EDUCAÇÃO

“Prefeiturização” do ensino

Da Redação / Publicado em 6 de março de 1998

Não foi a primeira vez que o governo virou a partida depois do jogo. A extinção de algumas estatais, o empréstimo à GM e à Ford e a venda de parte da CRT também passaram no tempo de prorrogação. A bancada do PPB – partido aliado do Piratini – chegou a propor a retirada do projeto do legislativo. Mas acabou negociando com o governo algu-mas emendas de interesse próprio e arquivando o requerimento sem dar satisfação aos deputados de outros partidos que haviam assinado o documento.

A oposição criticou a manobra e a direção do Cpers se indignou. “Esses projetos expressam o valor de mercadoria que os governos neoliberais dão à Educação”, disparou Luís Roberto Silva, diretor da entidade. O governo instituiu uma nova classificação de cargos e salários e um mecanismo de avaliação da produtividade dos professores.

Um comitê estipulará metas anuais para docentes e escolas. Uma vez por ano serão distribuídos prêmios individuais por desempenho. Para o diretor do Cpers, isso estimula a competição entre professores, quebra o sentido de categoria e ainda transfere aos professores obrigações do Estado – como controlar a evasão escolar.

Os recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação (Fundef) e do Salário-educação serão divididos entre Estado e municípios de acordo com a quantidade de alunos matriculados. “Isso obrigará as escolas a aumentarem o número de matrículas, resultando em salas de aula superlotadas”, prevê Silva. “Na lógica da qualidade total, quanto mais alunos em sala de aula, mais produtividade”, acrescenta.

A lei prevê convênios de colaboração com municípios e parcerias com empresas para a manutenção das escolas. Prefeituras que assumirem unidades da rede estadual arcarão com a substituição dos professores e funcionários que se aposentarem e as em-presas que patrocinarem escolas receberão incentivos fiscais.

A secretária substituta de Educação de Porto Alegre, Sofia Cavedon, reclama que a “prefeiturização” do setor foi aprovada quando os municípios vêm perdendo recursos por causa do Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e da Lei Kandir.

Sofia afirma que a lei estadual prejudica os municípios que investem mais em Educação, revelando que os recursos do Fundef e do Salário-educação não cobrem despesas da Prefeitura de Porto Alegre com uma centena de convênios com creches comunitárias e com os dois mil alunos atendidos pelo Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova).

A Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) apoiou o projeto do governo, mas não ficou satisfeita com o rateio do Salário-educação. A entidade queria excluir os gastos com transporte escolar da quota dos municípios. Um acordo chegou a ser rascunhado, mas acabou atropelado pelas emendas do PPB. “Não é o critério mais justo, porque, em muitos casos, os municípios estão transportando alunos do Estado”, explica a coordenadora da Unidade de Educação e Cultura da Famurs, Marisa Timm.

Da quota estadual do Salário-educação, 60% ficam com o Es-tado, e 40% são repassados aos municípios. Destes, 75% correspondem ao custo por aluno e 25% cobrem despesas com trans-porte. O Fundef é formado com 15% da arrecadação de quatro impostos: ICMS, Lei Kandir, Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e IPI-exportação.

Segundo Marisa, a dotação dos recursos depende do número de alunos matriculados em cada rede e do percentual do orçamento próprio investido em Educação. Em 98, Porto Alegre, com 35 mil matrículas, terá um saldo negativo de R$ 9,2 milhões no Fundef. Segundo cálculos da Famurs, para eliminar o déficit atual, a prefeitura da capital precisaria criar 16 mil vagas no ensino fundamental.

Pelas contas da Famurs, por esses critérios, Canoas oferece 5 mil vagas além de sua capacidade financeira. Com 22 mil estudantes, este ano a cidade terá direito a um retorno de R$ 2,8 milhões. “Não temos porque assu-mir novas obrigações”, avisa o secretário de Educação, Mauro Marques, lembrando que em Canoas a rede municipal é maior do que a estadual.

O artigo 211 da Constituição Federal atribui responsabilidades iguais sobre o ensino fundamental a estados e municípios.

PLANO DE CARREIRA

O novo plano de carreira do magistério estadual acaba com a carga horária semanal e cria o conceito hora-trabalho. O professor poderá ser convocado a qualquer momento para cumprir horas-extras ou para dar aulas em até três escolas diferentes. Chamada de Plano de Carreira e Remuneração do Magistério Público Estadual, a lei não fixa o piso salarial da categoria – hoje o vencimento básico é de R$ 122,86.

As horas-extras das convocações só serão incorporadas ao salário se o professor permanecer convocado por dez anos consecutivos ou 15 intercalados. Se, às vésperas de completar o tempo para a aposentadoria, o governo desconvocar o professor, as horas-extras trabalhadas ficam sem efeito para cálculo de benefícios. Se o professor permanecer convocado até o final, o cálculo das horas-extras a serem incorporadas será feito pela média das últimas convocações.

A variação salarial entre os níveis mais baixo e mais alto da carreira cai para 40%. Entre as cinco classes de progressão, a diferença fica em 20%. O plano foi estruturado em quatro níveis (licenciatura plena, especialização, mestrado e doutorado) e cinco classes. Antes eram seis níveis e seis classes. Durante a chamada Década da Educação, haverá um Nível Especial, formado por professores com habilitação de nível médio e licenciatura curta.

Para a direção do Cpers, o plano aumenta a exigência de qualificação, mas não estimula os professores a freqüentarem cursos de pós-graduação, porque não prevê a possibilidade de convênios com instituições de ensino superior. O tempo reservado à preparação de aulas, estudos, avaliação e planejamento não poderá exceder a 20% do total de horas-trabalho. Pelo plano antigo, este percentual era de 25%.

As promoções ficam mais difíceis. Os professores serão obrigados a prestar prova de conhecimentos e o acesso à nova classe fica condicionado à existência de vagas. Com tudo isso, a despesa da folha de pagamento do magistério deverá crescer num ritmo mais lento do que o atual.

O novo plano autoriza o governo a contratar professores temporariamente, em caráter emergencial. A gratificação de difícil acesso, que variava de 10% a 100%, agora fica entre 10% e 30%, enquanto a da educação especial caiu de 50% para 20%. As férias dos professores regentes de classe foram reduzidas de 60 para 45 dias, e para 30 dias no caso dos especialistas.

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