OPINIÃO

Benditos sejam os beijos

Marcos Rolim / Publicado em 6 de novembro de 1997

Em Manaus, todos o sabem, uma professora de nome Luciana Costa estabeleceu rígida punição sobre um aluno de quatro anos que havia beijado uma coleguinha. Para “corrigir” tal comportamento, a dita educadora passou uma fita crepe na boca do menino e o colocou de castigo. A primeira vista, estamos apenas diante de mais um caso de abuso praticado contras as crianças no Brasil. O episódio, entretanto, revela muito mais do que boa parte do público está disposto a ver.

Em primeiro lugar, ele evidencia a que ponto chegamos em educação. Qualquer que seja o diagnóstico, o fato é que freqüentar uma escola no Brasil – pública ou privada – passou a ser uma atividade de risco. Especialmente quanto às crianças pobres, pode-se afirmar que, salvo muita sorte, estão condenadas por nossas escolas a não aprender. Em segundo lugar, o caso da punição efetivada pela professora Luciana deve ser dimensionado como uma espécie do gênero “punição física”. Ora, faz parte de nossa cultura a perversão de punir as crianças fisicamente; vale dizer: ofertar-lhes dor e sofrimento como “meios” para alcançar determinados “fins”. O senso comum não revela mais qualquer disposição em delegar aos professores a punição física das crianças; de qualquer forma, continua-se a entender que esta seja uma prerrogativa dos pais; além de tudo, incontornável. Assim, nove entre dez pessoas que se escandalizaram com a decisão da professora amazonense não esboçariam qualquer reação se estivessem diante de uma criança punida fisicamente por seus pais, desde que a punição implicasse uma violência “moderada”. A “pedagogia da violência” começa nesta aceitação irrefletida de práticas cuja estupidez se prolonga pelos séculos.

Por fim, a decisão de punir uma criança por conta de um beijo ofertado a outra criança não deixa de revelar uma atitude de mérito para com o ato de beijar em si mesmo. Quando beijamos, manifestamos nossos afetos de forma a reparti-los e multiplicá-los. A professora Luciana, entretanto, deve valorar moralmente o ato de beijar de uma forma negativa. Pela declaração da diretora da escola que procurou justificar o ocorrido com base em motivos religiosos, percebe-se que as razões alegadas também não recepcionam o ato de beijar como algo bom em si mesmo. Transitam aqui, alguns séculos de repressão à sexualidade cujos ecos medonhos costumam ser encontrados na dogmática religiosa. Além de injusta, a punição do menino constitui-se enquanto medida de uma (des)educação sexual cujo “modelo” é o da economia dos prazeres e da mortificação do corpo.

Contra toda esta herança infeliz, podemos dizer: nenhuma violência contra as crianças é legítima, necessária ou aceitável e… benditos sejam todos os beijos!

* Marcos Rolim é Deputado Estadual – PT/RS.

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