CULTURA

Paixão no futebol, energia na vida

Thaís Bretanha / Publicado em 2 de junho de 1998

Aos 29 anos, com muita energia e disciplina em tudo o que faz, Carla Luersen compatibiliza o trabalho profissional na Delegacia Regional do Sinpro/RS, em Lajeado, com a condição de atleta do futebol feminino na região do Vale do Taquari.

Deixar passar uma bola por entre as pernas que resultou num gol da top model Shirley Mallmann foi uma falha que não chega a manchar o currículo, mas deixa a exigente Carla Luersen inconformada. O jogo beneficente, denominado Encontro das Estrelas Gaúchas, reuniu esportistas, modelos e gente de destaque em diversas áreas. O confronto aconteceu entre times representando as margens esquerda e direita do rio Taquari, em 1997. Carla, a melhor atacante da região, capitã do time da margem esquerda, foi surpreendida por Shirley, que abandonou a partida logo após o gol.

O futebol sempre esteve presente na vida de Carla. O pai, Rubert Luersen, conhecido como Palito, foi treinador de times do Vale do Taquari, como o Cruzeiro, o Languiru, o Canabarrense, entre outros. Em Teutônia, onde nasceu e se criou, a menina loira aos cinco anos já praticava o esporte com a criançada da rua. “A atividade era definida pela turma. O que tinha para fazer na época era o futebol. As meninas sempre jogaram junto”, recorda.

CARREIRA – Aos 12 passou a praticar o voleibol, “que era mais feminino”. Até que, em agosto de 95, veio o convite da prima Rosiléa Luersen para vestir a camisa do time feminino de futebol de campo Cubanas, com origem na vila Frank de Teutônia. Torcedora do Grêmio Portoalegrense, começou a carreira como zagueira. Quase três anos depois, com mais técnica e experiência, a camisa 5 do time do Flamengo local gostaria mesmo era de fazer carreira no futebol.

Secretária do Sinpro/RS em Lajeado, desde que foi inaugurada a delegacia do Sindicato, Carla Luersen, aos 29 anos, ainda tem muitos planos profissionais, embora falte definir o curso para o qual prestará vestibular. Está em dúvida entre arquitetura, comércio exterior, relações públicas e turismo. Enquanto não se decide, trabalha à noite como divulgadora cultural do curso pré-vestibular Aprovação e, três vezes por semana, enfrenta as adversárias no campeonato municipal de futebol de salão, como zagueira fixa do time da Cooperdata. Aos sábados à tarde a disputa é no campo, entre seis times representantes das comunidades que formam o município de Teutônia.

“A prática do futebol é um estado de espírito. Faz bem para a pessoa. A disputa vem em segundo lugar”, afirma a atleta que, mesmo fumando meio maço de cigarros por dia, consegue manter o fôlego e correr o tempo exigido em cada modalidade do futebol. No primeiro ano de competições foi campeã municipal, com o Cubanas, que também venceu a Copa Dullius – campeonato regional que chega a agrupar 16 times femininos de futebol. Em 97, o time competiu no estadual classificando-se em 5º lugar.

VIKING – Com um olho clínico de treinador, Rubert Luersen é taxativo: “Carla sobressai-se às outras, apesar de ter começado com algumas dificuldades. Falta-lhe o pé esquerdo. Ela não tem força com ele”, avalia. Atento ao progresso da filha no esporte, atesta, orgulhoso que, hoje, ela ocupa a melhor posição em que já jogou. “A tendência é crescer muito no futebol”, prevê o técnico Palito, que ainda não se arriscou a treinar time de mulheres, uma atividade que considera muito difícil.

Para o treinador do Flamengo, Vilson Cabrera, o Feio, como é conhecido, a jogadora enquadra-se em qualquer entidade. Lembra que, no início, Carla jogava com o espírito de coletividade, para ajudar o time, com um futebol “sem muita expressão”. Ex-jogador do Inter de Santa Maria, Feio lembra que a atacante tinha domínio de bola mas era inexperiente quanto ao posicionamento em campo, “problema resolvido em apenas três jogos”, recorda. Além de ser uma das melhores em campo, a jogadora tem qualidades que, para o treinador, representam uma grande ajuda. “Durante o fardamento ela conversa com as companheiras e me substitui, já que não posso entrar no vestiário”, conta Cabrera, que considera Carla, “psicologicamente, de cabeça certa”, diz.

Alegre e descontraída, fora ou dentro de campo, esta pisciana, acredita ter herdado a força dos vikings, dos quais considera-se descendente por parte do pai, de origem dinamarquesa. No futebol, esta força aparece no conjunto do time, no trabalho em equipe. Para Carla, as mulheres são mais sutis que os homens e mais versáteis dentro de campo. Rosiléa Luersen observa que Carla sempre quer tirar o máxi-mo em tudo o que faz e tem conseguido sempre o seu objetivo. “Onde ela está as coisas funcionam, seja no esporte ou na área profissional”, atesta a prima.

DISCIPLINA – Futebol à parte, a atacante mantém um ritmo de vida bastante agitado. Das às 10h às 18h, dedica-se ao trabalho na delegacia do Sinpro, em Lajeado, onde mora. “Carla é a referência do Sinpro nas escolas. Está perfeitamente integrada à equipe de trabalho, com quem mantém um excelente relacionamento”, conta o diretor Herbert Lohmann. Dentre as qualidades apontadas pelo sindicalista estão a pontualidade, a eficiência e a disponibilidade para atividades que necessariamente não precisaria fazer e, por isso, é sempre procurada pelos diretores de escolas e professores. Para Carla a disciplina é tudo. “Isto aprende-se em casa e não com o técnico, ou na escola. Disciplina é o mesmo que ser honesto consigo”, diz.

Nos intervalos do trabalho no Sinpro, no pré-vestibular e entre as partidas de futebol, a atleta ainda consegue tempo para os passatempos preferidos: ver filmes, ler, escutar música ou sair com os muitos amigos para dançar. E diz que sempre consegue tempo para tudo. Mesmo que seja na hora do almoço e os filmes em vídeo. Quentin Tarantino e Oliver Stone são os diretores preferidos. Mas não pára por aí. Mística o bastante para buscar a influência astrológica em sua vida, recomenda o livro A nova astrologia, de Suzane White. Gosta de Hermann Hesse, de Isabel Allende e da poesia de Mario Quin-tana. Na música, prefere os ritmos negros. A maior influência é o reggae jamaicano. “Gosto mesmo é do Bob Marley antes da fama”, conta. Para relaxar escuta o Simple Minds e, atualmente, o Titãs acústico. Mas, aos fins de semana ninguém a tira de seu programa favorito. Percorrer os quase 30 km de estrada entre Lajeado e Teutônia para ficar com os pais e os irmãos. Estar perto das pessoas mais queridas é fundamental para Carla manter a sua energia.

 

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