OPINIÃO

Relações entre palavras

Por Fraga / Publicado em 23 de agosto de 2006

As palavras não querem saber de isolamento. Intuem que quanto mais se agregam, mais significados ganham. Daí as palavras correlatas. Ao contrário daquelas de mesmo DNA etimológico ou das derivadas, elas não têm parentesco. São afins e pronto.

Por exemplo, tábua. Ao redor dela, logo se juntam viga, caibro, barrote, esteio, sarrafo, até tacos. Assim, erguem uma aconchegante cabana ou um útil galpão. Claro, pra isso dependem de outro grupo correlato, formado pelo amigo martelo e seus colegas de ofício: serrote, plaina, formão, metro, esquadro, prego, parafuso, etc.

Há palavras que adoram variar de companhia. Pegue Tempo à solta. Suas acepções propõem reuniões: se se unir à duração, altura, timbre e intensidade, vai dar samba ou sinfonia. Se Tempo for para os lados de nuvem, temperatura, pressão, estará sujeita a chuvas e trovoadas. Se se encostar na gramática, vai ficar cercada por verbos! Tempo tem tantas conotações que falta tempo pra relacionar.

Livro também é grande anfitrião. Seus convidados mais chegados são capa e contracapa, página, orelha, lombada, rebordo, etc. Isso, fisicamente. No conteúdo, surgem autor, título, prefácio, prólogo, epílogo, epígrafe, parágrafo, mancha, rodapé e mais outro, etc. Livro sempre se abre a múltiplas associações. Abra pra ver.
E por aí adivinhe onde se encontram: colchão/lençóis/edredom/travesseiros/cobertor. Bisturi/fórceps/seringa. Quilha/leme/hélice/âncora. Ancinho/enxada/picão/pá. De vez em quando, se procuram no invisível – sonho/fantasia/imaginação/devaneio.

Porém, às vezes os encontros não são felizes. Destaque guerra e formam-se turmas perigosas: aqui, canhão, tanque, metralhadora, fuzil, míssil, bomba; ali, vítimas, destruição, horror; mais adiante, tratado, armistício, violação. Pensando bem, muitas palavras nem merecem contexto.

Também existem as uniões pedantes. Cada vez que a palavra tese se imiscui com literatura, ih, o resultado da promiscuidade é um bando de filhotes chatos: Assonância, Antonomásia, Anástrofe, Assíndeto, Anadiplose, até o fim do alfabeto, Zeugma. Esquisitas, só se sentem em casa na ABL!

Infinitas são as correlações entre palavras, o que as mantêm atreladas a certos assuntos mas disponíveis para a abrangência. Seu recreio é quando alguém as apresenta pela primeira vez e as faz andar de mãos dadas, como consegue Manoel de Barros com alicate cremoso. Aí, não tem correlação. Só poesia.

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