OPINIÃO

Mídia, Cidadania e Modernidade

LÚCIA APARECIDA NUNES / Publicado em 29 de novembro de 1998

Um conceito que anda muito em voga atualmente é o de Modernidade. Tanto quanto o conceito de Democracia, quando há referências à modernidade, verifica-se a existência de uma grande distância entre o conceito e a realidade. Ela povoa inúmeros discursos, que, em geral, provêm, direta ou indiretamente, do círculo do poder político. No entanto, aquilo a que a idéia de modernidade nos remete – atualidade, e definindo um pouco melhor, estar a Humanidade livre das sombras do passado
– escravidão, exploração do trabalho infantil, etc., é lamentável, mas não tem relação com a realidade brasileira.

Tão somente pelo que revelam as declarações veiculadas nos meios de comunicação, sejam elas, de políticos ou empresários, constata-se que os discursos buscam convencer a todos que a modernidade de que falam é real, ou seja, vive-se em um mundo acabado, quase perfeito. Um ajuste aqui e outro ali. É tudo uma questão de gerenciamento – inteligência emocional, etc.

Trabalho, moradia, alimento e lazer para todos, estão fora de seus critérios, já que basta olhar para os lados, para se perceber as contradições. Uma delas, a qualidade total, que tanto preocupa os empresários, salvo raras exceções, é uma proposta restrita somente ao espaço físico e à produtividade de seus empreendimentos. O patético de tudo isso é que, tirando os que estão na linha da miséria, a maior parte da população brasileira depende, enquanto qualidade de vida, da renda proveniente do trabalho na indústria e no comércio.

Dentro de um raciocínio elementar, o que é sistemático, tem um método. Assim, o que soa como pura e simples opinião sobre decisões governamentais, na verdade, pode ser entendido como uma manipulação da informação pela Mídia (ou o conjunto dos meios de comunicação, e não o conjunto de profissionais de comunicação). Ou seja, as entrevistas sobre, por exemplo, os cortes de benefícios ou a necessidade de aumento de preços, acabam dando o tom, a partir do qual, a população deve encarar tais medidas. Enfim, uma ação quase orquestrada, que ajudada pelo poder da repetição, vai “formatando” a mente dos telespectadores, ouvintes e leitores.

Assim, vai para o lixo da nossa história, aqui e ali, um sistema chamado Estado, que já os gregos chamavam cidade-estado, a Polis. Portanto, apesar das aparências, a decisão de todos pela sua manutenção, é malbaratada, já que em sua maioria, as cidadãs e os cidadãos do Brasil não têm visto o resultado de seus esforços, ou seja, salário digno, moradia, assistência médica de qualidade, aposentadoria justa, entre outros direitos. As ações organizadas de uma Nação, tal como o conceito de democracia prevê, deveriam contemplar a totalidade de seus habitantes.

Como conectar então, os interesses desta maioria desassistida, espalhada por todo o País? Informação. Muita informação. E, isso é possível, através do acesso e troca de dados entre os vários segmentos da sociedade. A chamada aldeia global é colocada a serviço da Cidadania. Para tanto, a democratização dos meios de comunicação é a via mais eficiente, apesar de sua complexidade. Existem estudos aprofundados sobre o tema, além de várias experiências no exterior e propostas experimentais aqui mesmo. Para que isto se torne realidade, em curto ou médio prazo, algumas iniciativas estão acontecendo no âmbito da ação política. A mais recente e importante, é a luta pela implantação do Conselho de Comunicação Social, pelo Bloco de Oposição, no Senado.

Nos países desenvolvidos, em razão do acesso facilitado à informação, onde já é possível a transmissão alternativa de reivindicações populares, a mídia institucional , para manter-se na competição, partiu para outros formatos. Teve que ultrapassar a pura e simples padronização da cultura. Esta, por sua vez, tem proporcionado cifras milionárias aos mass média brasileiros, através do binômio audiência-consumo dirigido. Uma fórmula que subsiste há décadas.

Guardadas as devidas diferenças, a mídia do lado de lá, tem portanto, que contornar muitas dificuldades em termos de expansão. Sabe-se, por exemplo, que, em uma grande cidade norte-americana, qualquer pessoa pode, em plena rua, dentro de uma cabine com câmera de gravação, registrar suas críticas ou sugestões para melhoria de seu bairro ou quarteirão, teclando somente um botão. As fitas são apanhadas por um técnico, sendo levadas para veiculação em uma
estação de tevê local, naquele mesmo dia.

Uma ação política como esta, dirigida ao poder público ou à população de sua vizinhança, faz supor que os seus cidadãos possuam uma boa capacidade de seleção de conteúdos. Um exercício enfim, que tem implicações em tudo que se relacione com o consumo de algo ou de uma idéia e, mais importante, com a escolha da representação política.

* Lúcia Aparecida Nunes é jornalista graduada pela Unisinos.

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