OPINIÃO

Consolemo-nos

Luis Fernando Verissimo / Publicado em 28 de agosto de 2001

O cinema americano nos educou mal. Não se sabe quantas mãos quebradas se devem à ilusão de que brigar a socos era como aparecia nos filmes – sem falar na decepção porque o som de punho contra queixo não era nada como no cinema. Nos criamos com a perigosa desinformação de que basta um golpe bem dado na cabeça para deixar alguém desacordado. Se funcionava com milhares de sentinelas nazistas distraídos, por que não seria verdade? Alguns exemplos não pegaram. Nunca vi ninguém real olhar com perplexidade para o telefone depois de uma chamada não compreendida ou inexplicavelmente interrompida. E algumas coisas aprendemos sozinhos: mesmo antes do beijo de língua chegar aos filmes de Hollywood, sabíamos que beijar de verdade não era como eles mostravam.

Também ficamos mal acostumados com o processo jurídico americano, como o retrata o cinema. Com o tempo mínimo entre um crime e seu julgamento, com a informalidade – comparada com a ritualística brasileira – dos tribunais e seus procedimentos, com sua agilidade e eficiência e, claro, seu conteúdo dramático superior. Muito da impaciência com a Justiça brasileira vem de um excesso de filmes “de tribunal” americanos, onde tudo parece ser tão mais prático e rápido. Na verdade, a Justiça americana é mais ágil do que a brasileira e mais racional nos seus trâmites, mas não se deve confiar demais no cinema. Se aqui a Justiça pode ser injusta pela lerdeza e o formalismo, nos Estados Unidos ela pode ser injusta pelas razões contrárias, com a agravante de que em muitos Estados a injustiça inclui o risco de uma condenação à morte. Nunca é demais lembrar que as instâncias e recursos que, no Brasil, às vezes dão a impressão de assegurarem a impunidade existem para proteger o cidadão das ameaças de uma Justiça imediatista. Melhor os Estevãos e Lalaus soltos do que qualquer tipo de vigilantismo jurídico. O que não quer dizer que os trâmites não precisem de uma apressada geral.

Consolemo-nos com a conclusão de que não somos tão piores do que os outros. O PMDB e o Banco Central precisam, sim, explicar como um Jader Barbalho chegou à presidência do Senado, com tudo que já se sabia dele, mas os Jader Barbalhos não são exclusividades brasileiras – por mais que gostemos de pensar, até com uma certa faceirice, que ninguém é mais corrupto do que a gente. O Jader Barbalho da Itália, por exemplo, foi mais longe do que o nosso: chegou a primeiro-ministro.

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