GERAL

Quem vai apagar a luz?

César Fraga / Publicado em 24 de outubro de 1999

Crise de popularidade de FHC provoca o esfacelamento de base de apoio do governo e uma corrida precoce pela sucessão presidencial em 2002

Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo que virou presidente, cada vez mais lembra os velhos coronéis da política brasileira. A frase é do cientista político Eduardo Corsetti, mas poderia muito bem ter sido dita por qualquer um dos mais de 88 milhões de eleitores que consideraram o governo dele, em setembro último, péssimo, ruim ou simplesmente regular.

A frase, além da insatisfação, define também a personalidade contraditória do presidente República. Ou seja, o fato de Fernando Henrique Cardoso ser um político tradicional e agir como tal. E, como tal, estar se isolando politicamente ao assistir sua base de sustentação se fragmentar sem apontar soluções para os prob l e m a s mais graves do país: desemprego, saúde e segurança. Para completar, o isolamento gerou um fato inédito na história política do país. A três anos da eleição presidencial, crescem as candidaturas prematuras e o debate em torno da sucessão presidencial. Passado apenas um ano da sua reeleição, Fernando Henrique não mostrou ainda sinais de que poderá apresentar alguma alternativa de governabilidade no longo tempo que lhe resta pela frente.

Para Corsetti, a culpa pela crise é exclusiva do círculo mais íntimo de poder. “O governo fez uma opção de risco ao adotar uma política econômica vacilante diante das oscilações do mercado financeiro internacional”, afirma. Não teria sido ingenuidade, como muitos analistas insinuam. O governo sabia o que estava fazendo e optou por correr esse risco. Agora, tanto o presidente quanto o país estão pagando por essa escolha.

Os fatos justificam a tese. Até mesmo amigos do presidente, como o governador paulista Mário Covas, ameaçam abandonar o barco governista ao demostrar simpatia por candidaturas fora do espectro da aliança PSDB-PFL.

O baixo índice de popularidade, além disso, não pára de crescer. Segundo a pesquisa do instituto Datafolha, publicada na segunda quinzena de setembro, os números ultrapassaram a barreira do tolerável e se tornaram alarmantes para o governo. Os dados apontaram que 56% dos pesquisados consideram a gestão de FH ruim ou péssima.

O número é recorde neste governo, aproximando-se dos 68% de rejeição alcançados pelo ex-presidente José Sarney em 1989. Um presidente, na época, em final de mandato, derrotado pela hiperinflação e que, só para lembrar, não foi eleito por ninguém.

Os dados apontam o óbvio. A grande maioria da população acha que o desemprego é o pior problema do país (51% dos pesquisados), que o presidente respeita mais os ricos que os pobres (78%), além de trabalhar pouco (64%), ser falso (62%) e indeciso (56%). O óbvio é que o país está diante de um presidente enrascado numa perigosa situação de governabilidade: com pouco apoio político e sem medidas a propor, Fernando Henrique terá de resistir à tentação autoritária para sobreviver aos 39 meses de governo que lhe faltam.

A crise de popularidade do presidente Fernando Henrique Cardoso, por isso mesmo, fez despontar diversas candidaturas precoces à sucessão de 2002, provocando rachas até mesmo na base de sustentação do governo.

No PMDB, além do ex-presidente e governador mineiro Itamar Franco, surgiu o nome do senador gaúcho Pedro Simon, a quem o presidente nacional do partido e colega de Senado, Jader Barbalho, não cansa de mencionar como nome oficial do partido.

O próprio PFL, que viabilizou a reeleição de FH em 1997, já fechou com o nome do senador e presidente do Congresso Antônio Carlos Magalhães. Entre os oposicionistas, além de Lula (candidato natural do PT), Ciro Gomes (PPS) vem crescendo com o que ele chama de aliança de centro-esquerda, reunindo alas rebeldes do PMDB e PSDB.

O reflexo mais imediato da crise política, porém, deverá ser sentido nas eleições municipais do ano que vem. Especialistas ouvidos pelo Extra Classe acreditam que, se o quadro permanecer inalterado, várias prefeituras de regiões metropolitanas devem passar para partidos de oposição ao governo.

Para Marco Aurélio Garcia, diretor de relações internacionais do PT, uma vitória da oposição poderia desencadear uma solução parlamentarista, em que o próximo presidente teria poderes reduzidos e estaria à mercê do Congresso. “Isso não é improvável. No Brasil, seria o mesmo que entregar poderes plenos à classe dominante”, diz. A única resposta do governo, até agora, é um tiro que pode sair pela culatra. Para tentar minimizar a crise e atenuar a tendência eleitoral oposicionista, o governo relançou o Plano Plurianual com o nome de Avança Brasil. O resultado mais palpável foi uma briga no Congresso entre PMDB e PFL, principais partidos da base governista, pela relatoria do projeto. O que, na prática, só serviu para atenuar as diferenças entre os aliados do presidente

Acabou o monólogo neoliberal

Com a crise de popularidade, a base do governo fragilizou o chamado “rolo compressor” do Congresso e abriu mais espaço para a oposição atuar de forma autônoma. A tese é do deputado federal José Genoíno (PT), que não acredita numa crise de governabilidade. “O que está demonstrado é o fracasso do modelo econômico. Por isso, este é o momento de a oposição apresentar novos rumos ao país”, afirma.

Genoíno acha que os próximos anos de Fernando Henrique serão de um governo fraco e pendular. “Daí a necessidade de discutirmos um novo projeto nacional, radicalmente oposto ao que aí está”, define. Acomparação feita pelo parlamentar é a de que o país vive em uma espécie de camisa de força: não há estabilidade sem juro alto, mas também não há crescimento com juro alto. Acamisa de força, para ele, deve ser indicada claramente ao movimento social para que cresça o isolamento do modelo atual de gestão.

Discussões como a do parlamentarismo, hoje, cheiram a golpe para o deputado, que também considera rediscutir a possibilidade de reeleição só ponderável depois do pleito municipal do ano que vem.

De dentro de um dos partidos que apóiam o governo, o senador Roberto Requião (PMDB) é obrigado a concordar com Genoíno no quesito “crise de governabilidade” e acrescenta: “O que há é uma crise deste governo. O preço do desgaste está vinculado aos abusos que foram cometidos”, sentencia.

Requião acredita que a forma de governar do presidente não deve mudar nos próximos anos. Mas, ao contrário de Genoíno, acha que a possibilidade de uma queda do presidente é possível, embora improvável. “É difícil prever quão forte pode ser a pressão daqui para frente”, pondera. Ele também argumenta que a oposição, mesmo antagonizando com o governo, não possui uma base de sustentação para tocar propostas que, segundo ele, ainda não existem.

Quando o assunto é sucessão presidencial, no entanto, Requião é taxativo: “Ninguém tem proposta, portanto não há candidato a nada. O que existe é um concurso de beleza”, ironiza, e fala isso referindo-se aos próprios colegas de partido, como o senador Pedro Simon e o governador Itamar Franco. Ele também taxa a utilização do Plano Plurianual de oportunista, designando o Avança Brasil como Plano Pinóquio. “Este tiro só não vai sair pela culatra porque a culatra do governo já está arrebentada”, diz.

“O momento é de se redescutir a política econômica, isso sim”, defende o senador peemedebista. Segundo ele, as únicas economias do mundo que estão em franco crescimento são as que não se abriram ao capital globalizado, China e Índia, ambas com índices superiores a 4% ao ano.

O cientista político Eduardo Corsetti acha que boa parte da crise atual é conseqüência da falta de reformas necessárias ao projeto político do presidente. “Grande parte das reformas necessárias ao êxito do projeto do governo foram deixadas de lado pela presidência em detrimento do projeto de reeleição”, critica. Ele cita as reformas tributária e da Previdência, que só agora começam a ser discutidas, como fundamentais para o sucesso da estratégia de FH. “Mas se não houve reforma até agora, a culpa é do próprio governo”, diz.

E diante da crise, avança o cientista, abriram- se três frentes políticas dentro do próprio governo. Uma delas é a do PSDB, que terá o pior ônus deste processo. Como já está no governo, deverá assumir os erros de qualquer forma. Depois vêm os partidos que apóiam o governo e que ficarão em uma situação ambígua, pois tentarão faturar as virtudes ao mesmo tempo em que procuram se desvincular publicamente dos aspectos negativos, como faz ACM. A terceira frente é a do PMDB, que apóia o governo mas não abre mão de uma postura crítica e incisiva no que se refere às questões sociais.

O sindicalista e presidente do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-econômicos), José Braga da Silva, Outubro de 1999 acha que o preço da estabilidade está sendo grande demais para a população. Daí a impopularidade do presidente. “A política econômica jogou o país na recessão e piorou todos os indicadores relacionados ao mercado de trabalho”, analisa.

Por outro lado, segundo Braga da Silva, a dependência de financiamento do governo, provocada pela política econômica, também fez aumentarem a dívida pública e o respectivo pagamento dos juros, comprometendo o orçamento público e diminuindo, cada vez mais, os recursos aplicados em programas sociais. A dívida pública, que era de R$ 150 bilhões em 1995, deve atingir algo em torno de R$ 700 bilhões neste ano. Isso significa quase um ano de atividade produtiva do país.

“Não é verdade que devemos escolher entre inflação e desemprego. Aescolha deve se dar entre a atual visão do governo -subordinada aos planos do capital internacional – e uma nova política econômica voltada para o crescimento da economia e para a distribuição de renda.”, sintetiza o presidente do Dieese. “Infelizmente o país perdeu a noção de futuro”, acrescenta. Baseado nessa tese, ele argumenta que o movimento sindical é quem deverá atuar na defesa dos trabalhadores e dos interesses do país, criticando, formulando alternativas, negociando e se mobilizando para contribuir com um projeto de mudanças que de fato interessem à maioria da população.

O economista e coordenador do Núcleo de Transparência e Responsabilidade Social do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), João Sucupira, critica a utilização do Plano Plurianual como saída para a crise de governabilidade. “Com alta ou baixa popularidade, o PPA seria feito de qualquer forma”, avalia o economista. Segundo Sucupira, como o plano já estava sendo elaborado desde o início do ano -antes da crise, portanto – boa parte está baseada em recursos do setor privado. Ou seja, são investimentos que não estão ligados diretamente aos problemas do país, como saúde e previdência.

“De certa forma dá a impressão de que o Plano é uma solução para tudo, quando na verdade não é. Ele não foi construído sob a ótica da crise e não dá respostas para ela. Nem mesmo para as questões vinculadas à popularidade do governo”, argumenta. Para Sucupira, o que deve ser visto com bons detrimento do projeto de reeleição” olhos é o fato de se colocar o assunto em foco e abrir a possibilidade de uma discussão mais profunda do tema antes da votação.

Sucupira, no entanto, vê alguma coisa boa na crise. Ou seja, se não houvesse crise de popularidade não haveria a possibilidade iminente da retomada do crescimento. “Este seria o melhor aspecto desse empasse presidencial”, diz. Como a história do Brasil sempre foi norteada por uma forte concentração de renda, qualquer processo que desencadeie uma possibilidade de avanço neste setor é bem vinda, justifica o economista . Em suma: o debate econômico importa mais do que a discussão em torno do plurianual.

E Sucupira vai além. Na sua opinião, o debate em torno do viés econômico está apenas começando. Do ponto de vista social e até mesmo empresarial não há setor que não tenha sido prejudicado. O coordenador do Ibase cita um estudo recente da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), órgão da ONU, onde se afirma que Brasil, Peru e Venezuela saíram perdendo com a opção pelo capital globalizado. “Pelo menos acabou o monólogo neoliberal”, decreta.

Quadro é alarmante até para empresários

Não existe setor da sociedade que não tenha sido atingido pela política recessiva do governo. Um círculo vicioso se propaga quando a produção é onerada pelos juros altos, obrigando empresas a reduzir custos. Uma das formas é demitindo pessoal. Algumas chegam a quebrar. Com a alta do desemprego, o mercado fica desaquecido e acaba agravando a recessão.

É diante desse quadro alarmante que o empresário Mauro Knijnik, presidente da Federasul (Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul), expõe sua preocupação com os rumos do governo: “O presidente precisa tomar as rédeas. Ele divide o poder com muita gente”, recomenda o empresário.

Apesar disso Knijnik faz questão de ressaltar a confiança que diversos setores do empresariado ainda depositam no presidente, na forma do que ele chama de “esperança de mudança”. Mesmo assim, faz uma advertência. “Há uma falta de desejo do Fernando Henrique em assumir as rédeas de seu governo. Falta o desejo de assumir os males causados pela política econômica. Mas se isso não for feito, as coisas podem piorar”, diz.

O presidente da Federasul concorda com a maioria da população ao considerar o desemprego como o principal problema do país. E ele arriscaria até mesmo um pouco de inflação com crescimento econômico para solucionar esse impasse. “O que não pode é ficar como está”, “sentencia o empresário.

O professor de história da Unicamp e integrante da direção nacional do PT, Marco Aurélio Garcia, vê uma relação intrínseca entre política e economia na atual crise de credibilidade do governo. “A manutenção da sobrevalorização cambial foi sustentada até que não oferecesse mais riscos à reeleição. Só que o problema deveria ter sido resolvido há muito mais tempo e isso acabou causando uma perda de US$ 40 bilhões para o país”, afirma.

Segundo ele, a escolha pelo “populismo cambial”, que norteou os dois últimos anos do governo, tinha o objetivo único de reeleger o presidente. Passada a euforia, os problemas represados vieram à tona de forma brutal, provocando a desconstituição de várias cadeias produtivas e gerando desemprego. Além disso, a crise encurtou os recursos de políticas sociais.

Mas Garcia não acredita que a crise enfrentada pelo governo possa ser benéfica para a oposição. O que inquieta na situação de Fernando Hernrique é que, para um governo que ainda tem três anos pela frente, ele já dá a impressão de ter apenas seis meses. “Se houvesse eleição presidencial no ano que vem, a degradação da imagem dele não seria tão grave”, arrisca. O que, na sua opinião, não é bom nem para o país nem para a democracia.

Mesmo assim o petista não acredita em saídas como as implementadas por Hugo Chavez, na Venezuela, ou Alberto Fujimori, no Peru. “No caso desses presidentes, eles aumentaram seu poder extraconstitucionalmente com a popularidade em alta”, lembra o professor da Unicamp. E adverte que a própria estratégia geopolítica da globalização não permitiria isso no Brasil.

Líder diz que leições, “só em 2002”

O líder do governo no Congresso não deixa dúvidas de que não abandonou o barco do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. “Claro que não existe crise de governabilidade. Dos 594 congressistas, mais de 460 dão suporte a Fernando Henrique e ao programa de reformas estruturais”, proclama. Sem tergiversar, o deputado Arthur Virgílio (PSDB/ AM) admite sim que estamos em crise econômica, mas que ela está chegando fim.

Virgílio diz que a reforma tributária é prioridade máxima para o governo. “Ficar contra isso é cair no populismo, é tentar, inutilmente, enganar o futuro”, defende o parlamentar. Segundo ele, o parlamentarismo é objetivo estratégico do PSDB. “Sou parlamentarista convicto. Considero o presidencialismo a expressão política mais nítida da tradição caudilhesca, personalista, populista e autoritária deste país”, critica.

Mas o deputado adverte que não quer o modelo parlamentarista como solução casuística para crise. “Que ele vem um dia, lá isso é verdade. Mas ele virá pelo avanço civilizatório de nossa sociedade e não como remendo que lhe desfiguraria os objetivos e as possibilidades”, pondera Virgílio. Por isso Virgílio não pensa em eleições fora de época. “Em política, errar no timing é fatal. A hora, pois, é de vencer a crise econômica. Recuperar o apoio popular ao governo e ao presidente e, na hora própria, lançar um nome competitivo para disputar o pleito”, delineia. E sentencia: “Eleição presidencial, só em 2002”.

Sustentação relativa

Roberto Freire*

Não existe no país nenhuma crise de governabilidade. Fernando Henrique Cardoso ainda tem uma base relativa de sustentação, ainda que muito contraditória e problemática, tendo em vista o jogo de interesses que a cerca. É verdade, o governo vem se caracterizando por desacertos de todo tipo e isso o fragiliza. A própria antecipação do debate da sucessão presidencial três anos antes do pleito demonstra esta realidade.

Mas quem pretende construir um projeto novo de nação não pode ficar apostando na crise. O presidencialismo é uma instituição forte e se FHC quiser há algumas saídas limitadas dentro do seu modelo. O próprio programa apelidado de Avança Brasil é uma tentativa de corrigir alguns rumos, embora tende a se tornar uma peça apenas virtual de governo em função do esgotamento da capacidade financeira do Estado. A oposição precisa ter propostas e projeto político, independentemente do desempenho das forças que hoje estão no poder. E, nesse sentido, palavras de ordem como Fora FHC, além de golpistas, são vazias de conteúdo programático.

Também é golpismo a solução do parlamentarismo para enfrentar uma hipotética desmontagem do governo FHC, hoje paradoxalmente admitida por alguns presidencialistas empedernidos, à esquerda e à direita.

Ciro Gomes, do PPS, desde as eleições do ano passado aponta para um projeto alternativo. No plano político, ele é muito claro: não há saídas para transformar o Brasil fora dos marcos de um bloco de centro-esquerda. Tal caminho implica desconsiderar a estratégia da Frente Popular, por entendê-la estreita, excludente e, portanto, isolacionista.

Em relação à retomada do desenvolvimento, o candidato do PPS defende como passo inicial enfrentar a questão da dívida interna, que consome atualmente mais de 60% de todos os recursos arrecadados pela União. Um governo pressionado pela dívida não terá condições de patrocinar o desenvolvimento auto-sustentado e se contentará, no máximo, em adotar medidas de caráter emergencial.

*Roberto Freire é senador pelo PPS

Crise propícia à ruptura política e institucional

José Dirceu *

Vivemos sim uma crise de governabilidade. O país vive um vazio de governo, que é produto da falta de consenso e acordo sobre como sair do impasse em que o Brasil se encontra, resultado desses dez anos de política neoliberal.

O modelo econômico e o tipo de dependência que se estabeleceu para o Brasil aos capitais externos, as dívidas ex-terna e interna, a desnacionalização, a venda do patrimônio público, impossibilitam nosso desenvolvimento social e econômico. O desemprego, a concentração de renda e a inviabilidade dos serviços públicos criam uma situação que qualquer aprofundamento de ajuste se torna inviável do ponto de vista social e político.

A sociedade começa a se dar conta deste impasse e o governo e sua coalizão conservadora perdem apoio social, inclusive em setores que tradicionalmente sempre o sustentaram, as classes médias e o pequeno e médio empresariado.

A crise política ocorre porque não há mais unidade e já há uma disputa por maioria entre a população, uma vez que o governo já é minoria na sociedade. Nomes começam, não só a se lançar à Presidência da República, como também a apresentar propostas, e passam a disputar uma parcela grande da sociedade, tanto do ponto de vista social como eleitoral. ACM faz isso. O PMDB procura começar a fazer, às vezes com Pedro Simon, às vezes com Itamar Franco.

O PT faz isso com outra marca, com a marca da mobilização, da luta social, com Lula. Tem o Ciro Gomes, que tenta fazer uma coalizão de centro-direita (apenas com nome de centro-esquerda) e tem o PDT do Brizola, que começa a ensaiar a candidatura do Garotinho.

E a crise deve se aprofundar exatamente por isso: porque a disputa está instalada. A instabilidade é permanente. Basta ver a crise do Plano Plurianual. E há, também, uma crise política institucional, a crise no Judiciário, a crise da ética e da representatividade do Congresso Nacional, a crise dos partidos.

Há, realmente, no país um momento propício para uma ruptura política. O que se faz necessário agora é evitar que essa ruptura seja um retrocesso democrático, com saídas autoritárias e/ou parlamentaristas. Há que se fazer uma ruptura que seja uma ampla reforma democrática no país, além da mudança no modelo econômico e da instalação de uma nova política econômica que represente um choque de distribuição de renda no país.

*José Dirceu é deputado federal, presidente nacional do PT

Modelo falido

Anthony Garotinho *

O principal problema do governo Fernando Henrique está na insistência em um modelo econômico que privilegia o capital especulativo – nacional e internacional – em detrimento da produção do trabalho. Os índices de desemprego e as altas taxas de juros são os resultados mais eloqüentes dessa política econômica nefasta país, responsável também pelos índices recordes de impopularidade do presidente.

Além desse desastre na área econômica, o governo federal ainda não conseguiu produzir uma agenda positiva para o Brasil, com o desenvolvimento de políticas sociais que, pelo menos, minimizem a grave situação da maioria do nosso povo.

O “Avança Brasil” poderia ser uma tentativa de apontar para uma agenda positiva, mas seu lançamento grandiloqüente, a ênfase excessiva nas questões macro-econômicas em detrimento das políticas sociais e a falta de entusiasmo demonstrado pelas próprias bases do governo mostram que ainda falta rumo ao Palácio Planalto. Mesmo como paliativo, o “Avança Brasil” é muito pouco para dar à população a esperança de novos tempos, o que necessita neste momento para enfrentar os momentos difíceis pelo que passamos em nosso país.

O papel da oposição é mais do que nunca denunciar o modelo econômico, apontando alternativas e mostrando que as empresas nacionais e os trabalhadores não podem continuar suportando os juros estratosféricos. As pequenas reduções nas taxas, determinadas recentemente pelo Banco Central, são fruto, principalmente, da pressão da sociedade, dos partidos oposicionistas, dos empresários, dos sindicatos, de todos aqueles que querem um Brasil voltado para a produção e para a geração de emprego e renda para a toda a população.

Se o Congresso Nacional conseguir reformular a legislação fiscal para que a cobrança recaia sobre o consumo e não sobre a produção, e a distribuição da arrecadação e das responsabilidades seja equânime, a reforma tributária pode tornar-se o primeiro passo para uma política real de desenvolvimento.

A impopularidade do governo Fernando Henrique tem gerado o lançamento prematuro de candidaturas à presidência, tanto na base governista como na oposição. Eu mesmo já fui lembrado por correligionários, mas tenho repetido: no momento, sou candidato apenas a ser o melhor governador que o Rio de Janeiro já teve. O Brasil precisa, no momento, que cada um cumpra o seu papel: governo federal, Congresso, oposição, governos estaduais e a sociedade organizada devem agir para tirar o país da crise e apontar um futuro melhor para todos.

*Anthony Garotinho é governador do Rio de Janeiro (PDT)

Percalços naturais

Arthur Virgílio *

Na verdade, o presidente Fernando Henrique não tem apenas oito meses de gestão mas, bem diversamente, quase cinco anos entre seu primeiro mandato e o início deste segundo, também conquistado em primeiro turno, com enorme vantagem sobre o segundo colocado no pleito. Com duas crises internacionais – a asiática, em outubro de 1997, e a russa, em janeiro deste ano – que pegaram o país sem que ele tivesse completado ciclo essencial de reformas estruturais, o resultado foi a queda da popularidade presidencial.

Fernando Henrique demonstra enorme firmeza quanto ao estratégico. Sem alardes e sem as “batidas de mesa” que caracterizam os caudilhos, não desistiu, em nenhum momento, de prosseguir reformando as estruturas esclerosadas com as quais se deparou ao assumir o Ministério da Fazenda, em 1994. Não abriu mão da política econômica que combate a inflação, enfrenta o déficit público e visa ao crescimento econômico sustentado. Não decaiu na demagogia. Não fez piadas de mau gosto com a vida dos brasileiros.

Manteve, ainda assim, o controle das coisas. A inflação, que iria, segundo os pessimistas, disparar para 80% ao ano, ficará contida em um único dígito ao fim de 1999. A questão cambial está equacionada. Os investimentos estrangeiros duradouros – quase US$ 20 bilhões até agora – deverão, só eles, financiar o déficit em transações correntes previsto para cerca de US$ 24 bilhões neste exercício. Os capitais voláteis sumiram. As taxas básicas de juros são as mais baixas dos últimos oito anos. No passo seguinte, cairão os juros na ponta do consumo. O crescimento econômico começa a ser sentido timidamente e deverá deslanchar a partir do próximo ano. O desemprego parou de crescer e haverá de sofrer sensível redução nos próximos três anos.

Não há crise de governabilidade, portanto. Brevemente, não haverá, sequer, resquícios da crise econômica. Ora, se a popularidade do presidente desabou em função das dificuldades da economia, tendo a acreditar que ela se restabelecerá, fortemente, se o quadro que prevejo se realizar. E é natural que, dentro de aliança tão ampla como essa que dá suporte a Fernando Henrique, ocorram percalços até de certa gravidade, vez por outra. Pior seria, sem dúvida, se as dificuldades surgissem da falta de densidade política, como foi o caso de Collor ou como seria o caso de alguém, porventura, eleito por um pequeno partido.

Quanto à cogitação de candidaturas presidenciais, tão antecipadamente ao tempo efetivo da campanha eleitoral, entendo toda essa movimentação mais como tática dos diversos partidos que pretendem ganhar espaço e mídia, marcando presença e tentando ampliar suas militâncias e suas bases de apoio.

Os aliados de Fernando Henrique não se estão pondo em ação. Dos adversários, o PT age com sabedoria e não expõe seu candidato, que, dificilmente será Lula, antes do momento certo. O douto. Ciro Gomes, ontem no PDS e hoje no PPS, versátil como ele só, está indo com sede ao pote desproporcional ao seu verdadeiro potencial de votos. O PSDB pensa, obsessivamente, em derrotar a crise para só depois discutir candidaturas. Campanha eleitoral tão longe do pleito é, perdoe-me o doutor Ciro, coisa de quem não tem mesmo o que fazer.

*Arthur Virgílio é deputado federal (PSDB) e líder do governo no Congresso

 

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