OPINIÃO

Corujice sim…mas sem ranço

Publicado em 23 de outubro de 2003

Antes de mais nada, saibam que fui provocado. Pai fresco e coruja, andei evitando o assunto com medo de afogar o leitor na baba. Mas agora é justamente uma leitora, a Elizabeth Sivinski, quem pede que eu fale mais sobre a minha filhota. Ôba! E lembrem-se, vocês que pediram!

Está linda, a Maria Clara. Esplendorosa. Muito ligada e esperta, feliz, risonha, com oito meses e dois dentinhos. Dorme a noite toda, mais de dez horas seguidas. Manda ver em mamadeiras, frutas e sopinhas sem nenhum ranço. Não estranha ninguém que não seja mesmo de se estranhar. Já dança, mesmo sentadinha, e adora batucar. Vai entrar pro Olodum. Enfim, um luxo de criança. Pronto, babei de vez. E agora estou proibido de me queixar da sorte, se me vir por aí reclamando da vida pode lascar uns cascudos sem pena nenhuma.

De resfriados e de algumas noites insone ninguém escapa, é lógico. Mas o único momento crítico que passamos, de muito choro, lá pelos três meses, foi rapidamente diagnosticado e resolvido: a Maria Clara tinha (ou desenvolvera) uma intolerância à lactose. Corrigida a alimentação da mãe, que passou a privar-se de leite de vaca e derivados, tudo voltou às mil maravilhas. E quando chegou a hora das mamadeiras, a solução foi um composto de soja, que pelo visto funciona muito bem. Assim será ainda por uns meses ou mesmo por uns anos, é o que me dizem, leite de soja na mamadeira da Maria Clara. Soja. O que será que isso me lembra?

Lembra o que escutei há pouco no rádio, era alguém dizendo que sou preconceituoso, atrasado, ignorante. Alguém que acha que devo aceitar o plantio e o consumo de soja transgênica mesmo que não se tenha concluído nenhum estudo decisivo sobre o impacto sanitário e ambiental desse tipo de produto. E mesmo que riscos graves já tenham sido apontados. Alguém que, antes de mais nada, afronta decisões da justiça federal sobre o assunto. Que afronta o bom senso. Que quer me impingir goela abaixo um frankenstein alimentar por conta do lucro ou produtividade de latifundiários e multinacionais. Alguém que está querendo mexer com o leitinho da minha filha. E aí eu viro bicho.

O maior absurdo é que já estamos, adultos e crianças, consumindo transgênicos embutidos em porcentagens desconhecidas em diversos alimentos, sem sequer a decência de um aviso ou de uma caveirinha desenhada no rótulo. A própria Wyeth, que fabrica o leite da Maria Clara, só os eliminou de seus produtos depois de pressionada por pesquisa e campanha do Greenpeace. Com a força que o lobby dos transgênicos tem mostrado, quem me garante que não voltará à fórmula anterior?

Não, não sou preconceituoso nem arauto do atraso tecnológico. Mas ignorantes somos todos, sobre esse assunto. Se a Ciência quiser misturar um tomate com uma jaca, em laboratório, pra ver no que é que dá, não me oponho. Já se a Monsanto quiser que a minha filha sirva de cobaia pra eles venderem mais herbicida, vão me encontrar com um trabuco de sal e dois cachorros no portão de casa. E um pé da boa e velha soja tradicional plantado no pátio.

Um abraço, Elizabeth, meu e da Maria Clara, que está linda e cheia de saúde.

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