MOVIMENTO

Desemprego senta à mesa das negociações salariais

Stella Maris Valenzuela / Publicado em 29 de novembro de 1998

O desemprego substituiu o lugar da inflação na mesa de negociação dos acordos coletivos. A pressão do contingente de desempregados ameaça o emprego e o padrão dos salários. Diante desta situação, os sindicalistas mudam de conduta e sentam com os patrões preocupados em garantir vagas e manter o nível do emprego, lutando para assegurar conquistas sociais e condições de trabalho.

Calvete: "Antes os reajustes obtidos na data-base eram mascarados".

Os economistas concordam que dificilmente a inflação voltará a crescer no Brasil e em boa parte do mundo. E avaliam que, por isso mesmo, ao contrário dos anos 80, em que a inflação tornou-se um monstro descontrolado, não há nenhuma razão para a manipulação dos índices, mesmo por parte do governo, que fez da vitória sobre a inflação, um forte argumento para a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Desta forma, os institutos que apuram indicadores econômicos podem apresentar diferenças em um determinado mês, mas em um período mais longo todos chegam a percentuais semelhantes de inflação. A tendência internacional predominante, acompanhada pelo país, é de taxas muito baixas ou mesmo negativas, que é o contrário da inflação, isto é, a deflação.
“Os países não apresentam inflação alta, mas desemprego. O risco do retorno à inflação é baixo. As economias estão diminuindo, ou crescendo a taxas menores, algumas enfrentam recessão. No próximo ano é provável um crescimento zero no Brasil. Este ano deve ficar em torno de 0,5%”, prevê o professor da PUC e economista do Dieese, Cássio Calvate.
Quem sofreu os estragos da inflação corroendo os salários e estrangulando o orçamento familiar no final do mês teria motivos para festejar. Mas apesar disso, muitos ainda ficam frustrados com reajustes em patamares de 3%, 4% ou 5%, sem se dar conta que estes índices são infinitamente mais significativos do que os 20%, 30% que, no período de inflação alta, em poucos dias viravam pó.
O nó da questão tem outra natureza e o que seria uma boa notícia, na verdade é um pesadelo. O problema é que a queda da inflação é um lado da moeda. O outro é a redução do crescimento econômico e a sua conseqüência lógica imediata, o desemprego. Para se ter uma idéia, no Rio Grande do Sul existem mais de 850 mil desempregados. Os desempregados deixam de ser consumidores, com menos consumidores e demandas reduzidas as empresas diminuem as atividades e até mesmo quebram e mais gente fica sem emprego. Com isso, a economia ingressa em um ciclo vicioso em que o desemprego realimenta a um só tempo o desemprego e a queda do crescimento econômico.
É neste quadro econômico que o desemprego transformou-se no herdeiro da inflação na mesa das negociações salariais. Para os sindicalistas se tornou essencial manter o nível de emprego das categorias, lutar para assegurar e ampliar conquistas e garantir condições de trabalho, e o índice de reajuste faz parte deste conjunto. Antes a luta por reajustes que compensassem a inflação e agregassem algum ganho real concentrava as tensões.
De julho a setembro deste ano, o Dieese constatou deflação: – 0,37%, – 0,89% e – 0,11%, respectivamente. No mês de outubro, houve um pequeno índice de inflação, + 0,21%. Mas, como é possível deflação, se no supermercado e o preço de determinado produto subiu? Os economistas fazem a média dos preços, que compõem a cesta de consumo das famílias. Alguns itens podem subir, outros caem, mas o indicador apontado é a soma do conjunto, ainda que os produtos mais consumidos tenham mais elevado na aferição.

BARGANHA – O Plano Real tornou árido o ambiente das negociações salariais, segundo o professor o Cássio Calvate, por três fatores. O primeiro deles diz respeito exatamente à inflação. “Antes, o reajuste e a eficácia do ganho real obtido na data-base eram mascarados. Quando diminuiu a inflação, os números passam a ser outros”. O desemprego é o segundo fator. A taxa de desemprego no Brasil chega a 20%. Para cada cinco trabalhadores, um está desempregado. “Quando há mais trabalhadores desempregados, aumenta o contingente de pressão no mercado de trabalho e então o poder de barganha diminui”, analisa. O terceiro fator diz respeito ao plano ideológico. “A ofensiva neoliberal é mais um componente. A filosofia individualista enfraquece as instituições, que têm a solidariedade como base de sustentação”, explica, referindo-se aos sindicatos.
A flexibilização do mercado de trabalho, introduzida pelo governo federal, retira direitos dos trabalhadores e tem a pretensão de influir na Justiça do Trabalho. “Esta já não exerce mais seu poder normativo. Enfrenta um sucateamento, a exemplo do que ocorreu com as estatais. Os sindicatos sofrem barreiras para manter as cláusulas sociais”, acrescenta Calvate.

Fim do poder normativo

Os patrões não fornecem as atas das negociações.As medidas do governo federal provocam o esgotamento das ações do Ministério do Trabalho e da Justiça do Trabalho. A partir da implantação do Plano Real, os Tribunais Regionais do Trabalho, as Delegacias Regionais do Trabalho e os sindicatos patronais alteraram sua política em relação aos sindicatos de trabalhadores. O planalto decidiu ‘flexibilizar’ os direitos dos trabalhadores, através de uma seqüência de legislações, lançadas em doses homeopáticas. “O governo está tentando reduzir o volume de processos trabalhistas. A idéia é criar uma negociação extrajudicial, anterior ao ajuizamento das ações trabalhistas. Este projeto é uma ótima idéia. Os advogados vêm fazendo isto há tempo. O nó da questão está na forma como ele se utilizou disso nos processos coletivos”, explica a assessora jurídica do Sinpro/RS, Lúcia Maria Britto Corrêa.
IMPASSE – A advogada recorda a instrução normativa número 4, de 1993, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que estabelece a obrigatoriedade de formalizar o término das negociações extrajudiciais, antes do ajuizamento dos dissídios. “Tal instrução consta na CLT e na Constituição. Apenas sua aplicabilidade era menos formal. Ao contrário de 93, agora os patronais têm se negado a fornecer a ata, onde consta o esgotamento das negociações. Desta forma, 99% dos dissídios coletivos são extintos por esta razão, ou por falta de quorum nas assembléias. O poder normativo não está se efetivando na prática. A perspectiva de solucionar o impasse, recorrendo ao tribunal, está cada vez mais remota. O governo quer que os sindicatos dos trabalhadores sejam cúmplices das suas ações, que retiram direitos adquiridos, na medida em que as alterações nos contratos individuais exigem, em sua maioria, a sua previsão nos acordos e convenções coletivas, intermediados pelos sindicatos. Mas, estas medidas ainda estão em debate junto ao Congresso Nacional”.

Notas

Socorro
O Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa/RS) enfrenta dificuldades financeiras para manter seu ritmo de atendimento, com o término de contratos de financiamentos repassados pelo Ministério da Saúde. Dos quatro telefones da entidade, dois já foram cortados por falta de pagamento. Uma das linhas desativada é o Disque-Aids, que recebe cerca de 230 ligações mensais. O Gapa pede solidariedade, com depósitos de qualquer quantia na conta corrente número 06.181381.0-4 do Banrisul, agência 100. A sede do Gapa em Porto Alegre fica na Rua Luiz Afonso, 234, bairro Cidade Baixa. Outras informações pelo telefone (051) 211-1041 e pelo e-mail: gapars@zaz.com.br .

Desigualdades
O Brasil é campeão em desigualdades de renda na América Latina. Os 10% mais ricos do país embolsam 47% da renda nacional, ou 58 vezes mais do que os 10% mais pobres. Os dados estão em um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), divulgado no dia 16 de novembro.

Protesto
Mais de 200 pessoas participaram de um ato público no dia 13 de novembro, no largo Glênio Peres, em Porto Alegre, contra o pacote fiscal do governo e para pedir a criação de mais empregos. Organizado pela CUT, este protesto integra movimento nacional A CUT planeja uma grande manifestação para o final deste mês, com a presença de vários prefeitos, denunciando as perdas financeiras dos municípios com a implementação do pacote.

A opção do Plano Real

Lúcia Garcia enfatiza que o desemprego não é um fenômeno mundial homogêneo.

O desemprego crescente agrava a crise econômica brasileira. Mas isso não é uma contingência da crise internacional. É resultado de uma opção política do governo, que começou com Fernando Collor de Mello e prosseguiu com Fernando Henrique Cardoso, É o que se verifica na evolução da economia nacional nos últimos 30 anos. Quando se esgotou o modelo substitutivo de importações, no final da década de 70, o país se encaminhou para a primeira grande crise de emprego do período. Entre 81 e 83, a queda na taxa de crescimento do Brasil foi determinada pela política econômica que buscava, simultaneamente, derrubar a inflação e gerar saldos cambiais, para pagar a dívida externa. A avaliação é da analista de mercado de trabalho e economista do Dieese, Lúcia Garcia. “As empresas reagiram demitindo Só lá por 84 e 86, o Brasil voltou a crescer e o mercado de trabalho se recompôs praticamente com a mesma estrutura ocupacional a anterior à crise”, esclarece a economista.
Este quadro econômico e o perfil do mercado de trabalho foi radicalmente alterado no início dos anos 90, com o Plano Collor. O presidente deposto, que subiu ao poder em 89, sustentava que o problema da economia brasileira era o atraso. Com o objetivo da modernização e do combate à inflação, todas as fichas foram apostas na idéia de competitividade, através da abertura econômica. “A reestruturação contínua, delineada em meados de 1980, se acelera, se configura e se consolida como objetivo empresarial no país”, ensina a economista. Isto fez com que no último trimestre de 1992, o país voltasse a crescer. “Mas com menor volume de empregos, de postos de trabalhos formais, emprego industrial, maior presença das mulheres no mercado, diminuição de funcionários públicos. E com a taxa de desemprego duplicada em relação à década anterior”.

ABERTURA – O quadro atual de desemprego é resultado desta reestruturação que começou em meados dos anos 80. De acordo com estudos do Dieese na região metropolitana de São Paulo, o desemprego saltou de 8%, nos anos 80, para 18,5% em setembro de 98. Em setembro deste ano, a região metropolitana de Porto Alegre alcançou 15,9%. Este índice significa um contingente de 267 mil pessoas em situação de desemprego. O desemprego no país não decorre em conseqüência de um fenômeno mundial e homogêneo, entre as nações. “Os países têm taxas de desemprego diferenciadas”, comenta Lúcia. Na Alemanha é de 9%, na Espanha fica em 22%, na Argentina em torno de 15% e, no Brasil, a média nas regiões metropolitanas, constatada pelo Dieese atinge 16% . Calvate assinala que a crise mundial não atinge todos os países da mesma forma. Resulta de opções políticas. “Veja bem, a Rússia recorreu ao capital internacional para promover a transição do socialismo para o capitalismo e acabou dependente deste capital. Brasil e Argentina também tornaram-se submissos em razão da estabilização da inflação e os Tigres Asiáticos utilizaram estes recursos para crescer. Porém, a globalização não está afetando a maioria dos países, apenas os que escolheram este caminho”, ressalta.
A estratégia da abertura econômica de atacar a inflação e propiciar a modernização, através da competição em âmbito internacional provoca a concorrência entre produtos industrializados estrangeiros e nacionais. Como grande parte da cesta de consumo das famílias é composta por estes itens, os preços dos mercados interno e externo convergem. O Plano Real aprofunda o que a abertura comercial já fazia sob a estrutura industrial brasileira. A indústria nacional reajusta seus preços para poder competir. “Desta forma, a política internacional interfere diretamente no mercado de trabalho do país. “Quando importamos, compramos trabalho de outros países e, quando exportamos vendemos o nosso. O Plano Real fez com que o mercado de trabalho do país se subordinasse a uma política internacional de preços”, demonstra Lúcia Garcia.
Esta reestruturação produtiva reduz o trabalho assalariado, o salário e o número de assalariados do setor público, ao passo que eleva o contingente de trabalhadores sem carteira assinada, o trabalho não assalariado e a jornada de trabalho em situações específicas. Aumenta também a mão-de-obra feminina – hoje na marca de 47% – cai o emprego industrial e desponta o setor de serviços. A situação de desemprego passou a ser alongada. Na região metropolitana de Porto Alegre, um desempregado se debate por 41 semanas a procura de trabalho. No primeiro semestre do Plano Real, a queda da inflação expandiu o crédito. Houve redução de desemprego e aumento de renda. Em contrapartida, quando a política internacional começou a impactar e elevar o déficit na balança comercial, as autoridades resolveram restringir o crédito, ou seja, a demanda interna de consumo foi refreada. Esta lógica elevou as taxas de desemprego.
Medidas de alteração na legislação trabalhista

– Desindexação salarial;
– Banco de Horas;
– Contrato de trabalho por prazo determinado;
– Regime de trabalho de tempo parcial;
– Cooperativas de trabalho;
– Terceirização;
– Suspensão do contrato de trabalho;
– Ampliação do seguro desemprego;

Alterações nas negociações coletivas

– Mediação e arbitragem;
– Efeito suspensivo;
– Revogação do parágrafo 1º, do artigo 1º da lei 8.542/92;
– Instrução à fiscalização;
– Extinção da contribuição sindical;
– Comissões paritárias de conciliação;
– Fim da unicidade sindical;
– Obrigatoriedade de negociação extrajudicial nos dissídios individuais;
– Fim do poder normativo da Justiça do Trabalho;
– Eliminação do juiz classista na Justiça do trabalho;
– Normas regulamentadoras na área de saúde e segurança e saúde no trabalho;
– Registro sindical

* Fonte: assessoria jurídica Sinpro/RS

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