OPINIÃO

A crise do Superior Tribunal do Trabalho

Paulo J. B. Leal* / Publicado em 24 de setembro de 1999

As estatísticas publicadas pelo TST a respeito dos números de processos recebidos perante o judiciário trabalhista entre os anos de 1990 e 1998 revelam uma tendência extremamente preocupante para enfrentamento do problema da morosidade no Processo do Trabalho.

Em dez anos o número de ações nas Juntas de Conciliação passou de 1.233.410 para 1.954.540, com crescimento de 58%. Nos Tribunais Regionais de 145.646 para 385.621, com acréscimo de 264%. No TST de 20.276 para 131.415, com o surpreendente aumento de 648% no número de processos que passaram a ser recebidos perante aquela Corte. Os dados falam por si e revelam o astronômico crescimento das demandas na cúpula da Justiça do Trabalho, dando a clara informação de que o mesmo está à beira de um colapso. A magnitude dos elementos em análise revelam que somente para apreciar as demandas do ano de 1998 foi necessário distribuir a cada ministro 4.867 processos (o equivalente a 13 por dia, durante o ano todo).

Apenas para manter a mesma relação no número de processos do ano de 1990, que à época já era excessivo, a composição da Corte deveria ser aumentada de 27 para 175 ministros.

As causas do aumento das demandas na Justiça do Trabalho podem decorrer de vários fatores e até podem ser explicadas. O que não é possível, no entanto, é explicar racionalmente a razão desse aumento ser tão desproporcional entre a base e a cúpula, pois se no ano de 1990 somen-te um a cada sessenta processos ajuizados pe-rante as Juntas de Conciliação e Julgamento che-gava ao TST, hoje é de um a cada quatorze.

Vários fatores podem ser apontados para a identificação desse fenômeno, dentre eles a faci-lidade para a interposição de recursos em razão do avanço tecnológico, que permite às partes acompanhar de forma mais eficiente os proces-sos em trâmite perante o Poder Judiciário. Além disso não dá para deixar de considerar o fato dedo Trabalho que ao ser interposto o recurso de revista ou agra-vo de instrumento do despacho que nega seu se-guimento, os mesmos impedem a execução defi-nitiva do julgado, incentivando-os e sobrecarregando a mais alta corte trabalhista, que tem a importante missão de uniformizar a interpretação da legislação no âmbito do processo do trabalho.

Por óbvio a origem desse fenômeno não se deve somente a esses dois fatores, mas com certeza fazem parte do rol daqueles que lhes dão causa e precisam ser debatidos pela sociedade, especialmente entre os operadores do direito que são chamados a dar explicação para o grave problema do processo trabalhista, concebido para ser célere e que faz uma promessa a cada dia mais distante da realidade.

A ausência de saídas imediatas e viáveis para a solução do problema fez nascer o debate e as propostas incluem desde a extinção do Tribunal Superior do Trabalho a uma profunda modificação no sistema recursal.

Se de um lado a proposição da extinção do TST ganha a cada dia adeptos, ela não consegue responder ao grave problema de a quem atribuir competência para uniformizar a interpretação de normas no âmbito da Justiça do Trabalho e nem mesmo a quem competiria julgar ações que precisam ser observadas não apenas em um Estado, mas em toda a Federação.

Em um país continental como o Brasil não é viável, ao menos em tese, deixar-se apenas a tribunais com jurisdição estadual a possibilidade de dar a última palavra na exegese de normas federais. Haveria o risco da jurisprudência consagrar interpretações absolutamente diferentes da mesma matéria entre os Estados.

Por outro lado, extinto o TST e a representação classista, desapareceriam as principais peculiaridades de uma justiça especializada e ficando- se a um passo da consumação da proposta que apregoa não apenas reformas, mas o fim de própria Justiça do Trabalho.

A principal – e procedente – crítica à existência do TST sempre foi da excessiva demora no julgamento dos recursos de revista e de embargos, fazendo com que as ações sejam julgadas muitos anos após o ingresso na primeira instância.

O papel dos recursos de revista e de embargos é dar uniformidade à interpretação de lei no âmbito do processo do trabalho, sendo injustificada a paralisação da execução durante o curso dos mesmos.

Tanto no processo civil como no do trabalho o debate sobre a justiça da decisão é feita por ocasião da sentença e na apreciação do recurso ordinário e não em recursos que têm o objetivo garantir a intangibilidade do ordenamento jurídico.

Nesses dois momentos – sentença e recurso ordinário – os julgadores apreciam todas as alegações das partes, as provas e justiça dos argumentos. Fora da instância ordinária o papel é outro, é dar uniformidade, coesão, racionalidade ao sistema e garantir que as partes tenham a mesma interpretação da lei em todos os Estados da Federação, particularmente no processo do trabalho, onde o direito é estabelecido de forma centralizada pela União.

Chegou a hora de perceber-se que não é ad-missível tratar-se com tanta desconfiança as decisões proferidas e reexaminada em primeiro grau jurisdição, negando-se força executiva a uma sentença simplesmente pelo fato de uma das parte alegar a existência, em tese, de violação de lei.

A execução definitiva das sentenças pendentes de recurso de revista, de embargos e extraordinário divide com mais justiça o ônus do tempo no processo e impede que esses instrumentos processuais sejam utilizados apenas para retardar o andamento das ações, constituindo-se uma saída alternativa a da extinção do Tribunal Superior do Trabalho, principalmente em razão de que essa proposta acaba somando-se a daqueles que não querem uma justiça especializada e eficiente, mas seu fim.

*Paulo J. B. Leal é professor de Processo do Trabalho na UNIJUÍ e Faculdade de Direito de Santo Ângelo e mestrando em Processo Civil pela PUC/RS

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