CULTURA

Cidade de Deus: a marca da exclusão

César Fraga / Publicado em 3 de outubro de 2002

Chega às livrarias, em momento oportuno, a versão revisada do romance de estréia em ficção de Paulo Lins, Cidade de Deus (Cia das Letras, 408 pags). A obra é um retrato das transformações sociais pelas quais passou o conjunto habitacional Cidade de Deus (RJ), desde a pequena criminalidade dos anos 60 até situação caos de violência generalizada e de domínio do tráfico de drogas dos anos 90. O próprio autor criou a definição “neofavela”, em oposição à favela antiga, aquela das rodas de samba e da malandragem romântica. Este também é o cenário do já polêmico filme homônimo que vêm despertando fúria e paixões, além de debates estéticos como há muito não se via na cena cultural brasileira, principalmente depois da excelente repercussão no Festival de Cannes.

Paulo Lins afirma que o olhar interno é a essência tanto do livro como do filme

Divulgação

Paulo Lins afirma que o olhar interno
é a essência tanto do livro como do filme

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O livro, por sua vez, se baseia em fatos reais. O próprio Lins viveu mais de 30 anos na Cidade de Deus. E para quem achou que o filme era muito violento, o livro é bem mais. São olhares distintos de formas distintas de expressão. Grande parte do material utilizado para escrevê-lo, conforme o próprio Lins descreve na entrevista abaixo, foi coletado durante os oito anos (entre 1986 e 1993) em que o autor trabalhou como assessor de pesquisas antropológicas sobre a criminalidade e as classes populares do Rio de Janeiro, o que influenciou bastante a linguagem da edição anterior, com cerca 550 páginas. O autor também é professor e poeta.

Extra Classe – Que tipo de diferença existe entre a nova edição de Cidade de Deus e a anterior?
Paulo Lins – Tive muitos problemas com a tradução do livro no exterior, em países como França, Inglaterra, EUA, Dinamarca, Suécia devido às gírias e tudo mais. Além disso o livro era muito grande. Assim, resolvi fazer algumas adaptações. Outra coisa é que na época em que escrevi a primeira versão estava sobre forte influência dos antropólogos e sociólogos, de uma pesquisa a qual fazia parte e isso acabou afetando o meu texto. E foi justamente essa parte que eu acabei cortando, diminuindo consideravelmente o número de páginas.

EC – Muitos críticos falam da banalização da violência nos capítulos iniciais do teu livro. Isso também foi atenuado na nova versão?
Lins – Não. A violência continua toda lá. Trata-se de realidade e não de banalização.

EC – Como autor do livro vê a adaptação cinematográfica e as polêmicas geradas. Há muita distância entre o filme e o livro?
Lins – O filme guarda o olhar interno de um mundo segregado. Tanto no livro como no filme não existe ambientação fora da favela. Este também é o ponto de vista do livro. E esta é justamente a grande marca da exclusão social que tanto eu como os diretores e roteiristas quisemos passar.

EC – Existe alguma coisa de autobiográfico no livro?
Lins – Apesar de ter vivido 30 anos lá, não tem nada de mim ali. Nenhum alter ego, a não ser o olhar.

EC – Depois de toda essa projeção com um livro de estréia, quais são os planos para o futuro?
Lins – Acabei de filmar dois episódios para a Rede Globo, no Brava Gente, em que escrevi e dirigi. Estou preparando um longa com o Breno Silveira, dessa vez sobre o universo da Zona Sul do Rio de Janeiro. E no ano que vem devo concluir um livro que é ambientado em um manicômio judiciário, nos anos 30, no bairro do Estácio. A idéia agora é trabalhar com loucura e crime.

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