EDUCAÇÃO

Aulas no parque

Márcia Camarano / Publicado em 5 de maio de 1998

Escola-base, escola mãe, nova sociedade. O nome não importa. O que interessa é que a escola itinerante, organizada pelos colonos sem-terra para as crianças que não têm acesso a uma escola convencional, está funcionando a pleno. Durante a permanência dos colonos em acampamentos improvisados no Parque Maurício Sirotski Sobrinho, em abril, as filas de crianças cantando rumo às aulas ao ar livre chamava a atenção.

Meninos e meninas pobres, sem uniforme, sem pasta, sem carteira, sem sala de aula. Mas com muita vontade de estudar. Em todo o estado, são 423 crianças aprendendo por esse método, com o acompanhamento da Secretaria Estadual de Educação. As turmas são divididas por etapas, cinco ao todo – conforme a idade e o grau de aprendizado – e também por acampamento. Também não existe aprovação ou repetência. O aluno passa de etapa conforme vai aprendendo os conteúdos. As notas são substituídas por um parecer.

“Nosso trabalho é a partir da percepção da realidade. Hoje, por exemplo, trabalhamos meios de transporte. Ou seja, trabalhamos com tudo o que eles convivem e vêem”, diz o professor Edson Augusto Hoffmann, que cursa Magistério numa escola do próprio movimento, em Veranópolis. Talvez isso explique a felicidade de Rafael Ferraz de Lima, nove anos, ao contar o que aprendeu: “eu já sei escrever acampamento e barraca e também sei fazer conta”, diz o garoto, que está na terceira etapa. Ele nunca esteve numa escola convencional e freqüenta a itinerante desde que ela iniciou, em abril de 97. “Eu quero aprender e trabalhar na plantação”, avisa.

O professor Edson diz que essa didática também estimula um aluno crítico pois, se fosse só pelo currículo da SEC, seria um processo alienante, distante da realidade daquela comunidade. “Nossa intenção é segurar a criança no interior”. A escola itinerante foi aprovada ano passado pela Secretaria, mas existe extra-oficialmente desde que o movimento ressurgiu em 79. Como o trabalho não era reconhecido, a criança aprendia nos acampamentos e, quando ia para fora, tinha que começar tudo de novo. As próprias crianças sentiram necessidade de reivindicar uma escola conforme suas necessidades.

As aulas acontecem diariamente, se não chove, em horários geralmente pré-determinados (muda conforme o movimento dos acampamentos). O de Santo Antônio das Missões, já estruturado, conta com quatro professores, pagos pela SEC. Contratos estão sendo abertos em Piratini e Jóia. É uma escola que não tem férias, funciona de janeiro a janeiro. A Secretaria também manda cadernos, lápis e borracha. Piratini e Jóia ainda não receberam seu material e estão trabalhando com o que foi repassado por Santo Antônio.

A falta de uma estrutura adequada representa dificuldade para alunos e professores. “Conseguimos uma lona para dar aulas em tempos de chuva, mas ela não resistiu”, comenta o professor Júlio Cézar Souza, que concluiu Magistério. A escola itinerante foi uma vitória alcançada pelas crianças sem-terra que, em outubro de 95, participaram do 1? Congresso Infantil, tendo em vista a grande quantidade de crianças acima de sete anos vivendo sob lonas sem ter acesso a uma escola.

No final de abril, conselheiros da SEC supervisionaram o trabalho da escola itinerante no parque e assinaram um documento constatando que ela funciona, atendendendo cerca de 90 a 100 crianças pela manhã e 180 à tarde.

Depois da aula, durante o lanche, a meninada discute o que aprendeu. “Já sei escrever meu nome”, diz Ângela, seis anos (ela não sabe o sobrenome), da primeira etapa. “Acampamento começa com A”, reprisa Suzete Jardinello, 10 anos, da terceira etapa. Já Karen Daiana, oito anos, também da terceira etapa, gosta mesmo é de cantar. Meninos e meninas aprendem canções infantis e também do movimento que faz parte de suas vidas.

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