OPINIÃO

Conceitos básicos de sociedade e cultura – 5

Barbosa Lessa / Publicado em 7 de dezembro de 2000

Historicamente, a Cultura Cultivada surgiu de minorias privilegiadas que, tendo já superado o nível de produção para a simples sobrevivência, podiam agora entreter-se em exercícios de espírito. Surgiu com os papiros dos sacerdotes do antigo Egito, com os desenhos dos primeiros geômetras, e ganhou força quando instituições como a Igreja ou a Escola tomaram a si a tarefa consciente de transmitir conhecimentos de cunho humanístico, isto é, de valorização do ser humano. Através de mensagens desenhadas, pôde uma geração transmitir seus conhecimentos à geração seguinte sem a necessidade do contato pessoal.

A partir da escrita fonética, imitando os sons da fala humana, e dos tipos móveis de Gutenberg, reproduzindo-os em muitas cópias, a comunicação entra num ritmo espantoso, rompe-se a delimitação de territórios culturais, torna-se mais intenso o contato entre culturas diversas. O indivíduo letrado desgarra-se do grupo local a que pertence e, a cada novo livro que lê, há uma nova alternativa proposta ao seu universo de conhecimentos. A experiência do velho é contestada pelo jovem pesquisador, a ebulição espiritual descortina novos problemas e a inteligência busca resolvê-los.

Se a Cultura Espontânea manipulava, principalmente, coisas, já a Cultura Cultivada passa a manipular, cada ez mais, símbolos – a começar pelas letras ou signos de comunicação escrita. A divisão do trabalho, crescente, vai restringindo o núcleo de conhecimentos comuns a todos e vai multiplicando o segmento das especialidades. Surge a Escola como grande veículo de comunicação social. E a Educação, agora em sentido restrito, passa a ser o processo pelo qual a sociedade institui mecanismos para transmitir, à criança e ao jovem, os padrões de comportamento e o conhecimento das técnicas e ciências, sob regras pedagógicas expressas.

A educação formal, por sua própria essência, ignora a cultura folk, e toda sua sistemática consiste em ir afastando a criança e o adolescente, cada vez mais, dos padrões da sociedade espontânea. De tempos em tempos o professor põe à prova se o aluno já se afastou suficientemente: se este vence tal prova, passa; se não, roda, até aprender. E assim a sociedade vai se dividindo em fragmentos hierarquizados de acordo com a soma de conhecimentos formalmente adquiridos: pré-escolar, primeiro grau, segundo grau, etc. O status é dado pelo respectivo diploma. A liderança política da nação é assumida pelos bacharéis. E o analfabeto, coitado, nem sequer tinha direito a voto: era castrado em sua própria cidadania.

Mas no frigir dos ovos, sente-se que tais tensões causaram um extraordinário bem à Nação.

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