CULTURA

Cultura de resistência

Ana Esteves / Publicado em 12 de outubro de 2002

culturaTrabalhar a cultura como ferramenta de inclusão social e definir políticas de atuação e financiamento da cultura, para enfrentar os desafios da globalização. Essas são as propostas chave que compõem a Agenda da Cultura, principal resolução da 1ª Reunião Pública Mundial de Cultura, realizada nos dias 16 e 17 de setembro em Porto Alegre. A Agenda será levada a debate durante o III Fórum de Autoridades Locais pela inclusão Social, dentro das atividades do III Fórum Social Mundial, que se realizará de 23 a 28 de janeiro de 2003, na capital gaúcha.

Coincidência ou não, a reunião, que contou com representantes do Brasil, Espanha, Itália, Argentina Colômbia e Uruguai, ocorreu simultaneamente ao 9º Porto Alegre Em Cena (foto acima), que neste ano bateu de frente com o modelo de culturas hegemônicas do mundo globalizado, trazendo espetáculos com fortes características regionais. Conforme o secretário de cultura de Barcelona, Jordi Marti, neste momento o que assistimos é o fenômeno social da globalização. “É a invasão do sistema econômico na esfera cultural. A cultura está condicionada, como nunca, ao mercado. Isso provoca muitos efeitos negativos, tanto na criação artística, quanto nos valores e na forma de relação das comunidades, porque o mercado tende a convertê-los em produtos e os usos culturais em consumo”. Marti afirmou ainda que é preciso estabelecer normas de defesa às tendências negativas da globalização, criando uma nova cartografia das políticas culturais, em busca de modelos alternativos à maior participação do poder público no terreno cultural.

Tal “aparato” de defesa, citado pelo Secretário catalão, tem sido utilizado por uma das mais tradicionais capitais culturais do mundo. A prefeitura de Florença abriu um debate político sobre o tema da globalização e está realizando um trabalho com o objetivo de transformação da cidade. “Ao invés de sermos apenas um enorme museu, alimentado pelo turismo global, de massa, pretendemos transformar a cidade em uma grande fábrica de cultura incentivando a produção cultural, investindo em tecnologia e buscando incentivos”, afirmou o Secretário de Cultura de Florença, Sérgio Goretti. De acordo com ele, o objetivo é construir um projeto participativo, com o envolvimento dos cidadãos e do público internacional. “Isso não significa colocar em segundo plano o grande patrimônio histórico e cultural da cidade, ao contrário, significa valorizar e investir em tecnologia”, completa Goretti. Segundo ele, se, de um lado, a criação do Euro abriu novas perspectivas de integração econômica, de outro, criou uma nova interrogação sobre a valorização da identidade cultural, histórica e social dos países europeus. “Como conciliar a internacionalização da economia e de mercados com a necessidade de recuperar os valores locais? A sociedade precisa encontrar uma resposta para esta interrogação”.

A prefeitura da cidade, berço do Renascimento, também está desenvolvendo um modelo alternativo de dinâmica cultural, que visa proporcionar maior acesso dos seus cidadãos à vida cultural. “O objetivo do governo local é o de ampliar as possibilidades de acesso de todos os componentes da comunidade. Esse trabalho é de extrema importância principalmente no momento em que vivemos tomados pela mídia e pela tecnologia multimídia. O caráter econômico não poderá, nem deverá ser substituto das questões culturais e sociais”, completa Goretti.

Para a Secretária Municipal da Cultura de Belo Horizonte, Celina Albano, a formação de uma sociedade mais justa e mais harmônica tem de estar apoiada no aprimoramento individual dos seus cidadãos e isso só é possível quando se oferece a cada um deles a oportunidade de participar na criação, na transformação, na permuta e no consumo de um acervo cultural, que amplie seu conhecimento, alargue seus horizontes, aprofunde sentimentos e que seja principalmente capaz de tocar seu coração. “A arte quebra barreiras e ajuda indivíduos e grupos a se inserirem num mundo em constante transformações, no qual as concepções de trabalho mudam velozmente e as formas de tomada de decisão exigem o máximo de criatividade e de coragem para tentar o novo. A cidade, que, neste contexto, revelar-se forte na área de cultura terá maiores possibilidades de assegurar seu futuro nos campos da criação tecnológica e científica e da solidariedade social”, afirma. De acordo com ela, a cultura contribui para a inclusão pela sua “centralidade no processo de desenvolvimento social, sendo considerada um componente fundamental para o exercício da cidadania; essa importância é atribuída ao poder da cultura como possibilitadora do sentimento de pertença nos indivíduos, de aumento da auto-estima, necessária para a construção da vida em sociedade. Por outro lado, é também através da cultura que os indivíduos se reconhecem como sujeitos capazes de criar e recriar sua própria existência, a participação no processo cultural, portanto, permite a difícil aprendizagem no convívio com as diferenças e adversidades, o que contribui para o desenvolvimento de uma cultura democrática”.

Celina conta que a prefeitura de Belo Horizonte está promovendo uma série de iniciativas culturais visando à inclusão. “São oficinas de rádio, de circo, de artes plásticas para jovens e crianças que formam nosso público-alvo”.

Para a diretora do departamento de cultura de Montevideo, Sílvia Altmark, “os direitos culturais, são considerados direitos humanos e as políticas culturais são políticas sociais e representam uma das ferramentas mais poderosas para a conservação da democracia”. Sílvia falou sobre a Carta dos Direitos Vecinales de Montevideo, criada em 1998, no 50º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos. “Nela afirmamos que em Montevideo temos o direito de sermos nós mesmos, e podemos tranqüilamente mudar a palavra Montevideo por qualquer nome de cidade, país ou região que trabalhe a igualdade. Na carta, apresentamos, entre outras coisas, a proposta para melhorar a qualidade e a gestão de nossas propostas municipais na área cultural”.

O documento, um manifesto contra os efeitos da globalização, cita a importância de estimular o desenvolvimento da vida cultural e da comunidade: todas as pessoas, independente de sua condição econômica, política ou social, têm igual direito a produzir cultura e ter acesso aos bens e serviços culturais”. Sílvia afirmou que o setor público e da cultura do país está totalmente voltado para os desafios da globalização. “Estamos trabalhando com o PEC, o Plano Estratégico de Cultura, um processo transdisciplinar, integrador, participativo que incorporará a visão externa dos gestores públicos. Tem a missão de integrar cadeias e organizações internacionais que tenham experiência na formulação e gestão de cultura. Nada pode justificar a marginalidade das políticas culturais, numa sociedade onde o conhecimento é fundamental. Omitir aos cidadãos os direitos culturais é um grande dano à democracia e ninguém pode justificar a impossibilidade real de viver a cultura”, completou.

O representante da Rede Mercocidades, José Alberto Pinto Neves, apresentou diversas iniciativas que serão desenvolvidas até o final deste ano e durante todo o próximo. “São trabalhos desenvolvidos dentro do processo de conscientização de cultura, do seu reconhecimento como direito básico, para criticamente trabalhar a questão da cidadania”. Tais ações abrangem diversos campos, como o da cultura e ação social, com o lançamento do Prêmio Mercocidades Cultura que contemplou em 2002 projetos em execução que fizessem a ponte da ação cultural como agente de recuperação do cidadão. O Terra Latina com 30 mil imagens captadas por crianças da rede escolar dos seis países que compõem o Mercosul. Ao final será dado um prêmio para a criança que compuser o melhor registro de sua cidade. A Rede Mercocidades tem ainda o Ação Cultura e Literatura através da Companhia de Poetas, que lançará um livro, reunindo textos de poetas contemporâneos e intelectuais que participam da Rede. De acordo com Neves, existe uma grande preocupação da Mercocidades com o papel da cultura na sociedade atual. “Por isso, elegemos para o plano de ação de 2003 o tema cultura e seus novos desafios, como a formação profissional do agente cultural, as inovações tecnológicas e o impacto social da cultura”.

Reunião discutiu perspectivas de uma cultura democrática e não excludente

Outra deliberação da 1ª Reunião Pública Mundial de Cultura propõe a formação de um comitê das cidades para defender políticas públicas de cultura no Fórum Social Europeu, que se realizará em novembro, em Florença. Também deverá ser criado o observatório Mundial de Cultura em parceria com a Unesco, que vai elaborar novos critérios para medição do grau de desenvolvimento cultural das cidades.

No FSM o tema voltará ao debate
No dia 23 de setembro, durante o lançamento do III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o representante da secretaria nacional do FSM-2003, Gustavo Codas, indicou a direção dos debates que ocorererão de 23 a 28 de janeiro próximos, em Porto Alegre. “As primeiras duas edições do Fórum desencadearam um processo de revisão do modelo neoliberal em todo o mundo e a sua terceira edição terá como principal função elaborar estratégias para a implementação das alternativas e propostas acumuladas nesse período”, explica. De acordo com ele, será dada ênfase à falência do modelo neoliberal e se dirá “não” à política armamentista do governo Bush.

As discussões do FSM–2003 serão baseadas em cinco eixos temáticos: Desenvolvimento Democrático e Sustentável; Princípios e Valores, Direitos Humanos e Diversidade; Mídia, Cultura e Contra Hegemonia; Poder Político, Sociedade Civil e Democracia; Ordem Mundial Democrática e Paz.

As inscrições de delegados para o FSM-2003 já estão abertas. Poderão ser inscritos todos os que atuarem junto a iniciativas, organizações e movimento sociais, caracterizando-se como representantes de entidades da sociedade civil, através de uma ficha que está disponível no site do FSM www.forumsocialmundial.org.br. O valor da inscrição é de U$ 50,00 por organização e U$ 25,00 por inscrição adicional. As inscrições de oficinas propostas por delegados podem ser feitas através da mesma ficha, durante os meses de novembro e dezembro de 2002. O prazo final para inscrição de oficinas é dia 29 de novembro, deste ano.

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