OPINIÃO

As guerras do final do milênio

Editorial / Publicado em 28 de maio de 1999

O que é pior? Estar desempregado ou enfrentar uma guerra? Na ótica de quem sempre viveu longe de conflitos armados, uma guerra é assunto estranho. Mas ela está em curso, afeta milhares de famílias, dizima a juventude de um canto do mundo e arrasa uma região que já viveu os horrores – entre outros – do nazismo mais brutal.

Quando fechávamos esta edição, mais uma bomba da Otan (a sétima) errava o alvo numa cidade sérvia e deixava como saldo 20 mortos civis, que provavelmente não se interessavam pela geopolítica como fenômeno sociológico do final de milênio. Entre eles 11 crianças. Estamos longe da guerra, é verdade, mas nesta edição fazemos um esforço para entender – e informar ao leitor – as razões escondidas por trás do aparente conflito étnico que afeta os Bálcãs.

Mais perto estamos da nossa guerra particular, a guerra que os brasileiros conhecem de cor e salteado, a guerra da sobrevivência, do pão de cada dia, da manutenção do emprego, do drible na crise. Por isso a repórter Marcia Camarano saiu a campo em busca de histórias que revelassem o drama de milhares de famílias que, longe das bombas, ainda assim têm motivos de sobra para temer o futuro. Para o homem comum, é a guerra mais cruel deste final de século.

O modelo econômico adotado pelo governo está ceifando o emprego tradicional, aquele com carteira assinada, garantias sociais, férias remuneradas e horário estabelecido. Hoje vale o salve-se quem puder, como podemos ler nas quatro páginas em que o Extra Classe aborda a questão do emprego. Pelas ruas, a perplexidade com os rumos que estamos tomando é uma regra quase que absoluta.

E engana-se quem imagina uma crise em reta final, nos seus estertores. O desemprego em São Paulo bateu nos 20% em março, atingindo mais de 1,3 milhão de trabalhadores. Muitos devem ser chefes de família. Muitos têm filhos, dependentes. Em Porto Alegre, o índice passou dos 18% e já afetou mais de 300 mil pessoas. Em ambos os casos, a curva das estatísticas é crescente. Sem o temor de exagerar, estamos falando de um drama de dimensões épicas. Estamos falando de uma guerra, a nossa guerra.

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