista o que são e como surgem as superbactérias e quais os cuidados que profissionais de saúde e pacientes devem ter para prevenir a resistência antimicrobiana. Patrícia, que junto com seus alunos vem investigando o tema desde o início da década, afirma que a proliferação de micro-organismos no ambiente hospitalar é uma situação mundial e que um dos caminhos para combater as superbactérias será o desenvolvimento de um antibiótico ao qual elas sejam sensíveis, o que demandará tempo, investimentos e pesquisas por parte da indústria farmacêutica.

Extra Classe – Como se proliferam as superbactérias?
Patrícia Moriel – Segundo a OMS, a resistência antimicrobiana ocorre quando microorganismos (como bactérias, fungos, vírus e parasitas) mudam suas características quando são expostos aos antimicrobianos (como antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos e anti-helmínticos). Os micro-organismos que desenvolvem resistência antimicrobiana são por vezes referidos como “superbactérias”. Como resultado, os medicamentos tornam-se ineficazes e infecções persistem no corpo, aumentando o risco de propagação para os outros.

EC – As equipes de saúde também estão expostas?
Patrícia – Sim, são expostas, mas utilizando os equipamentos de proteção corretos diminui muito o risco de contaminação.

EC – Qual a responsabilidade da classe médica nesta situação?
Patrícia – A classe médica tem sim sua responsabilidade para o uso racional dos antibióticos, eles devem estar atualizados em relação ao perfil de resistência das bactérias em sua região, sobre doses e tempo de uso, e tentar seguir os protocolos clínicos de tratamento.

EC – Automedicação e negligência por parte do paciente influenciam a resistência microbiana?
Patrícia – Sim, influenciam, uma vez que as bactérias podem criar resistência quando expostas aos antibióticos de forma errada, por exemplo se o antibiótico deveria ser tomado por sete dias e a pessoa interrompeu seu uso em três dias por se sentir melhor, a dosagem final do remédio foi errada. Isso pode fazer com que a bactéria seja apenas exposta ao medicamento sem morrer, o que a tornará resistente ao antibiótico. Outra situação é tomar antibiótico sem necessidade, o que ocorria muito antes de 2010, uma vez que até então não se exigia que a prescrição fosse retida na farmácia.

EC – Qual o papel da indústria farmacêutica nessa realidade?
Patrícia – A indústria farmacêutica tem um papel fundamental para conseguirmos deter essas bactérias multirresistentes, com a pesquisa e produção de novos antibióticos. Neste ano, a OMS demonstrou sua preocupação em relação a novas pesquisas, publicando uma classificação de necessidades segundo a urgência de novos antibióticos para determinadas bactérias.

EC – A presença de bactérias é inerente ao ambiente hospitalar?
Patrícia – A presença de bactérias ocorre em qualquer local, porém, as bactérias multirresistentes são mais frequentes em ambiente hospitalar, uma vez que as pessoas internadas estão mais debilitadas e por vezes mais expostas a riscos ao necessitarem de cateteres, entubação, etc. Essas bactérias proliferam com mais facilidade devido às condições desses pacientes, que muitas vezes além de debilitadas apresentam baixa imunidade.

EC – A situação está fora de controle?
Patrícia – Não é que tenha fugido do controle. Devido ao uso irracional dos antibióticos, a falta de novos medicamentos e a capacidade das bactérias de se tornarem resistentes, cada vez mais tem aparecido bactérias multirresistentes.

EC – A proliferação de micro-organismos de maneira descontrolada é recente?
Patrícia – As bactérias têm uma proliferação muito rápida. Mas não é por causa disso que hoje estamos com a presença das multirresistentes. A situação é considerada grave, uma vez que estão se esgotando as alternativas de tratamento para essas bactérias. A proliferação de micro-organismos é comum a todos hospitais, mundialmente falando.

EC – O que são e qual o papel das polimixinas no combate a micro-organismos resistentes?
Patrícia – As polimixinas são uma classe de antibióticos: polimixina B e polimixina C (colistina). Esses antibióticos são muito antigos. Na década de 1970 seu uso foi reduzido devido à nefrotoxicidade (danos aos rins) que elas causam. Com isso, as bactérias “esqueceram” que eles existiam. Hoje as polimixinas foram reintroduzidas na clínica, pois algumas bactérias só podem ser combatidas com elas, ou seja, já são resistentes a todos os outros antibióticos. Quando começamos o estudo em 2014, 100% das bactérias eram sensíveis às polimixinas.

EC – Como a população pode se proteger e ajudar a prevenir?
Patrícia – Mantendo hábitos saudáveis. O importante é ter uma imunidade muito boa. Se for visitar um paciente no hospital, especialmente, aqueles em isolamento deve-se ter o cuidado de lavar as mãos antes e após a visita e, ao chegar em casa, colocar para lavar as roupas utilizadas.

*Mais sobre esse tema em A ameaça das superbactérias

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