SAÚDE

Doenças ocupacionais começam a sair da invisibilidade

Por Stela Rosa / Publicado em 14 de dezembro de 2007

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Ilustração de Claudete Sieber sobre foto de Tânia Meinerz/Arquivo

Ilustração de Claudete Sieber sobre foto de Tânia Meinerz/Arquivo

A legislação que reconhece o Nexo Técnico Epidemiológico (NTE) está completando seu primeiro ano em vigor. Com a edição da Lei 11.340, de 26 de dezembro de 2006, o trabalhador tem garantido o direito de ter sua doença ocupacional reconhecida sem estar à mercê do empregador. O impacto causado pela nova legislação expõe o quadro de invisibilidade das doenças ocupacionais e a fragilidade legal que os empregados brasileiros estavam submetidos. De acordo com relatório do Ministério da Previdência Social (MPS), a concessão de benefícios caracterizados como doenças e acidentes de trabalho aumentou em 251% apenas no primeiro mês de vigência, saltando de 11,9 mil em março para 22,9 mil em abril último, quando a lei passou a valer.

Remígio Todeschini, diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do MPS, analisa que muitas enfermidades ocupacionais eram registradas como moléstias comuns pela dificuldade em comprovar o nexo entre a atividade exercida e o adoecimento. Até o ano passado, isso só era garantido quando a empresa emitia a comunicação do acidente de trabalho (CAT). Agora, basta que seja apresentado o atestado médico com o código internacional de doenças (CID) e o perito do INSS atestar a relação entre a doença e a atividade profissional exercida. “O que estamos vendo é apenas a ponta do iceberg, pois havia uma subnotificação gritante. Começamos a desnudar a fotografia das doenças de trabalho no Brasil, principalmente, no setor da saúde e de serviços”, analisa.

O não-reconhecimento das doenças ocasionadas nos espaços de trabalho trazia prejuízos tanto para os trabalhadores quanto para os cofres públicos. Quando o empregado recorria ao INSS, sem o devido nexo, ele perdia o direito do pagamento do FGTS correspondente ao período de afastamento e o ano de estabilidade que deve ser garantido após retorno ao emprego. Além disso, o pagamento do afastamento do trabalhador era assumido pelo INSS. Todeschini acredita que o NTE trará modificações significativas no mundo do trabalho. Segundo ele, o nexo vai corrigir distorções geradas pela burocracia dos trâmites legais, traçar o panorama das doenças e acidentes de trabalho, inclusive possibilitando a descoberta de enfermidades que ainda não foram mapeadas. ”Os registros mostram que os nossos ambientes de trabalho precisam ter mais segurança. No Brasil, segundo levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), são registrados 14 acidentes a cada 15 minutos e uma morte a cada três”, destaca.

Por enquanto, as empresas questionam o crescimento no número de auxílios concedidos, pois vão pesar mais no bolso dos empregadores, visto que a nova legislação traz repercussões financeiras, tributárias e trabalhistas. A principal novidade é que quanto maior for o número de adoecimentos dos trabalhadores mais as empresas terão de pagar. O aumento da alíquota de contribuição do Seguro Acidente de Trabalho (SAT) pode variar de 1% a 3%, de acordo com o grau de risco a que são submetidos os trabalhadores, até então esse percentual era de apenas 0,5%. “As empresas terão que arcar com a responsabilidade financeira pelo dano provocado à saúde dos seus trabalhadores. Nossa expectativa é que a lei estimule mudanças nos espaços de trabalho, tornado-os mais seguros e saudáveis”, aposta Todeschini. Ele explica que caso a empresa tente se livrar da responsabilidade dos gastos com o auxílio-doença pode ser penalizada com ação judicial do trabalhador ou do INSS.

Nexo distante dos professores

Regerlan Augusta de Morais, do Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar do Estado de Minas Gerais (SAAE-MG), foi uma das representantes dos trabalhadores que participou da comissão que debateu o nexo. Segundo ela, um dos problemas enfrentados pela categoria é o pequeno número de afastamento por doenças ocupacionais. “Os levantamentos para reconhecimento das doenças ocupacionais foram realizados de acordo com os registros dos INSS. Como havia poucos casos de docentes, algumas moléstias inerentes a essa atividade acabaram não aparecendo. Precisamos nos organizar para corrigir essa questão, pontua. Estudos realizados por diversos sindicatos de professores e dados oficiais do INSS comprovam esse quadro. Em 2005, pesquisa realizada pela Comtexto Informação e Marketing, encomendada pelo Sinpro-RS, mostrou que a quase totalidade dos entrevistados opta por trabalhar no limite. Dos 750 docentes entrevistados, 83% revelaram que desprezam os sintomas do corpo para atender aos compromissos com os alunos e com a escola. É comum encontrar docentes dando aula em condições de saúde, no mínimo, precárias, sem voz, com dores nos membros superiores e até mesmo aqueles que passam mal dentro da sala de aula e são encaminhados diretamente para o hospital, casos publicados em edições anteriores do Extra Classe*.

Diante do contexto, não há duvida de que o nexo representa um avanço significativo para a vida e saúde dos trabalhadores brasileiros, mas ainda há muito a ser feito, tanto nos ambientes de trabalho quanto nas questões jurídicas, para que esse direito seja estendido a todas as categorias.

Distorções precisam ser corrigidas

Em relação aos professores, ainda há um longo caminho a percorrer para que o benefício passe a valer de forma ampla. Especialistas na área da Saúde e do Judiciário avaliam que, mesmo a legislação inserindo relevantes modificações para os trabalhadores, ainda há entraves para o reconhecimento de determinadas doenças, principalmente, as mentais. Exatamente as enfermidades que os docentes são mais vulneráveis. Wanderley Codo, pesquisador do Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB), explica que a atividade de docência é extremamente estressante, podendo acarretar adoecimentos ocupacionais, como histeria, psicose, depressão e problemas de postura.

O procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, de São Paulo, Gustavo Filipe Barbosa, autor dos livros Meio ambiente do Trabalho: direito, segurança e medicina do trabalho (Editora Método, 2006) e Acidentes do trabalho, doenças ocupacionais e nexo técnico epidemiológico (Editora Método, 2007), argumenta que as moléstias que se manifestam por meio da depressão ainda encontram sérios obstáculos para serem reconhecidas. “Observa-se um nítido descompasso entre o acentuado avanço médico-científico nessa área, quando comparado com o ainda insuficiente desenvolvimento jurídico legislativo no tratamento do tema”, avalia. Descompasso que, segundo ele, continua acontecendo, mesmo tendo dados que apontem que a atual organização de trabalho apresenta cada vez com mais freqüência conseqüências perniciosas à saúde mental dos trabalhadores. Realidade alertada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que prevê que até 2020 a depressão será a segunda maior causa de incapacitação para o trabalho, perdendo apenas para doenças cardíacas. “A grave conseqüência desse quadro e o evidente prejuízo, sofrido pela pessoa enferma, quanto à sua própria dignidade, por dificultar o acesso a adequados tratamentos e coberturas previdenciárias (como benefícios pertinentes a auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente, pensão e aposentadoria por invalidez), e garantias trabalhistas, como a garantia provisória de permanência no emprego”, alerta.

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