EDUCAÇÃO

Um paradoxo chamado Ulbra

Publicado em 13 de março de 2002
Assembléia ocorrida na sede do Sinpro/RS no último dia 22 de fevereiro reuniu um grande número de professores indignados com os atrasos

Foto: René Cabrales

Assembléia ocorrida na sede do Sinpro/RS no último dia 22 de fevereiro
reuniu um grande número de professores indignados com os atrasos

Foto: René Cabrales

Férias são sinônimo de descanso, deixar o estresse e os problemas em segundo plano, certo? Não para os professores da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Para eles, a angústia e as preocupações iniciaram no dia 18 de janeiro, justamente no momento em que começariam a desfrutar de merecido descanso. A Universidade não pagou o salário de férias aos professores e alguns dias depois deixou os mesmos sem o salário referente a janeiro. O problema só foi se normalizar mais de um mês depois, no dia 25 de fevereiro, quando finalmente a Ulbra pagou a integralidade das férias. Os valores referentes a janeiro foram depositados somente no dia 22 de fevereiro, após o Sindicato dos Professores (Sinpro/RS) peticionar, na Justiça do Trabalho de Canoas, pedido de prisão do reitor, caso a Ulbra não comprovasse o depósito do salário até às 15 horas do dia 22. Neste meio tempo, mais de 1.700 professores esboçavam um misto de incerteza e revolta contra uma situação que se repete desde agosto do ano passado, intensificando-se nos dois primeiros meses deste ano.

“Estou frustrado por não ser tratado como profissional e sofro com baixa auto-estima. Tive transtornos financeiros, com oito cheques devolvidos e o nome no SPC”, declarou o professor da Ulbra, Gilmar. Já a professora Carmem (ambos preferiram usar um pseudônimo por medo de perseguição) foi obrigada a fazer empréstimos para arcar com os encargos financeiros. “Comprometi minhas férias, preocupada em resolver a situação e continuo insegura sobre os próximos meses”. De acordo com o diretor do Sinpro/RS, Marcos Fuhr, esta insegurança pode ter fundamento: “tenho a sensação de que o problema não está resolvido, porque, ao tentar consagrar as mensalidades futuras como garantia para o pagamento dos salários atrasados, ficamos sabendo que não seria possível, pois elas já estavam comprometidas. Isso nos leva a crer que, pelo menos nos próximos meses, vão continuar os problemas, salvo algum fato novo”, ressaltou. A assessoria de imprensa da Ulbra declarou à reportagem do Extra Classe que a Universidade não está se pronunciando sobre a questão dos atrasos salariais.

Durante todo o período em que a Ulbra esteve inadimplente, o Sinpro/RS participou de processos de negociação buscando uma solução para o problema. Este processo culminou com um acordo fechado para o pagamento de férias e depois com o pedido de prisão do reitor, caso o salário de janeiro não fosse depositado até o dia 22 de fevereiro, como veio a ocorrer. Apesar de descumprido (a Ulbra não pagou as férias em 08 e 11/02 como estava previsto), o acordo teve o mérito de liquidar quatro processos que estavam tramitando na Justiça do Trabalho, pleiteando o pagamento de multas referentes aos atrasos de outubro, 13º e férias além das diferenças de multas referentes ao atraso de agosto e setembro. No acordo ainda prevaleceu o entendimento do Sinpro/RS de que a base de incidência da multa é o salário bruto e não o líquido, como entendia a Ulbra. O Sindicato também assegurou que, a partir do dia 1º de janeiro desde ano, o desconto nas mensalidades dos dependentes de professores (Cláusula 43, da Convenção Coletiva de Trabalho) seja calculado tomando como referência os valores efetivamente praticados pela instituição.

Desta forma foram liquidados processos que durariam até cinco anos tramitando na Justiça. Para fechar o acordo, o Sinpro/RS exigiu da instituição um bem em garantia, que apresentou um terreno, localizado na Avenida Ipiranga, em Porto Alegre, no valor de R$ 12 milhões. Sobre o saldo do salário de férias não pago, a partir de 08 de fevereiro, incide multa de 1% ao dia até o efetivo pagamento. No fechamento desta edição, o Sinpro/RS havia retomado o processo de negociação com a Ulbra para o parcelamento das multas devidas. Caso a proposta não se concretizasse, o sindicato pediria a venda do terreno, o que levaria de três a seis meses para se efetivar. “Estivemos intensamente envolvidos com o problema de salários dos professores da Ulbra, primeiro férias e depois com o salário de janeiro, num processo que se constituiu de duas frentes: a judicial e a política”, afirmou Fuhr.

No dia 22 de fevereiro, foi realizada na Sede do Sinpro/RS a primeira Assembléia Geral dos Professores da Ulbra, com a presença de quase 60 docentes. “Considerando o fato de que muitos professores costumam relacionar-se de forma anônima com o Sinpro/RS, foi um momento ímpar para a construção de uma consciência coletiva do problema”, comemorou Marcos Fuhr.

Expansão sem dinheiro
A falta de salários gerou um sentimento de revolta no corpo docente da Ulbra. O motivo é a visível inversão de prioridades na política adotada pela instituição, onde os salários são preteridos em função de investimentos em expansão.

Com uma área construída de 532.984 metros quadrados, entre escolas, campi e hospitais, a Ulbra tem mais de 66 mil alunos (dados disponibilizados no site da Universidade). Recentemente, publicou na grande imprensa a intenção de chegar a 100 mil alunos até 2005, o que demandaria a construção de 400 mil metros quadrados de prédios e laboratórios. Além disso, é a primeira universidade brasileira a ganhar a concessão de um canal de televisão.

“Pelas alegações de falta de dinheiro para pagar os salários, a única coisa que nós podemos imaginar é que estes recursos tenham sido comprometidos com outros empreendimentos, impondo aos trabalhadores o sacrifício de há vários meses não contarem com seus salários dentro do prazo”, declarou Marcos Fuhr.

Gilmar ressalta que a Ulbra “tem dinheiro para investir numa emissora de televisão e que a vaidade do reitor mantém um museu do automóvel, mas não paga os professores”. A professora Carmem foi além e falou na humilhação de perceber que as pessoas estão em último plano na escala de valores da instituição. “Seus gastos em terrenos, automóveis, equipamentos e canal de televisão são amplamente divulgados e valorizados pela mídia”, completou.

O estado atual das coisas
* Marcos Fuhr

Tratava-se da mais simples e prosaica falta de dinheiro. Era isto que mais uma vez o representante da ULBRA acabara de dizer ao telefone após ouvir o meu relato dos problemas enfrentados pelos professores, em férias e sem dinheiro. Falta de dinheiro para honrar o mais elementar compromisso de uma empresa com os seus funcionários: o pagamento dos seus salários.

Era a quinta vez em menos de meio ano que o fato se repetia, o que ensejou que novamente o SINPRO/RS ingressasse na Justiça para salvaguardar o direito dos professores, e como a Juíza concedesse prazo para o pagamento, cujo descumprimento daria margem inclusive à prisão do Reitor, realizou-se uma reunião desta vez com a presença inclusive de uma pró-reitora.

Exaltados os méritos da ULBRA e do seu fundador e construtor, apresentados os números da instituição que atestariam seu vigor e sua benemerência expressa principalmente pelos 7 mil empregos que a instituição oportuniza, a conversa se encaminhou para o estágio atual das coisas. Isto é: tem faltado dinheiro para honrar os salários.

Como se tratava de uma negociação para evitar o pior, em troca do inevitável parcelamento dos débitos (salários e multas), teve que se falar de “bens em garantia”.

Como o vistoso e sempre lembrado Museu do Automóvel já tinha a maioria dos carros penhorados, acabou ficando em garantia um terreno no valor de R$ 12 milhões, em Porto Alegre.

A todas estas fica certamente para a reflexão de toda a comunidade universitária: o que faz afinal a maior universidade do Rio Grande do Sul no exercício da mais simples especulação imobiliária? Com que objetivo teria se retirado das suas receitas correntes os recursos para aquisição de um bem desta monta cujo valor aliás corresponde quase à integralidade de uma folha de pagamento mensal dos 7 mil empregados da instituição?

Estranhos desígnios de uma obra, que enquanto mantinha o seu vertiginoso crescimento, não merecia mais do que tímidos comentários à meia voz, mas que ante a crise que grassa, começam a gerar a justa indignação dos que fazem a ULBRA no dia-a-dia, seja de estudantes que pagam com dificuldades suas anuidades, seja dos professores e funcionários com seu trabalho feito nem sempre nas condições mais adequadas.

* professor e diretor do Sinpro/RS

Justiça do Trabalho
Os trâmites judiciais que envolvem processos trabalhistas podem, muitas vezes, suscitar algumas dúvidas. Qual o destino do processo desde o momento em que se ajuíza a ação? O que é antecipação de tutela? De acordo com o advogado do Sinpro/RS, Paulo Nogueira, quando acontece de o empregador desrespeitar um direito básico do empregado é preciso uma medida rápida da Justiça. “Até meados dos anos 90, advogados trabalhistas e o poder judiciário, diante da urgência, procuravam antecipar os efeitos de uma decisão através de uma liminar. Mas liminares eram muito suscetíveis de serem cassadas”, declara. Uma reforma na legislação passou a prever então a possibilidade de o juiz conceder antecipação de tutela, ou seja decidir o mérito de forma antecipada para evitar o prejuízo da parte mais fraca.

De acordo com a advogada do Sindicato, Lúcia Corrêa, a partir do momento em que uma parte ajuíza a ação, começa o processo para acelerar a distribuição do processo. “Todos os processos são distribuídos conjuntamente, então, o primeiro passo é fazer com que tal processo seja distribuído de forma especial em razão da urgência”, explica Lúcia. O mesmo é então encaminhado para o Juiz que o analisa, já com elementos para decidir a antecipação de tutela, em função das provas apresentadas. “O convencimento é subjetivo e próprio do Juiz. Se ele se convenceu, pode dar o despacho concedendo a tutela imediatamente, mas também pode preferir dar um prazo para a outra parte se manifestar”, conclui.

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