OPINIÃO

Imagens do Passado

Publicado em 28 de abril de 1999

Aos 15 anos de idade vim estudar em Porto Alegre, no Colégio Júlio de Castilhos, e só imaginava quanta coisa boa eu haveria de aprender com meus novos mestres desse que era o mais respeitável colégio da capital.

Não foi fácil a adaptação. Quando meus colegas me perguntaram de onde eu estava vindo, estufei o peito para responder que era da Capital Farroupilha: “Piratini”. Nem deram bola. Quando me perguntaram o que é que eu estava mais gostando na capital, respondi que era ver as gurias dando um passeio na Rua da Praia, mas me corrigiram: não era dando um passeio e, sim, fazendo footing. Quando quis experimentar um tal de coca-cola, que até então não conhecia, o sacana do Fernando Vieira me disse que era preciso despejar um pouquinho do açucareiro no gargalo; assim fiz, foi o vexame da bebida saltando da garrafa e todo mundo se rindo à minha custa. Quando o professor de Educação Física nos avisou que suas aulas seriam dadas não mais na Redenção – local provisório – mas sim no Estádio dos Eucaliptos, e cometi a asneira de perguntar onde ficava isso, escandalizaram-se com minha grossura de não localizar aquele que consideravam um dos dois pontos mais importantes, senão o mais importante, de todo o Rio Grande do Sul. Mas eles se davam ao desplante de nem saberem onde ficava Piratini…

Um dia, num dos intervalos de aula, abordei no corredor o professor que nos dava aulas de História e lasquei, com a maior vibração:

– Professor! Eu gosto muito da História do Rio Grande!

Levei uma podada que me tonteou:

– Mas estás perdendo tempo com a História gaúcha se antes não souberes bem a História clássica da humanidade!

Levando em conta que ele não era um borra-botas, mas sim um Professor com letra maiúscula, da Capital com letra maiúscula, procurei seguir seu conselho à risca. Nos três meses seguintes mergulhei na leitura de Sarthou e outros historiadores, fui do Vale do Nilo à Mesopotâmia, troteei por Esparta e Atenas, conheci Moisés e Alah, e não consegui me empolgar com aquelas lendas tão afastadas no tempo e no espaço. Mas, acatando o ensinamento do professor da minha classe, também não voltei ao Rio Grande. Nem mel nem porongo. Fiquei zanzando no ar.

Havia no mesmo Julinho um outro professor de História, de ar sorridente, bigodão à gaúcha e, um dia, quase no final do intervalo, resolvi meter as caras. Mas, desta vez, cheguei sestroso, medindo as palavras:

– Professor…Eu gostava muito da história do Rio Grande e…

De saída ganhei um abraço. A conversa não pôde ir longe porque a sineta já estava batendo. No dia seguinte, um bedel foi me entregar um livro. Um volume grandão, bonito, de umas 350 páginas: “História da República Rio-grandense”. E com o autógrafo do próprio autor! Do próprio autor! Li, emocionado:

“Ao Luiz Carlos Lessa, um espírito jovem voltado para o passado na nossa terra, oferece, com admiração, o Dante de Laytano. 6-X-1945”.

Adivinhe o efeito que isso causou na minha cuca, no meu coração. Adivinhe por onde é que enveredei e onde é que fui parar…

Esta é uma das minhas mais belas imagens do passado.

* Luiz Carlos Barbosa Lessa é jornalista, historiador, folclorista e escritor

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