CULTURA

Um diretor acima de qualquer suspeita

Publicado em 10 de setembro de 2000

Em 1961, o diretor Peter Brook embarcou 30 garotos em um avião da Pan Am e levou-os para uma ilhota próxima de Puerto Rico. Com um orçamento quase inexistente, durante duas semanas, Brook filmou O Senhor das Moscas, mantendo a maior fidelidade possível ao texto de William Golding que visualizava a sociedade decadente e suas intermináveis lutas pelo poder através da saga dos meninos ingleses perdidos em uma ilha tropical. Rodado em preto e branco, é considerado um clássico do cinema.

A vida do diretor que muitos chamam de Deus em sua área, como acontece com os simples mortais, passou por mudanças desde a filmagem de O Senhor das Moscas, mas a sua capacidade profissional continua indisputada. A grande façanha de Peter Brook é explorar o teatro como entidade em evolução. Antes e depois de transformar em filme a amarga visão de Golding sobre a natureza humana, Brook espantou o mundo teatral com suas versões que beiravam o revolucionário tanto para as tradicionais peças de Shakespeare quanto para experimentos como Marat/Sade.

Le Costume, peça mais recente de Brook e atração do 7o Porto Alegre Em Cena, é parte da fase francófona do diretor que se radicou em Paris em 1970 onde fundou o Centro Internacional de Pesquisa Teatral e onde comanda seu Théâtre des Bouffes du Nord. A peça falada em francês e baseada em livro do escritor negro sul-africano Can Themba tem um trecho à disposição do público na internet (http://www.kwvideo. kataweb.it/taormina/taorminanew. html). É um conto de horror a partir de uma história de amor e traição. A magia costumeira de Brook faz, de um quase nada, um trabalho com as proporções dramáticas de uma ópera. Para tanto ele não se utiliza de muito mais do que duas cadeiras, uma cama e um cabide onde é pendurado o terno a que se refere o título da peça. Le Costume poderá ser vista pelo público porto-alegrense no Teatro Renascença entre 21 e 24 de setembro, às 20h30.

Embora seja um diretor cultuado, o trabalho de Brook é menos o de um guru iluminado com um estoque infinito de respostas do que o de um operário do teatro, dando duro em infindáveis períodos de ensaio e incansáveis tempos de pesquisa aos 75 anos de idade. Suas idéias, além de suas peças e filmes, podem ser conferidas também em livros.

Em 1968, lançou The Empty Space, obra sobre teatro que se tornou uma espécie de bíblia para atores e diretores ao redor do mundo. Seu livro de memórias, como era de se esperar, ao contrário das fugazes celebridades pós-modernas, desvia de comentários e historinhas pessoais em favor da explanação de seu trabalho e de uma visão enriquecedora do teatro como entidade viva. Afinal é o próprio Brook quem, a certa altura do livro, autocrítico, diz que por vezes durante sua trajetória pensou em abandonar o teatro por ser algo frívolo ao qual não deveria devotar sua vida. Felizmente, preferiu continuar e aceitar o desafio de transformar qualquer traço de frivolidade em uma obra densa e conseqüente. (J.J.)

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