GERAL

Intercâmbio político

Da redação / Publicado em 22 de abril de 2000

Durante décadas o estado recebeu exilados e fugitivos dos regimes militares do Cone Sul

Até meados dos anos 80, a América Latina permaneceu assolada por ditaduras militares e por um clima de perseguições políticas, exílios forçados e auto-exílios. Nessa atmosfera, muitos hermanos vieram parar no Brasil porque consideravam o país menos repressor que nas ditaduras de origem. Hoje, cerca de 100 mil argentinos, uruguaios e chilenos vivem no país, dos quais 24.362 no estado. Eles, de certa forma, ajudaram a construir uma consciência política no Rio Grande do Sul.

No Brasil, o pior já havia passado no final dos anos 60 e durante o período Médici, no início dos 70. Foi esta a justificativa que trouxe para o estado, em 1977 o jovem argentino Miguel Angel Gómez, recém-formado na Universidade de La Plata (Argentina), em cinema. “Havia a impossibilidade de exercer a minha a profissão no meu país. A repressão estava muito grande. Para se ter uma idéia, até hoje é difícil encontrar uma família argentina que não tenha um parente ou vizinho envolvido com problemas durante o regime militar”, conta Miguel. Ele não foi exatamente um exilado. Saiu do seu país devido à situação de medo permanente, que para ele se tornou insuportável.

“Se vivia uma situação de terrorismo de estado escancarada. Era uma situação de medo permanente, com as forças da repressão caçando as pessoas nas ruas e nas casas. Uma coisa horrível. Não havia dia em que não tivéssemos notícia de um amigo ou conhecido que não houvesse sido seqüestrado, desaparecido, baleado ou morto”, conta. Na época o Brasil já vivia o chamado processo de abertura “lenta e gradual”. Uma vez aqui, Gómes trabalhou como cinegrafista em documentários e emissoras de TV. Miguel, hoje com 47 anos, é proprietário de uma livraria especializada em língua espanhola. “é a minha forma de manter contato com a cultura de meu país e me relacionar com outras pessoas que vieram para cá em circunstâncias semelhantes às minhas”, diz o argentino.

Mais dramática foi a trajetória do chileno Pedro Constantino Sierra Cornejo, que era militante do grupo de luta armada MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) no Chile. Este grupo foi responsável pelo justiçamento do general do exército chileno Karol Urzua em setembro de 1983. A conseqüência do ato foi a caçada implacável feita pelo exército de Pinochet aos integrantes do MIR. “Com a reação dos militares, toda a nossa direção nacional foi presa ou executada. Três companheiros que tiveram participação direta no episódio foram capturados. Com isso, a situação ficou insustentável, pois não existia mais comunicação entre as células do movimento que estavam espalhadas pelo país. Depois de alguns dias de tortura, os presos acabariam entregando os restantes. A única saída era fugir”, relata o ex-militante, hoje com 42 anos. De acordo com ele, o MIR era a principal forma de resistência armada ao regime e, por isso, tornou-se o alvo principal da polícia do governo. “Muitos de nós morreram e acabamos decidindo sair do país por nossa própria conta, já que o partido já não tinha estrutura para organizar as fugas”, recorda Sierra. Chegando no Brasil em 1983, ele entrou em contato o Movimento pelos Direitos Humanos e tornou-se asilado pela ONU (Organização das nações Unidas) em 1984. Continuou militando à distância na busca de assinaturas para evitar que os colegas presos fossem executados pelos seguidores de Pinochet. Na época o governo chileno conseguiu fazer passar no congresso uma lei que previa a pena de morte, na qual os executores do general foram enquadrados. “No final a comunidade internacional interveio e eles não foram mortos, mas acabaram banidos do país no início dos anos 90”, explica o chileno.

Trajetória semelhante teve Eduardo Pereira, que trabalhava como funcionário da cinemateca Nacional, em Montevidéu. Também veio para o Brasil em 1983, quase no final da ditadura uruguaia que havia se iniciado em 1973. “Eu fazia parte de um dos vários grupos de militância política que desenvolviam atividades de resistência ao regime”, situa Eduardo. Também teve de sair às pressas, quando seus companheiros começaram a ser presos. “Pelo menos 15 amigos meus foram capturados”, diz. Do grupo, apenas cinco escaparam. A opção de continuar vivendo no Brasil, mesmo depois de ter conquistado o direito de retornar, é idêntica à dos demais relatos. “Fiquei tanto tempo aqui que acabei estabelecendo laços afetivos e profissionais. Ficou difícil voltar. A minha esperança é que esses tempos não retornem. A violência foi extrema e a quantidade de mortos e desaparecidos é muito grande. Embora já passados quase 20 anos, esses fatos marcaram a cultura não só do Uruguai como dos outros países. Espero que não aconteça mais”, desabafa o ex-militante, que atualmente tem uma vida normal como representante de vendas em Porto Alegre.

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