CULTURA

O dia em que Porto Alegre perdeu a inocência

César Fraga / Publicado em 7 de abril de 2005

O ano é 1911. Uma manhã ainda fria de setembro em Porto Alegre. Quatro imigrantes estrangeiros cometem um desastrado assalto na quadra mais movimentada da Rua da Praia. Eles correm em fuga a pé pelas ruas, enquanto são perseguidos por centenas de populares e policiais. Roubam uma carruagem de aluguel. Seqüestram um bonde. Rendem um leiteiro. Cenas inéditas para a capital gaúcha até então. O crime tumultua a cidade e vira o centro das disputas políticas e jornalísticas. Em torno dele, movimentam-se republicanos e federalistas, católicos e positivistas, socialistas e anarquistas na defesa de suas convicções. Em menos de dez dias do acontecimento, estréia um filme sobre o episódio. A história real está contada em detalhes no livro Tragédia da Rua da Praia (Libretos, 304 págs.), do jornalista Rafael Guimaraens, com financiamento do Fumproarte e apoio da Copesul. Leia a seguir entrevista exclusiva feita com o autor.

Extra Classe – Quanto tempo se passou entre a idéia de fazer o livro e a realização do mesmo?
Rafael Guimaraens
– Eu tomei conhecimento da “Tragédia” em 2001, quando estava pesquisando para o livro “Pôrto Alegre Agôsto 61” e encontrei uma matéria na Folha da Tarde registrando os 50 anos do crime. Achei a história absolutamente fantástica e tive imediatamente a idéia de escrever um livro sobre ela. Mas só consegui me dedicar ao projeto após o lançamento de “Trem de Volta – Teatro de Equipe”, que escrevi junto com Mario de Almeida e foi lançado em setembro de 2003. Portanto, entre pesquisa e narrativa, o livro me ocupou por 15 ou 16 meses.

EC – Como foi o processo de pesquisa e feitura?
Guimaraens
– A partir desta matéria, passei a freqüentar os locais de pesquisa em busca de informações. Felizmente, os principais jornais da época estavam disponíveis e as reportagens eram bem completas, inclusive com edições extras que saíram durante aqueles dias. Depois, passei a ler livros sobre aquele período, relacionados com os diversos aspectos da vida da cidade. Durante este período não li outra coisa que não tivesse a ver com Porto Alegre no início do século 20. Esses jornais, livros e locais de pesquisa estão referidos nas páginas finais da “Tragédia…”. De posse das informações, passei a escrever, reescrever e treescrever o livro.

EC – O fato que inspirou o livro tem para você o significado de marco que simboliza a perda da inocência da cidade?
Guimaraens
– Sim, a narrativa trabalha muito neste sentido, com base no que foi dito e escrito nos jornais da época. Foi o primeiro crime deste porte – assalto a mão armada com vítima, em pleno centro da cidade – e isto provocou pânico e uma terrível sensação de insegurança, aliás amplamente explorada pela oposição (como, aliás, vem ocorrendo nos últimos anos). Encontrei muitos registros nos jornais desta transformação. A fuga desesperada dos ladrões foi presenciada por centenas de pessoas apavoradas. Logo a seguir, houve uma corrida às lojas de armas. Quando o atendente da casa de câmbio assaltada faleceu, após uma longa agonia na Santa Casa, seu enterro foi assistido por milhares de pessoas, embora ele fosse um desconhecido. Neste ponto, há uma sim-bologia do enterro de uma cidade pacata e mansa em seu coti-diano. Além disso, após a última sessão do filme, parece que houve um sentimento coletivo no sentido de esquecer aquilo tudo, o que também dá uma dimensão do trauma que se abateu sobre a cidade.

EC – É possível escrever sobre outra época sem contaminar o texto com julgamentos e dilemas morais próprios do nosso tempo? Como você resolveu essa equação para chegar no resultado que chegou?
Guimaraens
– É possível, mas isso requer um enorme exercício de autopoliciamento e compreensão da época que se quer referir. Neste caso, as coisas foram facilitadas porque a história estava pronta, os personagens eram reais e o episódio tinha uma carga de dramaticidade bem marcada daquele período. Ao imaginar as situações em que se envolvem os personagens e suas conversas, temos que ter presentes a realidade em que eles estavam inseridos sob todos os aspectos, político, cultural, social, econômico, mas também tecnológico. Por exemplo, o jornal era o único veículo de comunicação e, portanto, sua importância era incomparável com o que acontece hoje. Mas existiam alguns temas que falam de coisas perenes que eu procurei trabalhar, como a ética jornalística versus manipulação dos fatos ou as discussões morais sobre a produção do filme.

EJA em foco
Jovens cada vez mais jovens na educação de jovens e adultos, de Carmen Brunel (Editora Mediação, 91 págs.) – Conforme o censo escolar divulgado no ano passado, a procura pelo Ensino Médio por jovens cresceu, mas com maior ingresso no EJA e no profissionalizante, um crescimento de 18% contra apenas 1% no Ensino Médio convencional. O levantamento dá conta de um fenômeno: os jovens percebem a importância da escolaridade para o ingresso no mercado de trabalho, mas por outro lado não cursam o ensino regular. A partir dessas informações a professora e mestre em Educação e doutoranda pela Ufrgs, Carmen Brunel, lança a seguinte pergunta: por que os jovens não cursam o ensino regular, permanecendo o tempo certo na escola e concluindo a educação fundamental? Ela própria apresenta algumas respostas sobre esse fenômeno.

Correndo por fora
Oito autores gaúchos se reuniram para discutir e lançar com regularidade seus textos por um selo próprio chamado Casa Verde. O nome da editora alude à casa de saúde de O Alienista, de Machado de Assis. O primeiro trabalho que chega às livrarias é a coletânea de contos Fatais (Casa Verde, 126 págs.). Os autores são Caco Belmonte, Christina Dias, Filipe Bortolini, Flávio Ilha, Laís Chaffe, Luciana Veiga, Luiz Paulo Faccioli e Marcelo Spalding. O livro foi editado por Laís Chaffe. Alguns dos contistas são estreantes, outros já lançaram títulos individuais e participaram de antologias. Orelha é de Sergio Faraco e apresentação de Fabrício Carpinejar.

Democratização da mídia
Em Mídia e Democracia (Editora Evangraf, 127 págs.), os autores Pedro A. Guareschi e Osvaldo Biz afirmam que a mídia, principalmente a eletrônica, “contorce-se dentro de um círculo vicioso que precisa ser rompido para que se possa pensar em democracia e cidadania”. Segundo os autores, escapa à percepção da população uma diferença básica entre as mídias impressa (jornais e revistas) e eletrônica (rádio e televisão). A primeira, deixa de ter grande responsabilidade social e rege-se dentro dos preceitos das empresas privadas. A segunda, é um serviço público, por concessão temporária do Estado e deveria, na ótica dos autores, ser educativa, formar para a cidadania e debater os grandes problemas nacionais.

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