MOVIMENTO

Começa o debate sobre reformas trabalhista e sindical

Paulo César Teixeira / Publicado em 29 de junho de 2003

O cenário é nebuloso: não há consenso entre patrões e empregados, nem entendimento entre as principais centrais de trabalhadores. Os empregadores, igualmente, não fecharam posição. Após as reformas da Previdência e Tributária, entra em cena o tema das alterações que serão promovidas na legislação do trabalho e no modelo do sindicalismo brasileiro. O presidente Luís Inácio Lula da Silva pretende enviar o pacote das reformas trabalhista e sindical ao Congresso Nacional até o final de 2003. Antes disso, em outubro, será instalado o Fórum Nacional do Trabalho, com representantes de empresários e trabalhadores. Já a partir de junho, as delegacias regionais do Trabalho começam a organizar seminários nos estados. Ou seja: as reformas trabalhista e sindical estão programadas para o final do ano, mas o debate começa já.

Existem no país mais de 12 mil sindicatos de trabalhadores. A maior parte tem pouca representatividade, não está filiada a nenhuma central nacional e se mantém exclusivamente graças às verbas do imposto sindical. Cerca de duas mil entidades são filiadas à Central Única dos Trabalhadores (CUT), ao passo que a Força Sindical controla 1.810. A Central Geral dos Trabalhadores (CGT) abriga mais 1.080. Outras três confederações – Social Democracia Sindical (SDS), CAT (Central Autônoma de Trabalhadores), de orientação cristã, e Central Geral dos Trabalhadores (CGT), ligada ao MR-8 – marcam posição no movimento sindical.

Para o professor Anselmo Luís dos Santos, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia (Cesit) da Unicamp, as linhas prioritárias das reformas somente serão visíveis a partir do início das atividades do Fórum Nacional. “Tudo leva a crer que a legislação trabalhista não terá alterações substanciais, já que implica direitos assegurados. A pauta central do debate será a reforma sindical.” (Leia a respeito da reforma trabalhista à p. 20) Neste sentido, o Fórum será o palco não apenas de um embate entre capital e trabalho, mas também do confronto entre as diversas concepções de atuação sindical. “Estarão em jogo a estrutura e o aparato de poder que sustentam sindicalistas e tendências políticas e partidárias abrigadas nos sindicatos”, afirma Santos.

Unicidade e imposto sindical dividem centrais

No centro da discussão estão duas bandeiras históricas – o fim da unicidade e da contribuição sindical obrigatória. São temas polêmicos que dividem as três principais centrais trabalhistas. Na verdade, o Brasil é signatário da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que rompe o conceito de unicidade, segundo o qual apenas um sindicato pode representar uma categoria profissional na mesma base territorial, desde 1949; no entanto, jamais colocou a norma em prática. “O pluralismo sindical é um passo essencial para que os trabalhadores possam organizar suas entidades com liberdade e autonomia, sem a tutela do estado”, diz o vice-presidente da CUT/RS, Cássio Bessa.

Não é o que pensa o Secretário Nacional de Relações Sindicais da CGT Hugo Perez para quem a unicidade faz parte da “cultura sindical brasileira”. Ele prevê a pulverização do movimento em milhares de entidades, quebrando a espinha dorsal da representatividade dos trabalhadores. Pior: a CGT aposta na criação de sindicatos “marionetes”, manipulados pelos empregadores com o fim exclusivo de interferir nas negociações salariais. A CUT argumenta que, na prática, a pulverização do movimento já está em marcha, com a criação de entidades por ramos ou setores específicos das atividades profissionais. Neste caso, a camisa-de-força da unicidade contribui para desmembrar a estrutura sindical, na medida em que retira legitimidade da representação. “Com sindicatos fortes e auto-sustentáveis, há maior legitimidade para a garantia dos direitos dos trabalhadores”, reforça Bessa.

A Força Sindical defende um modelo intermediário. Na base territorial, persistiria a imposição de apenas uma entidade representativa. No plano nacional, vingaria a pluralidade. Cada central teria suas federações e confederações afiliadas. “A tendência é a de que empresários e trabalhadores possam fazer um contrato coletivo em nível nacional, por ramo de produção”, afirma o secretário-geral da FS, João Carlos Gonçalves, conhecido como Juruna. A FS aceita o fim da contribuição obrigatória imposta pelo governo, desde que gradativa. Em parte, esta é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP), ex-presidente da CUT . Além de determinar o fim da unicidade, prevê a extinção do imposto sindical num prazo de quatro anos. A cada ano, seria reduzido em 20% até acabar por completo.

CGT teme a invasão de sindicatos de fachada

A questão é: como os sindicatos vão sobreviver sem a contribuição obrigatória dos afiliados? Para o vice-presidente da CUT/RS, “as categorias decidirão democraticamente, em assembléias, como irão sustentar suas entidades”. O representante da Força Sindical observa que acordos coletivos poderão determinar o valor e até mesmo a obrigatoriedade ou não da contribuição dos associados. “Neste caso, o importante é que a decisão caberá aos trabalhadores, e não a uma norma legal”, ratifica Juruna. Mas, para o dirigente da CGT, “por vezes, a liberdade escraviza e a lei liberta”, filosofa Hugo Perez.

“Realmente, muitos sindicatos vivem às custas da contribuição sem representatividade. Mas, para as entidades que lutam em favor dos trabalhadores, o imposto também é importante. Se ele acabar, não só os pelegos sairão perdendo, mas também os dirigentes combativos vão se enfraquecer barbaridade, como vocês dizem aí no sul”, salienta Perez. E aproveita para desafiar a CUT: “Ouso dizer que grande parte dos sindicalistas da CUT é favorável à unicidade, apesar da posição contrária adotada pela cúpula.” O juiz Roberto Siegmann, presidente da Amatra/RS (Associação dos Magistrados do Trabalho), é outro que teme a criação de “sindicatos de fachada” com o fim da unicidade. “O ideal é a mudança ser aplicada nas regiões industriais mais desenvolvidas, no primeiro momento, para preservar os locais onde as relações são mais frágeis e incipientes.”

A posição de cautela frente à pluralidade sindical e o fim da contribuição é compartilhada pelo professor Anselmo Santos, da Unicamp. “Setores fortes como metalúrgicos, petroleiros e químicos não terão problemas. Mas os sindicatos com pequenas estruturas, como construção civil, comércio e serviços, sofrerão um duro golpe.” Para ele, a liberdade total de organização sindical não pode ser aplicada numa sociedade desigual. “A idéia de seletividade e concorrência entre os trabalhadores, que passam a competir entre si, tem inspiração liberal”, acusa. Há questões práticas a serem resolvidas, caso o modelo da unicidade seja abandonado. Se houver vários sindicatos representando uma só certa categoria, qual deles sentará à mesa para negociar com os patrões? Para os que defendem a pluralidade, a capacidade de mobilizar e representar a categoria vai fazer a diferença. “Lutamos sempre pela unidade dos trabalhadores, mas isso tem de ser fruto da discussão política dos mesmos. Por isso, quem decidirá qual sindicato irá representá-los serão os próprios trabalhadores”, diz Cássio, da CUT/RS.

Engana-se quem pensa que há consenso entre os patrões quanto à reforma. “No âmbito da Confederação Nacional da Indústria, não temos uma idéia definida. Mas existe uma corrente, que tende a ser predominante, em favor da pluralidade sindical, por entender que, para haver negociação, é preciso que as partes estejam habilitadas. Para tanto, os sindicatos têm que ser verdadeiramente representativos e se imporem pelos serviços prestados aos associados, e não pela reserva de mercado”, afirma o presidente do Conselho de Relações de Trabalho da CNI e representante dos empregadores no Conselho de Administração da OIT no Brasil, Dagoberto Lima Godoy. Para ele, os poucos sindicatos realmente representativos irão se impor naturalmente. Os demais tenderão a desaparecer “por falta de apoio da classe trabalhadora ou de sustentação econômica, desde que o imposto sindical seja abolido.”

CUT quer a redução da jornada de trabalho

A reforma da legislação trabalhista também não é unanimidade. CUT e CGT não admitem mexer nos direitos sociais como férias, 13o, FGTS, etc. “A CUT nasceu para romper com a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em 1983, por discordar do modelo corporativo de sindicatos comprometidos com o estado. Nem por isso aceita qualquer retrocesso nas conquistas históricas da classe trabalhadora”, diz Bessa, vice-presidente da CUT/RS. Neste ponto, a CGT está de acordo: “Os empresários estão doidinhos para quebrar cláusulas pétreas. No dia em que o empregador puder negociar o que hoje é lei, não tardará a eliminar direitos”, afirma Perez. Entretanto, a Força Sindical tem posição favorável à flexibilização da legislação. Admite até o parcelamento de 13o ou férias. “Isso é bobagem. Se quiser receber em três parcelas, é problema do cara. Já está acontecendo”, assinala Juruna.

Uma das principais bandeiras da CUT na reforma trabalhista é a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. “A medida serviria para aumentar a oferta de emprego”, diz Bessa. Para o dirigente da CUT, a previsão da maior parte dos economistas é de que o PIB voltará a crescer, o que permitirá o aumento da massa salarial. A idéia é defendida também por Almir Pazzianoto, ex-ministro do Trabalho: “40 horas é um limite razoável, correspondendo a 5 dias de 8 horas. Numerosos países adotam esse sistema e em lugar algum contribui para o insucesso da economia.”
O dirigente da CNI observa que a classe empresarial não prega mudanças para retirar direitos constitucionais. “Apenas vemos a necessidade de atualizações para viabilizar a materialização desses direitos que, em muitos casos, ficam só na expectativa ou para inglês ver”, diz Lima Godoy. Para ele, a informalização das relações de trabalho está diretamente ligada à fuga das obrigações impostas pela Constituição Federal. Alega que a possibilidade de o trabalhador questionar o cumprimento do contrato de trabalho na Justiça cria um “passivo oculto, intangível e imprevisível, que representa incentivo para o empresário investir mais em máquina e menos em gente”.

Uma das idéias em estudo pelo governo é a desoneração de micro e pequenas empresas com o objetivo de combater a informalidade das relações trabalhistas, que compreende hoje 40 milhões de brasileiros. O ministro do Trabalho Jacques Wagner negou que a intenção seja flexibilizar direitos como 13° ou férias, mas não explicitou quais itens da CLT seriam alterados. “Defendo que essas empresas tenham menos obrigações. Não estou falando em precarizar o mundo do trabalho. Se for para fazer leilão de escravos, não contem comigo.” Para o juiz Roberto Siegman, entretanto, a idéia do ministro abre perigoso precedente. “Trazer os trabalhadores para a formalidade à custa da eliminação de direitos não dá. O governo precisa ser mais claro”, afirma.

Proposta de reforma do CDES
Principais pontos da proposta do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico (CDES) para as reformas trabalhista e sindical, apresentada no final de maio ao Ministério do Trabalho, que deverá ser levada pelo Ministro Jacques Wagner ao Fórum Nacional do Trabalho. O CDES é órgão consultivo do Presidente Lula, vinculado à Secretaria Especial do Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social.

1. Adotar regime de liberdade de organização sindical com base na convenção 87 da OIT – significa fim da unicidade (mais de um sindicato poderá representar a categoria na base territorial.

2. Extinguir gradualmente, num prazo de cinco anos, as contribuições sindicais obrigatórias e confederativas da taxa assistencial.

3. Garantir tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas que não comprometa os direitos indisponíveis, adotando-se mecanismos de compensação.

Poderão faltar papel, tinta e caneta na Justiça

O secretário-geral da Força Sindical critica o modelo de organização que – segundo ele – tem por objetivo dirimir os conflitos entre patrões e empregados. “O sistema incentiva o trabalhador a procurar a Justiça do Trabalho, após a demissão, e não o sindicato. No tribunal, os conflitos são resolvidos individualmente com o fechamento de acordos. O Poder Judiciário funciona para segurar avanços e conquistas, e não garantir direitos”, afirma Juruna. Em parte, o professor José Márcio Camargo, de Economia do Trabalho, da PUC/RJ, concorda: “A Justiça é o lugar onde ocorre a negociação a posteriori do contrato de trabalho. Ora, se o empresário sabe que poderá obter vantagens com um acordo judicial, não se sente motivado a cumprir a Lei.”

O presidente da Amatra/RS rebate as críticas: “A Justiça trabalhista brasileira é a que mais julga no planeta (700 mil processos por ano) e cumpre importante papel na redistribuição da renda. Os acordos não chegam a 30% do casos.” Siegman condena o desmonte da estrutura de fiscalização trabalhista e cobra do Congresso uma legislação de execução mais eficaz. “Nos países europeus, quem deve na Justiça do Trabalho não consegue cadastro nem para tomar um cafezinho na esquina.” Defende a redução do número de recursos para que os ritos previstos em lei se tornem mais “céleres e rápidos”. O juiz reclama ainda do corte de 60% no orçamento da Justiça do Trabalho este ano. “Faltarão papel, tinta e caneta para trabalhar.”

Professores da rede pública perdem com a reforma

A sabedoria popular escolheu agosto como o mês do desgosto. Para os funcionários públicos do país, o calendário de 2003 foi antecipado – abril foi recheado de más notícias. A proposta de reforma da Previdência Social encaminhada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional, no final daquele mês, atinge em cheio os direitos dos servidores no que se refere à aposentadoria. “Poucas alterações ocorrerão no Regime Geral da Previdência, que corresponde à massa de aposentados pelo INSS. Para o setor público, entretanto, o governo propõe regras duras”, afirma a advogada previdenciária, Mebel Wolff Salvador.

No caso dos professores do magistério da rede pública, haverá perda significativa. Pela regra atual, eles têm direito ao acréscimo de 17% (homens) ou 20% (mulheres) de tempo de serviço para a aposentadoria integral, sem limite de idade (a norma vale também para a rede particular). Com a reforma, terão que respeitar a idade mínima de 60 (homens) ou 55 anos (mulheres). Caso desejem antecipar a aposentadoria, estarão sujeitos ao pedágio de 5% por ano antecipado. Mas a mudança não afeta os professores do magistério da rede privada, de acordo com a advogada.

Outros pontos polêmicos da reforma são a contribuição de inativos, o fim da paridade do reajuste dos benefícios com os salários do servidor da ativa e a instituição de teto de R$ 2.400 dos proventos para os futuros aposentados (acima do valor, serão completados com fundos de pensão públicos ou privados). Além disso, o governo quer limitar as demais aposentadorias ao valor de maior remuneração atribuída aos ministros do STF (R$ 17.000) na União, enquanto nos Estados o teto corresponderia ao subsídio mensal do governador (R$ 7.000 no RS) e nos municípios ao dos prefeitos. O objetivo é suspender imediatamente as super aposentadorias do setor público que, em alguns casos, chegam a mais de R$ 30.000.

Brasileiro trabalha quatro meses para pagar o fisco

A piada de mau gosto é a de que, todos os anos, o Brasil só começa a trabalhar depois do carnaval. Um estudo encaminhado ao Congresso Nacional pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que não é bem assim. O trabalhador passa os primeiros meses do ano labutando apenas para pagar o Fisco. Pior: precisa trabalhar até o Dia das Mães para dar conta dos impostos. Em resumo, o brasileiro trabalha quase um terço do ano só para pagar os tributos.
O documento foi enviado aos parlamentares na tentativa de sensibilizá-los durante a votação da proposta de reforma tributária do presidente Luís Inácio Lula da Silva. A principal mudança é a unificação de alíquotas e da legislação do ICMS (atualmente, cada Estado estabelece regras próprias). Além disso, a proposta determina que 50% da contribuição patronal previdenciária serão calculados sobre o faturamento e não em cima da folha de pagamento. Para os trabalhadores de baixa renda, a única boa nova foi a proteção dos produtos da cesta básica com alíquotas reduzidas do ICMS.
POLÊMICA – No último dia 29 de maio, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal (CCJ) aprovou o parecer do deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR) sobre a proposta da reforma tributária. Os líderes das bancadas encaminharam votos favoráveis ao texto principal da reforma com excessão dos deputados Eduardo Paim (PFL/RJ) e Mendonça Prado (PFL/SE), que se manifestaram contrários. Um dia antes da aprovação do CCJ, a Fiesp divulgou uma carta em que os empresários demonstravam preocupação com possíveis lacunas no texto que poderiam abrir caminho para aumento da carga tributária. Governo e empresários polemizaram sobre o tema e não chegaram a consenso. A Fiesp deverá pressionar o congresso na proposição de emendas à proposta original.

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