EDUCAÇÃO

Mais de 18% das verbas do ProUni financiam EaD privada

Por Stela Rosa / Publicado em 21 de janeiro de 2007

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Considerado uma das mais importantes políticas públicas de acesso ao ensino superior à população de baixa renda já implantada no Brasil, o Programa Universidade para Todos (ProUni) carece de instrumentos avaliatórios para o credenciamento dos cursos. Financiado com recursos públicos, proveniente de isenção de impostos às instituições, o único dado para mensurar a excelência da oferta é o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Pior: mesmo sendo uma amostragem apontada por especialistas do Ministério da Educação (MEC) como inadequada para balizar ações públicas, graduações que apresentaram avaliações abaixo da média no exame, com notas 1 e 2, continuam no programa. O contraditório é que não é a falta de informações que inviabiliza a adoção de critérios mais eficientes. Estudiosos apontam a existência de dados que poderiam ser usados como indicadores.

Outra questão preocupante é a oferta massiva de Educação a Distância (EaD) em alguns municípios. No Acre, por exemplo, somente as bolsas oferecidas por uma instituição correspondiam a 46,6% das vagas do processo seletivo de 2007. A falta de qualidade dessa modalidade é uma preocupação antiga das instituições gaúchas, entre elas o Sinpro/RS, que constantemente denuncia e solicita medidas mais rígidas por parte do MEC. Esse fato gerou um Manisfesto em Defesa da Qualidade da Educação no RS, entregue ao Ministro da Educação, Fernando Haddad, no final de dezembro de 2006. Entre outras coisas, o documento solicita critérios legais mais firmes para a abertura dos pólos (leia na página 13).

Atualmente, são praticamente inexistentes as medidas adotas pelo MEC para fazer uma triagem e desligar as ofertas sem qualidade do ProUni. Celso Carneiro Ribeiro, coordenador do programa, explica que, pela Lei, um curso só será excluído quando apresentar duas avaliações negativas consecutivamente resultantes do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes). “Isso será instrumento de melhoria generalizada dos cursos”, projeta Ribeiro, acrescentando que “o MEC tem interesse em que a avaliação seja rigorosa e que sejam utilizados os instrumentos que preservem a qualidade”, pontua.

Porém, na prática, isso requer tempo e não deverá estar pronto até 2009. Segundo Sérgio Franco, presidente da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Conaes), o processo está atrasado. A previsão inicial era de que as avaliações externas de alguns estabelecimentos estivessem concluídas no final de 2006. “Conseguimos formar o banco de avaliadores. Já a avaliação externa das instituições estará concluída até 2008, e a dos cursos, em 2009.” Outra questão que deve ser levada em contaé o fato de que o processo inclui três notas, uma dada pelos alunos, outra, pela própria instituição, e uma terceira, pelos avaliadores. Portanto, será necessário que todos esses dados apontem problemas para que a instituição apresente uma avaliação conjunta negativa.

Com essa flexibilização e o tempo que pode levar para conclusão do Sineas, o Governo federal corre o risco de estar financiando uma formação de baixa qualidade para milhares de alunos carentes, que, mesmo com um diploma na mão, não terão acesso a melhores empregos e salários. Segundo Constantino Cavalheiro, gerente da Catho Educação Executiva, empresa de recursos humanos que atua em 25 cidades brasileiras, a universidade em que o profissional graduou-se já é um critério de seleção para vagas específicas. “É importante o aluno avaliar a formação do corpo docente e a seriedade do curso, porque há empresas que já apontam preferências de instituições para a contratação”, explica.

Ministério tem dados para adotar critérios mais rigorosos

No caso do ProUni, Sérgio Franco avalia que o MEC dispõe de dados objetivos para orientar o processo de seleção dos cursos. A porcentagem de doutores e mestres nas instituições, a relação do número de professores por alunos e o número de vagas por cursos são exemplos de indicadores disponíveis. “Os cuidados que o Ministério tem em relação à qualidade dos cursos incluídos no ProUni e no Fies são defeituosos, e temos condições de tomar medidas melhores”, reconhece. Ele ressalta que a Conaes já se manifestou sobre a questão e houve uma indicação do ministro de que, a partir do próximo ano, os critérios serão aprimorados.

Dilvo Ilvo Ristoff, diretor de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior do Inep, também como Sérgio Franco, avalia que o Enade é impróprio. “O exame é importante para a auto-avaliação do curso pela própria instituição, mas insuficiente para mensurar qualidade”, analisa. Segundo ele, não há necessidade de esperar a conclusão do Sinaes. “O que aconteceu com o ProUni foi falta de planejamento. Já temos indicadores suficientes. Hoje, no portal do Sinaes (http://www.inep.gov.br/superior/sinaes/), é possível identificar o corpo docente de uma instituição, inclusive com os nomes dos doutores e mestres, tal é o nível de detalhamento das informações à disposição”, exemplifica.

Contudo, mesmo com um método mais eficiente de fazer uma triagem entre as instituições que serão beneficiadas com financiamento público, a falta de fiscalização e acompanhamento ainda é um gargalo que precisa ser resolvido. Com o desmonte das Delegacias Regionais do MEC, promovido na gestão de Fernando Henrique Cardoso, não há nenhum tipo de supervisão do poder público, o que torna o sistema vulnerável a iniciativas meramente mercadológicas e mesmo fraudulentas. Segundo Ristoff, há contratação de professores com titulação apenas para o processo de avaliação. “Após, os docentes são demitidos, mas os dados que constam oficialmente foram os apresentados”, ressalta.

No Rio Grande do Sul, as entidades ligadas à área da educação vêm reivindicando a construção de parceria entre o MEC, o Conselho Estadual de Educação (CEE) e a Secretaria Estadual de Educação. A proposta é que esses órgãos assumam o papel fiscalizador. Cecília Farias, da direção do Sinpro/RS e também membro do Ceed, pontua que essa é uma reivindicação constantemente levantada pelo Sindicato. “Estamos tentando, junto ao MEC, a implantação da fiscalização, principalmente para acompanhar o crescimento desordenado das instituições de outros Estados que ofertam EaD aqui no Rio Grande do Sul. O processo só não foi iniciado por falta de recursos”, explica.

EaD deve ser complementar ao sistema presencial

Em um país com as dimensões do Brasil, a EaD poderia ser uma alternativa interessante para as regiões onde os estudantes não têm acesso a cursos presenciais. No entanto, a inexistência de fiscalização in loco e de regulamentação mais rígida aliadas ao crescimento vertiginoso das instituições pode estar apenas tapando o sol com a peneira, ou seja, aumenta a oferta, mas sem critérios para assegurar a excelência. O censo do ensino superior divulgado pelo MEC mostra a velocidade do crescimento. Somente em 2005, os cursos de graduação a distância cresceram 76%, pulando de 107 em 2004 para 189 em 2005. Em contrapartida, o superior presencial contabilizou o menor crescimento registrado nos últimos anos, 7,55%.

Todavia, não é só a abertura de novos cursos que demonstra a agressividade da expansão, mas também a forma ‘abaloada com que estão sendo espalhados pólos’, expressão usada por Dilvo Ristoff. No que diz respeito ao ProUni, das 108.025 mil bolsas colocadas à disposição para o primeiro semestre de 2007, 20.389 mil eram para EaD. Mesmo o número não sendo expressivo, correspondendo a 18,87% do total das bolsas, há municípios em que essa era única opção disponível. Para dimensionar a distribuição dessa modalidade, visto que a nossa reportagem constatou oferta em todos Estados, foi solicitado ao coordenador do ProUni, Celso Carneiro Ribeiro, o levantamento da porcentagem de vagas por Estado. De acordo com ele, esses dados ainda não estão disponíveis.

No entanto, Dilvo Ristoff, que se declara um fã da modalidade, pontua que a EaD não é a melhor alternativa para o público do programa, que são alunos concluintes do Ensino Médio. “Essa seria uma opção mais adequada para as pessoas fora dessa faixa etária que não tiveram acesso ao ensino superior”, analisa, acrescentando que essa deve ser uma oferta complementar à presencial. A inadequação da EaD para o ProUni também foi levantada pelo próprio ministro da Educação, Fernando Haddad. Ao analisar o índice de evasão de 15% no programa, Haddad levantou a hipótese de que os percentuais sejam maiores nos cursos à distância, devido à necessidade de um computador conectado à internet, estrutura que muitas vezes não está disponível nem nos pólos. Além disso, levando em conta o pequeno número de brasileiros com acesso a computadores e internet, essa questão precisa ser ponderada. Segundo Pesquisa sobre uso da Tecnologia da Informação e da Comunicação no Brasil (TIC, 2006) feita pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR, apenas 20% da população brasileira têm computador na residência, com somente 13% com internet.

Número de bolsas-permanência é insuficiente

Além de apresentar fragilidades nos critérios usados para mensurar a qualidade, a falta de auxílio financeiro é outro aspecto questionado. Pelo programa, a bolsa integral é concedida para quem tem uma renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo (R$ 525,00), e a parcial, para as famílias com renda de 3 salários mínimos (R$ 1.050,00). Diante dessa realidade econômica, a situação de Tadeu de Souza Kirth demonstra que, para garantir o acesso de fato, a bolsa-permanência, ajuda de custo de R$300/mês, é fundamental.

Com 21 anos, Kirth é um dos 200 mil beneficiados. No entanto, a conquista de uma bolsa do ProUni não foi suficiente para dar continuidade aos estudos. Por falta de condições para bancar transporte e aquisição do material para o curso de Artes Plásticas que estava cursando na Feevale, ele teve de fechar a matrícula. “Por um período, meu pai e amigos ajudaram na estadia e alimentação, mas as coisas se complicaram e não tive mais como prosseguir”, explica. Ele calcula que seria necessário cerca de R$ 150 somente para o transporte. Sem trabalho no momento, o sonho foi adiado. Tadeu espera conseguir alguma colocação no mercado para poder voltar à universidade. Atualmente, a bolsa-permanência só é concedida a 1,5 mil alunos, número que não corresponde a 1% do total de bolsistas.

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