MOVIMENTO

Estudantes: de onde vêm e para onde vão

Por José Weis / Publicado em 16 de agosto de 2007

Na história do Movimento Estudantil gaúcho, o dia 23 de agosto de 1977, em plena ditadura militar, é uma data emblemática. O cenário da capital lembrava Paris de 1968. Desde o início do primeiro semestre daquele ano, estudantes ensaiavam uma volta às ruas, que culminou no embate entre eles e as forças de segurança pública. Havia quase dez anos que o Movimento Estudantil estava atuando na clandestinidade, e muitos jovens da liderança da União Nacional dos Estudantes (UNE) – que também nasceu num distante agosto de 1937 –, estavam presos ou exilados. Mais uma vez, os estudantes retornaram às ruas e às prisões, dizia a retrospectiva de final de ano do extinto jornal Folha da Manhã, só que desta vez não voltaram mais para casa até que a ditadura acabasse na década seguinte. Desde então, o movimento mudou de cara e de cores ao longo da recente história política do país, e diz-se que hoje já não é tão combativo. E então? Passados 30 anos, o que está pensando e quais as lutas prioritárias do Movimento Estudantil em um país exposto à corrupção, à violência e cujas questões sociais e estruturais ainda não foram resolvidas após a volta da democracia?

Eram cerca de 3 mil estudantes que se reuniam naquele final de agosto de 1977. Eles chegavam aos poucos para concentração da passeata contra a ditadura. O clima pesado, frio e úmido do dia só fazia aumentar a tensão no ar. Por volta das 13h, os estudantes, a maioria universitários, mas também havia secundaristas, começavam a se movimentar a partir da avenida João Pessoa, em frente ao prédio que ainda abriga a Casa de Estudante e o Restaurante Universitário, local marcado para o ato público. Por sua vez, na Praça Raul Pilla, as forças de segurança também concentravam seus contingentes – jornais da época falam em 2,5 mil soldados.

Esse foi o início de uma tarde inesquecível para quem esteve lá. Na manchete de capa do jornal Folha da Manhã, do dia seguinte, o resultado: “32 presos, quatro policiais feridos”.

Este saldo representava um momento importante na luta dos estudantes pela volta da democracia no Brasil. O retorno às ruas, o que também ocorreu em diversas capitais do país, tinha por objetivo três pontos básicos: manter acesa a luta pelas liberdades democráticas, conquistar a adesão de outros setores descontentes com o regime, além da reorganização das entidades dos estudantes.

Aqueles eram tempos em que vigorava no Brasil um conjunto de leis de exceção, como o Ato Institucional N° 5 (AI-5) e o Decreto Lei 477, que restringiam e proibiam as ações dos estudantes.

Reforma universitária em debate

Trinta anos depois, em tempos de democracia estável, a União Nacional dos Estudantes encara novas frentes de lutas. Neste mês de agosto completa 70 anos de existência, e o mais recente congresso da entidade, em sua 50ª edição, que aconteceu em Brasília no início de julho, trouxe à tona algumas contradições. De olho no futuro da educação, o foco é a Reforma Universitária e como ela está sendo encaminhada.

Marcos Vianna é acadêmico de História e faz parte da coordenação do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs),ele aponta a ocupação do prédio da Reitoria da Universidade de São Paulo (USP), assim como a da Reitoria da Ufrgs, como sendo uma retomada da mobilização do ME. “A gente conquistou um série de pautas específicas e se posicionou contra a Reforma Universitária”, avalia Vianna. Ele explica que a ação contra a Reforma que o Governo anuncia acaba dividindo o próprio ME. Uma parte da direção da UNE, vinculada à União da Juventude Socialista, apóia a reforma. Enquanto isso, o DEC da Ufrgs se posiciona contra a forma como ela está sendo encaminhada. A avaliação sobre o resultado do 50o congresso da UNE não foi das melhores. “Foi mais um momento para a gente pautar essas polêmicas”, adverte Marcos.

Segundo ele, o próximo passo será uma volta às bases, e a partir dos Diretórios Acadêmicos e (DAs) e demais DCEs, uma retomada da luta contra a Reforma Universitária.

Marcos Vianna lembra que esta Reforma vem sendo tentada desde os anos 60, “e sempre teve um perfil neoliberal e visa à privatização da universidade pública no Brasil”. Futuro historiador, Marcos Vianna compara os movimentos da UNE no passado e no presente.“A UNE, enquanto entidade, não consegue mais contemplar a organização do movimento por si só”.

Para a recém-eleita presidente da UNE, a gaúcha Lúcia Stumpf – estudante de Jornalismo –, o objetivo da entidade é questionar essa Reforma. Lúcia lembra que o Projeto de Lei 7.200 “atualmente está engavetado no Congresso por falta de vontade política”, ressalta, e afirma que ele inclui a regulamentação da atividade das universidades privadas.

A elaboração do Projeto 7.200, do qual a UNE também participa, envolve decisões sobre diretrizes pedagógicas e os reajustes das mensalidades cobradas pelas universidades.

A UNE também seguirá atenta às outras reivindicações, como o aumento do número de vagas – que inclui as cotas sociais e étnicas –, a qualidade de ensino, a valorização dos professores e a autonomia das universidades públicas.

Entre o egoísmo e ações concretas

O historiador e coordenador do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre, Jorge Barcellos, organizou em 2006 a mostra A História do Movimento Estudantil, apresentada na Ufrgs, e define um perfil: um estudante dividido entre o egoísmo e ações concretas contra a corrupção na política.

Ainda, segundo o historiador, essa divisão entre os apelos ao consumismo, e uma consciência social mais politizada, é possível de ser administrada pelos jovens. “Eles são reticentes em relação às instituições políticas clássicas, mas ao mesmo tempo fazem alguma coisa”, sintetiza.

foto_jorge_barcellos

Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

Barcellos também aponta a busca por uma referência, “um norte para onde ele possa deslocar o seu desejo” é que o faz agir de forma mais politizada. “A política como uma esfera do possível”, explica.

Para além do envolvimento com instituições políticas, o jovem de hoje está engajado em ações coletivas, sociais. Ele acaba participando de movimentos de luta contra a violência, por exemplo.

Julinho, um palco histórico de lutas

O centenário Colégio Estadual Júlio de Castilhos, uma das referências em ensino público em todo o Rio Grande do Sul, tem sido um palco histórico do Movimento Estudantil ao longo de sua existência. Muitas lideranças políticas que atuam hoje em dia passaram por ali.

O atual presidente do Grêmio Estudantil, Guilherme Narciso, observa que o Movimento Estudantil secundarista está em fase de reorganização.

O que continua na pauta, de acordo com Guilherme, é a briga contra o desmantelamento da educação. Isso passa por apoio a ações como a da ocupação da Reitoria da Ufrgs e à luta dos professores por melhores salários. Ou seja, há uma visão que compartilha bandeiras com o movimento universitário e do magistério. “Uma das preocupações do ME é sempre acompanhar as lutas para modificar para melhor o que for possível”, define Narciso.

foto_veronica

Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

foto_figueiro

Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

Quando se fala na arraigada tradição de politização do Grêmio do Julinho, há exemplos como a estudante Verônica Kunze. A jovem faz parte de uma nova geração de participação ativa no Grêmio Estudantil do colégio. Verônica conta que sua mãe, no inicio da década de 80, integrava o movimento”. Ela passou por muitas lutas também e até apanhou da polícia durante as manifestações”.

O diretor do Colégio Júlio de Castilhos, professor João Alberto Figueiró – que esteve na passeata de 77 como estudante – observa, em relação ao atual momento do ME, que houve durante o processo de redemocratização do país um direcionamento para dentro dos partidos políticos que se reorganizavam. “Isso tirou um pouco daquela energia do Movimento”, analisa.

“Agora, aos poucos, os estudantes estão descobrindo alternativas para se engajar em movimentos”. O professor João Alberto reconhece que é da natureza do ME os jovens se empenharem em suas lutas e reivindicações de uma forma muito honesta. “O Grêmio Estudantil do Julinho é uma forma afirmativa disso”, observa ao constatar a vibração e energia dos alunos envolvidos.

O diretor acrescenta que a luta pelas cotas sociais e étnicas também fazem parte da mobilização. “É uma outra vertente que eles descobriram e se engajaram”, relata.

 

Comentários