CULTURA

Grandes histórias para pequenos leitores

Jimi Joe / Publicado em 28 de agosto de 2001

Contar histórias para crianças é um assunto sério. Nem sempre, no entanto, os trabalhos de maior qualidade são aqueles que chegam ao público infantil. Autores de alta respeitabilidade como Ferreira Gullar, Guimarães Rosa, Umberto Eco, Gabriel García Marquez, Erico Verissimo e Clarice Lispector criaram histórias infantis encantadoras por seus conteúdos ou formas, mas raramente essas obras chegam ao público a que se destinam. Contemporaneamente, nomes como Sérgio Caparelli, Carlos Urbim e Ana Maria Machado têm se preocupado em gerar uma produção de qualidade destinada ao público infanto-juvenil e têm sido bem sucedido em seus intentos. A divulgação dessas maravilhas modernas dedicadas às crianças, no entanto, enfrenta uma série de barreiras até chegar à sua destinação final. A queixa maior de autores, público e livreiros são relacionadas aos poucos e pequenos espa-ços dedicados à literatura infantil na mídia em geral, sonegando aos pais uma orientação adequada em termos de mercado editorial para um público que, às vezes ainda não consegue escolher por si mesmo as histórias que gostaria que lhe fossem contadas.

A queixa maior de autores, público e livreiros são relacionadas aos poucos e pequenos espaços dedicados à literatura infantil na mídia em geral, sonegando aos pais uma orientação adequada em termos de mercado editorial para um público que, às vezes ainda não consegue escolher por si mesmo as histórias que gostaria que lhe fossem contadas.

A jornalista Lu Vilella, sócia de uma livraria, em Porto Alegre, tem uma ligação muito forte com a literatura infanto-juvenil desde que decidiu transformar essa área em sua especialização. Concluído o curso de Jornalismo, ela diz que ao optar por uma especialização em obras criadas para o público infanto-juvenil acabou descobrindo “todo um universo novo e maravilhoso que não conhecia”. Ao voltar da Europa, onde viveu um período, ela veio com a idéia de criar uma livraria dedicada somente ao público infanto-juvenil. “Claro que não foi possível, mas com a livraria procurei dar ênfase às obras para crianças.” Ao detectar uma autêntica sonegação de informações sobre a literatura infanto-juvenil em ter-mos de mídia, principalmente a grande mídia impressa, Lu tratou de se informar, por conta própria, em sites da Internet como o do Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil, que figura nos “favoritos” de seu computador. “Você abre as ditas revistas culturais e não en-contra reportagens sobre livros infantis de qualidade. Tampouco os cadernos de cultura dos grandes jornais diários, dedicam um artigo maior à literatura infanto-juvenil.” Lu lembra que há uma grande quantidade de títulos infantis da mais alta qualidade. “Escritoras como Lygia Bojunga Nunes e Marisa Lajolo produzem literatura infantil que não é menor embora seja para menores, é literatura com forma e conteúdo.” Do gaúcho Erico Verissimo, com vários títulos publicados para o público infanto-juvenil, ao cultuado pensador italiano Umberto Eco, vários escritores normalmente dedicados à literatura para o público adulto, se voltaram para as crianças. Eco escreveu pelo menos dois livros infantis exemplares na me-tade dos anos 60, A Bomba e o General e Os Três Astronautas. Erico escreveu 11 títulos endereçados a crianças e jovens na década de 30.

O editor Sérgio Lüdtke lembra que na década de 80 houve uma explosão do mercado da literatura dedicada às crianças. “Todo autor adulto publicava um livro infantil.” Essa mo-vimentação toda acabou consolidando um mercado que, mais tarde, passaria por uma auto-depuração. “Certamente houve muita gente que criou obras infantis sem qualquer qualida-de, apenas pensando em aproveitar um mercado em crescimento.” Lüdtke identifica uma fase desse crescimento marcada por uma tendência para livros “que eram quase brinque-dos”, dedicados a uma faixa etária pré-escolar.

A psicóloga paulista Marta Mandrioni vê os primeiros contatos das crianças com os livros como uma responsabilidade muito grande dos pais e da escola. “As histórias que ouvimos na infância parecem ter uma durabilidade em nossa memória que beira o perene. Daí, a importância de uma escolha adequada na hora de ‘contar’ as primeiras histórias”, enfatiza. Marta afirma que as primeiras personagens apresentadas às crianças podem se transformar em verdadeiros ícones e referenciais em fases posteriores.

A maioria dos autores vindos da literatura adulta permaneceram fiéis a si mesmos, criando textos infantis. Guimarães Rosa, por exemplo, não abriu mão de suas experimentações lin-güistícas ao criar Fita Verde no Cabelo, uma releitura arrevesada de Chapeuzinho Vermelho. E se o colombiano Gabriel García Marquez já é um delírio só em suas obras para adultos, ao escrever para crianças (no início dos anos 90, Marquez criou uma série de livros que, em edição posterior, de 1999, foram acrescidos das ilustrações de Carme Solé Ven-drell), a permissividade de seu realismo mágico avançou por terrenos mais ousados em termos de imageria e ideário.

As pedagogas e pesquisadoras Katia Lovatto e Marybel Donadel criaram um site na Internet sobre literatura infantil e tecnologia. “A literatura infantil surgiu, na história da humani-dade, quando apareceu o conceito de infância. Essas histórias tinham como objetivo servi-rem de meio de controle e desenvolvimento intelectual e das emoções da criança. O pro-blema da transmissão da ideologia dominante, através da literatura infantil, é grave e importante, quando se pensa na faixa etária que ela atinge e sua postura receptora”, anunciam. Elas defendem ainda que “é preciso uma visão crítica e reflexiva na indicação de livros infantis aos alunos”. “Para entender a literatura infantil e a tecnologia atual, precisamos superar a visão do livro como solto no espaço e no tempo, para vê-lo como indissociável da sociedade e da história”, advogam.

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Nei Duclós, jornalista, poeta e escritor gaúcho radicado em São Paulo desde o final dos anos 70, tem duas obras “engavetadas”, Rosinha Guarda-Chuva e O Ursinho Azul. Duclós diz que começou a escrever textos infantis a partir de “histórias contadas para meus filhos. Inventadas todas as noites, algumas ficaram tão boas que resolvi trabalhar em cima para transformá-las em literatura infantil”. Duclós considera que há pouco espaço na mídia para autores e livros. “A produção nas editoras é vasta e os espaços nos jornais, revistas, rádios e tvs dedicados a esses assuntos são muito pequenos.” Para ele, a resistência da mídia à pro-dução de literatura infantil de boa qualidade “é fruto do mau jornalismo, da incultura geral, do imediatismo e de algumas idéias fixas: uma delas é que o veículo de comunicação não quer ‘perder’ prestígio com assuntos pretensamente muito limitados em termos de reper-cussão de público.” Contundente, ele afirma que “o livro infantil é território minado: tem um público enorme e cativo. Uma parte do sistema editorial, viciado em alguns produtos, faz da infância e da juventude, massa de manobra para seus interesses”. Assim, acrescenta, “o resultado é a proliferação de inúmeros escritores sem talento que infestam as estantes escolares de lixo”. “Enquanto isso, os clássicos que escreveram livros infantis, janelas abertas para a formação de leitores de livros de qualidade, ficam à margem. Os clássicos não fazem parte da curriola.” Sobre sua própria obra para crianças, Nei Duclós diz que tem a intenção de criar algo de qualidade que encare a criança com respeito à sua imaginação e criatividade, “abordando assuntos fortes, sem nenhum preconceito”. “O que mais me irrita é alguém falando tatibitati para crianças. Falo com gente pequena como falo a um adulto. A reação é sempre maravilhosa.”

Jornalista e autor de diversos livros dedicados ao público infantil, assim como Duclós, Carlos Urbim começou a escrever para crianças a partir da convivência com os filhos. “Cansei de contar as histórias clássicas para meus filhos na hora de dormir e comecei a in-ventar”, diz Urbim que estreou na literatura infantil em meados dos anos 80 com Um Guri Daltônico. Sem se preocupar com uma técnica de escrita para crianças ou com possíveis mensagens em suas obras, Urbim afirma que o mais importante quando escreve “o prazer lúdico. Quando escrevo estou brincando, mas também é o meu depoimento, estou resgatando os cantinhos da infância”. Urbim chama atenção para o fato de que alguns dos gran-des livros dedicados à gente pequena têm na origem histórias adultas bastante trágicas. “É o caso de A Terra dos Meninos Pelados, da malfadada experiência nas masmorras do gover-no de Vargas”, diz Urbim. Além desse exemplo “notável”, Urbim nomeia uma série de autores contemporâneos que, em seu entender, são leitura obrigatória como Silvya Ortoph, “com seus peronagens enlouquecidos”, ou Wander Pirolli. “Há toda uma geração a partir dos anos 70 que criou uma literatura infantil de qualidade marcada por uma reação aos contos mais moralistas através de histórias nas quais as fadas dão lugar aos anti-heróis.”

“Acho que essa idéia de que criança e jovem não lêem é falsa”, avalia o escritor Sérgio Caparelli, um dos mais festejados autores infantis do Estado e do país nos últimos 20 anos e que lançou recentemente Poesia Visual. Caparelli acredita que há uma política pública eficiente em relação ao livro infantil paralelamente à criação de uma infra-estrutura de biblio-tecas nas escolas fomentando o desenvolvimento do gosto pela leitura. “Gostaria que as pessoas que alegam que crianças e jovens não lêem, apresentassem evidências disso”, diz. “Adultos tem impressão de que a criança não é responsável, mas a criança de hoje enfrenta problemas muito mais complexos do que as gerações anteriores.” Caparelli informa que o setor de livros infantis é o que mais cresce dentro do mercado livreiro. “Espera-se que alguém esteja lendo esses livros e não são os adultos.” Segundo o escritor, não há dados que fundamentem a “idéia idílica” de que as crianças eram mais responsáveis em tempos passados e diz que hoje a criança e o jovem estão muito mais dispostos a receber informação. Caparelli admite que a literatura, em geral, e a literatura infantil, em particular, carecem de maiores espaços de divulgação. “Há uma diferença de apreciação. O livro como parte da indústria cultural mais tradicional não tem como disputar espaço com a indústria fonográfi-ca, por exemplo,” estabelece.

E acrescenta que não é apenas a mídia impressa ou eletrônica que menosprezam a literatura infantil. “Isso se dá também nas instituições legitimadoras como na própria Universidade. Embora muitos cursos mantenham cadeiras sobre literatura infanto-juvenil, muitas vezes o livro infantil é visto como algo menor, que não pertence ao cânone e portanto não merece atenção.” Caparelli vê uma reação a todo esse quadro negativo em eventos como a Jornada Infantil de Literatura, inserida na Jornada de Literatura de Passo Fundo. “São milhares de crianças, quatro ou cinco mil professores que atuam como multiplicadores, envolvidos num evento que tem quatro circos para as crianças com computadores que permitem a elas o contato com a literatura infantil on-line, por exemplo.”

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