CULTURA

Um olhar terno sobre as raízes do Rio Grande

Luiz Carlos Barbosa Lessa, nascido em Piratini no dia 13 de dezembro de 1929 e falecido num domingo, 10 de março de 2002, em Camaquã, aos 72 anos, sempre teve no olhar a transparência cristalina de quem cu
Renato Dalto / Publicado em 18 de abril de 2002

Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

Nos olhos de Barbosa Lessa, sempre faiscados por uma curiosidade de criança, havia um lampejo no qual se acomodavam a ternura e uma aguçada memória. Os olhos de Lessa são também reveladores de sua obra múltipla, nascida de muitas vertentes: a pesquisa histórica, a ficção, a música, a publicidade, as histórias que vão do gênero épico ao policial, o humor e a dramaticidade, a vocação de escrever desde receituário de ervas caseiras à ficção científica. Conjugou vida e obra numa trançada de paciência, rigor, afeto. Luiz Carlos Barbosa Lessa, nascido em Piratini no dia 13 de dezembro de 1929 e falecido num domingo, 10 de março de 2002, em Camaquã, aos 72 anos, sempre teve no olhar os caminhos da imaginação, o encantamento das lendas, a transparência cristalina de quem cultiva as próprias raízes. As raízes coletivas de sua terra e sua gente.

Para Lessa, a palavra tradição não era manter a memória intacta. Era fustigá-la para transformar a visão do presente. Junto com Paixão Cortes, lançou as bases do Movimento Tradicionalista Gaúcho, mas trocava a fanfarronice dos galpões pela fala mansa, o relato afável, o cultivo da doçura. Pesquisou a história e a formação do Rio Grande do Sul – e de todo o Cone Sul – sem cair na tentação de relatar fatos mitificando heróis, embora um deles tenha marcado sua infância.

“Em Piratini, na praça em frente à minha casa, levantaram um obelisco, em 1935, em homenagem ao centenário da Revolução Farroupilha. Neste obelisco tem uma silueta de bronze da cara do Bento Gonçalves. E nós brincávamos de pular para atingir o nariz dele”.

Este relato foi feito numa manhã em Água Grande, o refúgio onde morava no interior de Camaquã, um pequeno paraíso adornado por uma cachoeira, uma densa mata de vários tons de verde, a erva-mate nativa no bosque perto de casa. Lessa estava começando a escrever no Extra Classe, onde tratou mensalmente de temas ligados ao ensino até seu último texto, publicado da edição passada do EC. Naquele dia, em Água Grande, mais uma vez, ele e Dona Nilza estavam abrindo a casa e o coração aos visitantes. Estavam serenamente felizes e bem-humorados.

Haviam planejado por muito tempo essa volta à natureza. Perto da casa, uma biblioteca de troncos de eucalipto. Era ali que Lessa passava os dias lendo, pesquisando, escrevendo em sua Olivetti. Os olhos curiosos iam transformando em palavra um diálogo íntimo entre o homem e as matas, águas, bichos e céu. “Aprendi a respeitar mais os nossos irmãos que aqui viviam antes da chegada do europeu e a compreendê-los e compreender mais a mim nesse contato tão íntimo com as plantas, os animais, o vento e o arco-íris que tantas vezes apareceu aqui e me deixou embevecido”.

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