EDUCAÇÃO

Crescimento e desregulamentação

Por Marcia Camarano e Gilson Camargo / Publicado em 22 de outubro de 2006

Impulsionada pela crescente exigência de qualificação colocada aos profissionais de todas as áreas como condição para acesso ao mercado de trabalho, a Educação Profissional está em franco crescimento no Estado e no país. Para se ter uma idéia da dinâmica deste segmento, cujas primeiras experiências remontam à década de 40, basta comparar os indicadores do MEC sobre o crescimento do número de matrículas nos últimos anos: o aumento é superior a 25% entre os anos de 2003 e 2005 e a expectativa é de uma expansão ainda maior a partir de 2007. O setor é dominado pela iniciativa privada, que detém mais de 70% da oferta em todos os níveis – cursos profissionalizantes, educação profissional, cursos técnicos de nível médio e formação tecnológica. Os investimentos não param de crescer, assim como os pedidos de credenciamento de novos cursos junto ao Conselho Estadual de Educação. Na contra-mão do que estabelece a Legislação educacional quanto à obrigatoriedade de corpo docente próprio para funcionamento de qualquer estabelecimento inserido no sistema formal de educação, o modelo de expansão se beneficia da desregulamentação e da falta de fiscalização. Nesta edição, um panorama da Educação Profissional os problemas enfrentados pelos professores e alunos e a política do Sinpro/RS para o setor.

Educação Profissional atrai investimentos

O mais recente censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) aponta um crescimento do número de matrículas, no nível médio da Educação Profissional, de 589.383, em 2003, para 747.892 em 2005. No mesmo período, o volume de matrículas aumentou de 65 mil para 77,5 mil nas 370 escolas e cursos técnicos do Rio Grande do Sul.

A tendência de expansão é confirmada também pelos investimentos públicos no setor. O Ministério da Educação negociou 500 milhões de dólares com o Banco Interamericano de Desenvolvimento para a implantação de cem novas escolas técnicas. O financiamento também servirá para readequar 150 escolas públicas estaduais, 150 públicas municipais, 150 escolas agrícolas e 250 centros de vocação tecnológica, que, além das salas de aulas, terão laboratórios de informática e outros dois laboratórios de acordo com a realidade de cada região. Também estão em construção 42 escolas técnicas federais, das quais 38 devem entrar em operação no começo de 2007. Outras 18 escolas comunitárias estão em processo de federalização. O secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, Eliezer Pacheco, aponta que a clientela potencial da Educação Profissional no país é formada por 62 milhões de alunos que concluíram o Ensino Fundamental e estão buscando cursos técnicos.

Questão de mercado – O contexto econômico e social caracterizado pela redução do emprego formal e pela exigência crescente de capacitação profissional para o acesso ao mercado de trabalho elevou o status da Educação Profissional. Essa valorização se reflete nos investimentos da iniciativa privada. “A qualificação profissional é uma exigência de mercado para que o profissional se mantenha atualizado e competitivo, por isso a Educação Profissional tornou-se um setor em expansão e a tendência é aumentar cada vez mais”, avalia Fabiane Francisconi, gerente do Núcleo de Educação Profissional (NEP) do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).

Referencial de qualidade na Educação Profissional na área de bens e serviços, o Senac, instituído há 60 anos, está direcionando boa parte dos seus investimentos para a Educação Superior. O Senac/RS já oferece quatro cursos de pós-graduação presenciais (entre os quais, o de Docência na Educação Profissional) e três na modalidade de Ensino a Distância (EaD) e projeta a criação de outros cinco em 2007, sendo dois em EaD. Com a meta de fechar esse ano com 180 mil atendimentos, da aprendizagem à pós-graduação, o Senac implantou centros de Ensino, Pesquisa e Extensão em suas quatro faculdades, duas localizadas em Porto Alegre, uma em Pelotas e outra em Passo Fundo, sinalizando os planos de se transformar em Universidade. “O caminho natural de toda instituição de ensino superior é o amadurecimento, passando de Faculdade a Centro Universitário, para se transformar em Universidade. O Senac provavelmente seguirá nessa tendência também”, sinaliza Fabiane.

A estratégia de crescimento do braço mais competitivo do Sistema S, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), também está focada na Educação Superior. Os cursos de Tecnólogo em Telecomunicações e o de Automação Industrial aguardam aprovação do MEC para a realização de vestibular e início das aulas em março. Os cursos técnicos também deverão receber um incremento a partir de 2007. De acordo com José Zortéa, diretor regional do Senai, além dos 25 cursos profissionalizantes ofertados pela instituição, há seis novos projetos aguardando aprovação do Conselho Estadual de Educação para entrar em funcionamento. O dirigente acredita que a Educação Profissional está em franco crescimento no Estado e atribui essa aceleração à demanda crescente por qualificação da mão-de-obra. “É uma necessidade imperiosa apontada pela própria sociedade”, conceitua Zortéa. Sobre a questão da contratualidade dos professores, o diretor do Senai/RS deixa clara a posição da instituição em relação aos seus docentes: “nossos professores são, na realidade, instrutores, pois sua atividade é eminentemente técnica”, argumenta.

Os três níveis

A Educação Profissional é uma das modalidades abordadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996), complementada pelo Decreto 2.208, de 17 de abril de 1997, reformado pelo Decreto 5.154, de 23 de julho de 2004. O principal objetivo desta modalidade de ensino é a criação de cursos voltados à qualificação profissional e ao acesso ao mercado de trabalho para estudantes e profissionais.

A legislação estabelece três níveis de Educação Profissional:

Cursos profissionalizantes de livre oferta são cursos voltados para pessoas de todos os níveis de instrução e que podem ser oferecidos por qualquer empresa.

Cursos técnicos de nível médio são cursos autorizados pelo Conselho Estadual de Educação e voltados para estudantes de Ensino Médio ou que já tenham concluído esse nível de ensino. Toda instituição credenciada pelo Conselho Estadual de Educação está apta a ofertar cursos técnicos de nível médio.

Cursos tecnológicos somente estão habilitadas à oferta de cursos de formação de tecnólogos as instituições de ensino superior (faculdades, centros universitários ou universidades) credenciadas pelo Conselho Nacional de Educação, no caso das ofertas privadas federais, e pelos conselhos estaduais de Educação, no caso de instituições estaduais.

Crescimento atropela legislação

A Educação Profissional está sendo considerada o setor mais dinâmico no Conselho Estadual da Educação (CEEd), devido ao crescente número de pedidos de credenciamento de escolas e de autorização para funcionamento de novos cursos. Tanto espaço de trabalho criado muito rapidamente faz com que surjam problemas. “É comum as pessoas que dão aulas neste setor não serem consideradas professores e, sim, instrutores. Também há falta de contrato de trabalho, ou, se ele existe, é parcial e irregular”, constata a professora Cecília Farias, representante do Sinpro/RS no CEEd. A qualidade dos cursos oferecidos também é questionada pelo Sinpro/RS. “Entre as ofertas boas, qualificadas, há também as de qualidade questionável”, observa Domingos Buffon, também representante do Sinpro/RS no Conselho.

Há, ainda, denúncias de terceirização do corpo docente, instituição de cooperativas de trabalho e não-cumprimento da Convenção Coletiva de Trabalho. O Sindicato luta para que os profissionais contratados nessas escolas sejam enquadrados como professores, a fim de que sejam regrados pela Convenção Coletiva de Trabalho. Cecília avalia que a qualidade da oferta dos cursos passa, antes de mais nada, pela constituição de um corpo docente. Ela é relatora do Parecer 311/2006, aprovado pelo CEEd, que determina a obrigatoriedade de corpo docente próprio nas instituições de ensino. Essa determinação tem sido a resposta dada às consultas ao CEEd, pois a docência, em várias escolas autorizadas e credenciadas, tem sido desenvolvida de forma irregular por profissional liberal, monitor, estagiário, tutor, técnico ou auxiliar.

As denúncias ao CEEd não se restringem às irregularidades na contratação de professores. Alguns cursos e instituições não investem sequer em infra-estrutura ou recursos pedagógicos, como laboratórios e bibliotecas, uma realidade que vem sendo constatada especialmente em escolas que só ofertam Educação Profissional.

INSTITUIÇÕES

No setor de Educação Profissional, atuam estabelecimentos públicos federais, estaduais, municipais e privados. Trata-se de escolas técnicas, agrotécnicas, centros de educação tecnológica, centros de formação profissional e associações, além de cursos mantidos por escolas de educação básica. A seguir, apresentamos o perfil de algumas instituições que ofertam Educação Profissional:

SENAI – Inaugurado em 1942, no Rio Grande do Sul, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial realiza 150 mil matrículas ao ano em cursos, desde os de curta duração, de a 20 a 200 horas, até os com duração de dois anos e meio. No Estado, as escolas de qualificação profissional para a indústria do Sistema S oferecem 1,8 mil diferentes programas e dezenas de cursos técnicos, sendo que, em 2007, entram em funcionamento as duas primeiras faculdades de tecnologia. O Senai dispõe de 130 pontos de atendimento: os Centros Tecnológicos do calçado, couro, mecatrônica, mecânica de precisão, mobiliário e polímeros; os Centros de Educação Profissional, escolas, agências, extensões e unidades móveis e semipermanentes.

SENAC – Criada em 1946, a instituição de aprendizagem comercial do Sistema S já profissionalizou 43 milhões de brasileiros, sendo 5,2 milhões de gaúchos. O Senac/RS conta com quatro faculdades, 34 escolas de Educação Profissional e 16 balcões. A meta para 2006 é formar 180 mil alunos. Para isso, projeta investimentos na Educação Profissional na ordem de R$ 8 milhões, o que inclui reformas e construção de novas unidades. O Senac mantém sete cursos de pós-graduação lato sensu, dos quais três são na modalidade EaD, 39 cursos técnicos de nível médio e um portfólio de capacitação e aperfeiçoamento em 14 áreas profissionais. Está implantando sua estrutura pedagógica e ampliando a oferta de pós-graduação para transformar-se em Universidade.

LIBERATO – Localizada em Novo Hamburgo, a Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha tem 39 anos de atuação e mantém uma estrutura voltada à Educação Profissional de nível técnico, com 3,1 mil alunos provenientes de mais de 50 municípios gaúchos. Os cursos diurnos, articulados com o Ensino Médio e dirigidos para alunos provenientes do Ensino Fundamental, têm duração de quatro anos, mais 720 horas de estágio supervisionado. Esses cursos abrangem as áreas de Química, Mecânica, Eletrotécnica e Eletrônica. Os cursos noturnos são dirigidos para a formação técnica de alunos que já concluíram o Ensino Médio.

CEFETs – Os 34 Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) ou escolas técnicas federais são institutos de ensino geridos pela União, por intermédio do MEC, que oferecem cursos técnicos de nível médio e cursos superiores de tecnologia. O CEFET/RS, sediado em Pelotas, possui unidades ou escolas agrotécnicas em outros municípios, como Sapucaia do Sul, São Vicente do Sul, Alegrete e Sertão. O plano de expansão e fortalecimento da rede federal de educação profissional e tecnológica prevê a construção, em 2006 e 2007, de 33 unidades de ensino vinculadas aos CEFETs, cinco escolas técnicas e quatro agrotécnicas, em um total de 42 novas unidades.

Escolas de Educação Profissional privadas

Trata-se de escolas que oferecem apenas cursos de Educação Profissional, diferentemente de escolas de educação básica que podem também oferecer cursos dessa natureza.

Existem poucas exigências quanto à ambientação desses empreendimentos, permitindo assim sua localização em espaços comerciais, especialmente nos grandes centros. Essas escolas costumam especializar-se em algumas áreas (Informática, Enfermagem, Contabilidade, etc.), principalmente no setor terciário da economia.

PROFESSORES, sim!

Os números relacionados à Educação Profissional atestam a vitalidade desse setor da educação brasileira, que se beneficia da mesma combinação responsável pelo crescimento da Educação Superior: a flexibilização da regulamentação e a vinculação com a expectativa de empregabilidade dos egressos.

Na Educação Profissional, a frágil regulamentação dos sistemas estaduais exige pouco dos estabelecimentos de ensino em termos de condições de oferta, é permissiva quanto à habilitação dos docentes e é omissa quanto à regulamentação e fiscalização da contratualidade dos profissionais em atividade nesta modalidade de ensino. É como se o profissional pudesse, desempenhando a tarefa docente, ser dividido: ora é reconhecido como professor para atender à legislação educacional, exigência no credenciamento da escola, ora é instrutor, quando o curso já não é mais acompanhado pelos órgãos de ensino e, por isso, passível dessa irregularidade.

As escolas de Educação Profissional do setor privado, inclusive as do Sistema S, não consideram os professores em atividade como tais. Esse artifício, que ignora a evolução da legislação educacional, serve de base para tentar retirar esses profissionais da categoria diferenciada de Professores estabelecida na CLT (Título III, Normas Especiais de Tutela do Trabalho, previstas nos artigos 317 a 323) e, é claro, da criteriosa e qualificada representação do Sinpro/RS no Rio Grande do Sul.

O segundo problema fica por conta da irregularidade contratual dos profissionais, que vai desde a falta absoluta de qualquer vínculo de emprego nas escolas de Educação Profissional, de caráter mais marcadamente privado, até a terceirização da atividade educacional através de cooperativas, o que acontece em algumas instituições no Sistema S.

O terceiro problema decorre justamente da combinação dos dois fatores anteriores: o enquadramento irregular dos profissionais e a falta de uma contratação efetiva vêm impedindo a qualificação da relação de trabalho dos Professores deste segmento com as instituições/empresas.

Direção Colegiada Sinpro/RS

Enquadramento profissional
PROFESSORES em maiúsculo, sim. É o que são os “docentes” da Educação Profissional de nível técnico e tecnológico. Não há, na legislação educacional, nada que permita classificá-los de outra forma e, se isso vem acontecendo, é pelas vacilações e dubiedades dos responsáveis pelos sistemas de ensino e pelos interesses mercantilistas do setor privado, no qual, infelizmente, se insere também o Sistema S, apesar da sua longa e reconhecida trajetória de serviços prestados à Educação Profissional do país.

O Sinpro/RS está intensificando seu empenho na reversão desse quadro. Para o Sindicato, as escolas de Educação Profissional privadas e seus profissionais docentes são abrangidos pela Convenção Coletiva de Trabalho negociada entre o Sinepe/RS e o Sinpro/RS.

Faz parte da nossa política a consideração de que os dois sindicatos devem integrar as especificidades do setor nas pautas de negociação, para o que a falta de iniciativa do Sinepe/RS é um grande problema.

Quanto ao Sistema S, com suas instituições sempre tão ciosas das suas especificidades, o Sinpro/RS considera viável a consecução de acordos ou convenções coletivas para os professores do nível técnico, de modo a contemplar as suas peculiaridades.

O acompanhamento do setor trata-se de um processo pautado por dificuldades de toda ordem, que combinam desde a conivência por parte dos profissionais, pautados por valores liberais e resistentes a relações de emprego, até o poderio das instituições do Sistema S, herdeiras de uma cultura tradicional de pouco diálogo e resistentes às inovações positivas da nova (já nem tanto!) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).

O Sinpro/RS, na continuidade do acompanhamento do setor, não medirá esforços no sentido de ver reparadas as irregularidades constatadas em diversas instituições quanto à contratualidade dos PROFESSORES e quanto ao seu enquadramento profissional. Frustradas as vias da negociação com os representantes das instituições que ofertam a Educação Profissional, o Sindicato buscará, pela via judicial, confirmações do que está claramente expresso na legislação educacional: as instituições de ensino normatizadas pelos conselhos de educação não podem, no momento seguinte ao seu credenciamento e autorização, desconsiderar a lei.

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