EDUCAÇÃO

Kafka, Orwel e a previdência

Paulo César Teixeira / Publicado em 29 de julho de 2003

A comparação ajuda a compreender o impasse do governo de Lula. De um lado, o presidente tem a necessidade de conter o déficit da Previdência Social (R$ 70,8 bilhões em 2002, com projeção de R$ 80 bilhões em 2003). De outra parte, na tentativa de sanear o sistema previdenciário, penaliza a grande maioria dos servidores públicos. As principais medidas da reforma o setor público são a taxação dos inativos, aumento da idade mínima (de 48 para 55, no caso das mulheres, ou 53 para 60, para os homens) e a suspensão da paridade e integralidade das aposentadorias.

Para a presidente do Cpers (Centro dos Professores do RS), Juçara Dutra, “no primeiro momento, o que sensibiliza as pessoas é a ampliação da idade limite. Contudo, se analisarmos racionalmente, o prejuízo mais grave é o fim da paridade e integralidade, que representam perdas irrecuperáveis.” Ela lembra que, no INSS, já verifica-se a tendência de redução progressiva dos benefícios com o passar dos anos. “A pessoa se aposenta com oito salários mínimos. Logo passa a receber cinco”, assinala.

Elevação do teto aumenta arrecadação

Uma das explicações é que as aposentadorias são reajustadas pelo INPC, que detectou inflação de 18%, de janeiro a maio de 2003, enquanto o IGPDI, da FVG, estipulou 32% (diferença de 14%). A corrosão do poder aquisitivo compromete o teto de R$ 2,4 mil proposto por Lula para o INSS, segundo o advogado Portanova. “O novo valor só terá repercussão em 6 ou 7 anos, conforme os índices de correção do benefício.” Uma coisa é certa: a elevação do teto do INSS acarreta o aumento da contribuição. Com isso, a Previdência arrecada mais.

Acima do teto, o servidor terá que recorrer a fundos de complementação. A PEC-40 não estabelece que sejam obrigatoriamente públicos. “Ora, se o poder público não tapa sequer buracos nas estradas, cuidará da previdência?”, indaga Portanova. Para a presidente da Associação de Docentes da Ufrgs (Adufrgs), Maria Aparecida Livi, Lula “empurra o servidor para fundos privados, através de instrumentos como a regulamentação da previdência complementar por meio de legislação ordinária, que não exige quórum qualificado no Congresso”.

O líder do governo Lula na Assembléia Legislativa/RS, Adão Villaverde, garante que a reforma beneficia a maioria dos segurados, embora haja perdas para a classe média. “Alguns segmentos darão sua contribuição solidária.” Com o ajuste das contas públicas através do saneamento da Previdência, o país terá recursos para implementar políticas de investimentos em setores estratégicos, fomentando o crescimento da economia, diz o parlamentar. Para a presidente da Adufrgs, a reforma causará a “desqualificação do serviço público”, ao gerar desestímulo para ingresso ou continuidade na carreira pública de categorias com formação diferenciada, como é o caso dos professores universitários.

De estilingue à vidraça

A mobilização para alterar a PEC-40 já começou. O 8o Congresso Nacional da CUT (CONCUT), realizado em junho, aprovou resolução que defende idade mínima de 53 (homens) ou 48 anos (mulheres), além da manutenção da integralidade em relação ao último salário em atividade. Entretanto, propõe a fixação de teto de 20 salários mínimos (contemplando 95% dos assalariados) para a aposentadoria dos funcionários que entrarem no serviço público após a reforma. A CUT quer preservar também a paridade entre ativos e inativos, além da isenção de contribuição dos servidores.
Os funcionários públicos federais marcaram greve geral para 8 de julho. A posição da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) é apresentar emendas à PEC-40, embora entidades como o Cpers defendam a retirada da reforma do Congresso. Villaverde entende que a posição de vidraça não é novidade para o PT. Lembra que, na prefeitura de Porto Alegre e no governo do Estado, o partido já teve confrontos acirrados com setores que compõem a sua base social. “Temos que governar com responsabilidade ética e de gestão, atendendo aos interesses da totalidade da sociedade e olhando o conjunto das políticas públicas.”

Esclareça as dúvidas sobre aposentadoria
As regras da aposentadoria dos professores do setor privado não foram afetadas pela PEC-40 de Lula. Já haviam sido alteradas na Emenda Constitucional-20, de FHC. O advogado Daisson Portanova esclarece as principais dúvidas quanto aos benefícios dos docentes do ensino particular:

EC – Quais são as regras atuais?
Daisson Portanova – Os professores do ensino fundamental (básico e médio), que tenham exercido as atividades exclusivamente de magistério, se aposentam com 25 anos de contribuição (mulheres) ou 30 anos (homens), sem exigência de idade mínima. A situação muda com a combinação de atividades em sala de aula e na área administrativa. Neste caso, vale a regra pertinente aos demais trabalhadores, isto é, 30 e 35 anos para a aposentadoria integral. Contudo, as mulheres terão direito a acrescentar 20% e os homens 17% ao período de tempo em sala de aula, na hora de requerer o benefício. Atenção: para a aposentadoria proporcional, o período mínimo de atividade é 25 e 30 anos. Neste caso, será exigida a idade mínima, ou seja, 48 anos para o sexo feminino e 53 para o masculino, além do pedágio.

EC – O que é o pedágio?
Portanova – É o percentual de 40% que incide sobre o tempo que faltava em 16.12.98 para a pessoa atingir o período mínimo de contribuição na aposentadoria proporcional. Se, naquela data, faltassem 10 anos para o segurado alcançar o limite, significa que ele terá que trabalhar 4 anos a mais. Quer dizer: em vez de 30, trabalhará 34 anos para ter direito ao benefício. E o pedágio também se aplica aos professores de ensino superior.

EC – Qual é o tempo mínimo de atividade do professor universitário para aposentadoria integral?
Portanova – O tempo mínimo no ensino superior é o comum – 30 ou 35 anos. Mas todo o período anterior a 16.12.98, para o professor universitário, deverá sofrer acréscimo de 17% para o sexo masculino ou 20% para o feminino, conforme a EC-20.

EC – Como estabelecer o cálculo da aposentadoria?
Portanova – O cálculo da renda inicial dos aposentados é igual para todos, sejam professores do ensino fundamental ou superior. Toma como base os salários desde julho de 1994 até a hora em que é requerida a aposentadoria. Mas há um detalhe: o salário-de-benefício (SB) leva em conta 80% dos vencimentos mais altos que a pessoa recebeu durante este período, corrigidos pelo índice da inflação. Agora, vamos ao mais complicado: definido o valor do SB, há a incidência do que se chama Fator Previdenciário, uma fórmula estatística complexa que toma por referência variáveis como tempo de contribuição, idade e, ainda, expectativa de sobrevida da pessoa (taxa estimada pelo IBGE). Na prática, o Fator Previdenciário reduz ainda mais o valor da aposentadoria.

EC – Como se calcula a aposentadoria do professor que trabalhou em mais de uma escola?
Portanova – Ninguém está obrigado a contribuir acima do teto (R$ 1.869,18 em junho de 2003), mesmo porque não há aposentadoria superior a este valor. Se a contribuição atinge o limite em apenas uma escola, não há obrigação de contribuir nas demais. Cabe ressaltar o drama agudo do professor com atividades múltiplas de baixa remuneração. Exemplo prático: ele recebe R$ 300 numa escola em que trabalha desde 1970; R$ 500 em outra que ingressou em 1989; por fim, R$ 600 num colégio em que dá aulas desde 1990. O cálculo do benefício não terá como base a simples soma das atividades, que alcançaria R$ 1.400. A atividade com mais tempo de contribuição, ou seja, a que lhe rende R$ 300, será considerada a principal. As outras serão submetidas ao cálculo proporcional por tempo de contribuição.

Assim, para um professor do sexo masculino, que precisa contribuir 30 anos (magistério), a fração será de 1/30 por ano de trabalho. O valor da aposentadoria referente ao segundo emprego será de 14/30 (2003–1989=14) multiplicado por R$ 500 (ou R$ 233,33). Na terceira escola, 13/30 (2003-1990=13) de R$ 600 (ou R$ 260). Como se percebe, a aposentadoria jamais atingirá R$ 1.400, que era o total de vencimentos na ativa.

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