EDUCAÇÃO

Entre o ódio virtual e o sarcasmo pedagógico

“Pra quem já bateu nos seus professores de escola ou não gosta deles e pretende algum dia se vingar como todos nós que estamos participando”. Esta é a descrição usada pela comunidade do Orkut – Já bati no
Por Stela Rosa / Publicado em 24 de agosto de 2008

A temática é polêmica, e os motivos apontados por docentes, alunos e estudiosos divergem. Recentemente, Antônio Álvaro Soares Zuin, doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, publicou o livro Adoro odiar meu professor – o aluno entre a ironia e o sarcasmo pedagógico, da editora Autores Associados. O estudo inicia em Sócrates e Platão, passando por Rousseau, Nietzsche, Freud e Theodor Adorno. Na obra, o autor propõe uma reflexão sobre o sarcasmo pedagógico, definido como tratamento irônico que alguns professores, principalmente os universitários, dão aos alunos.

Do mito de herói a modelo de comportamento, Zuin analisa que os professores nem sempre conseguem fazer uma autocrítica. “Esse riso irônico, que também denota autocrítica em relação ao seu comportamento é, em muitas ocasiões, substituído pelo sarcasmo que tem o poder de destruir a autoconfiança do aluno e, portanto, as bases do seu processo educacional/formativo”, expõe. Segundo o autor, esse comportamento sarcástico é uma das causas da violência que hoje é propagada na internet. “No meu livro, procurei relacionar a transformação da ironia em sarcasmo pedagógico em decorrência, principalmente, das condições histórico objetivas que fazem com que as representações e reflexões percam espaço nas salas de aula e sejam gradativamente substituídas pela hegemonia da violência simbólica, sarcástica, cada vez mais presente na relação professor-aluno, sobretudo nas universidades”, explica.

Pela facilidade de acesso e possibilidade de anonimato, a violência que, às vezes, não é externada na sala de aula, se torna pública na internet. E longe de ser um fenômeno localizado, há iniciativas de Norte a Sul do Brasil de alunos de instituições públicas e privadas. Algumas chamam a atenção pelo grau de agressão, tais como Eu quero matar meu professor. Outras, pelo número de membros, como é o caso da Eu odeio meu professor, que se desdobra em mais de 206 comunidades diversas, com mais de 10 mil integrantes. “As declarações encontradas expõem sarcasticamente aquilo que os alunos falam dos seus professores. Seus tons agressivos sentenciam imediatamente aquilo que o professor lhe representa e que não podem assumir na sala de aula, por causa do medo de sofrer algum tipo de retaliação”, avalia o autor.

Para aprofundar o debate, o Extra Classe foi ao Orkut e entrevistou, por e-mail, alunos e professores, membros de comunidades de vários estados do Brasil. A docente Graciele Soares Arce, de São Paulo, analisa que há professores que adotam certos comportamentos irônicos, mas esse não é o padrão. “Conheço colegas que fazem isso por descontrole diante de certos comentários ou situações. Usam isso como escape e um modo de deixar claro quem é que manda, porém, é dever de cada profissional analisar a si mesmo e buscar uma saída mais polida”, avalia.

Para ela, a falta de estrutura familiar e de políticas educacionais são as principais causas dessa violência, que pode ser constatada no comportamento dos estudantes em sala de aula. “O aluno que não sabe respeitar, geralmente não conhece limites dentro de casa ou é reprimido demais. Então ele precisa encontrar uma forma de extravasar a sua raiva, a sua frustração, sua dor. Quando eles não podem fazer isso em sala de aula, vão para o Orkut”, analisa Graciele.

Para Zuin, promover o diálogo sobre o tema é uma das formas de minimizar os conflitos. “Ambos não podem fingir que tal violência simbólica, fundamentada no sarcasmo pedagógico, não exista, mas sim deve ser encarada como tal e discutida coletivamente, visando dirimir os prejuízos que acarreta na formação dos alunos”, pontua.

Porém, no cotidiano, a conversa nem sempre flui como deveria. De acordo com alguns docentes, diante de algumas atitudes agressivas dos alunos, eles nem sempre dispõem de instrumentos e estratégias para lidar com a situação. A professora gaúcha Lurdes Perinazzo relata que já sofreu violência psicológica várias vezes. “Já fui agredida verbalmente muitas vezes, mas procurei ficar calma e quieta até que os alunos falaram o que tinham vontade de dizer. Depois, os encaminhei para as autoridades da escola e não me estressei com o ocorrido”, conta.

A deterioração da rede pública de ensino e o processo de mercantilização da Educação são razões centrais desse quadro de violência que, de acordo com Paulo Fernando Martins, vem aumentando. Professor da Universidade Federal do Tocantins, que também atuou na Educação Básica do sistema público e privado do Rio de Janeiro por mais de 15 anos, Paulo Martins defende que a despolitização da população jovem excluída, que não percebe as verdadeiras causas da exclusão, deve ser levada em conta. “Isso constitui um ‘caldo cultural’ favorável para o crescimento da violência escolar entre alunos e professores e entre os próprios jovens”, avalia.

No que se refere ao ensino privado, ele aponta que o próprio aluno não está consciente da baixa qualidade da Educação oferecida. “A Educação deixou de ser um direito e, ”coisificada”, assume uma dimensão de mero serviço a ser prestado de acordo com o perfil do consumidor. O aluno intui, mas não reflete criticamente acerca das raízes do problema. Geralmente, ocorre a culpabilização do professor, outra vítima do caos”, ressalta.

RAZÕES DOS ALUNOS – O “pegar no pé” ou os comentários relativos a comportamento em sala de aula parecem ser as razões que desencadeiam a criação de páginas no Orkut e campanhas de boicotes contra professores, pois além de páginas gerais, há centenas destinadas a um docente, inclusive com a divulgação de fotos. As razões que motivam os alunos nem sempre são claras. A paulista Marina Cordeiro Silva, 15 anos, estudante do Ensino Médio no Instituto Americano de Lins, uma escola particular do interior de São Paulo, relata que participa da comunidade Quero matar meu professor porque há certas atitudes dos professores que a deixam irritada. As reclamações, segundo ela, não são muitas. “Sei que sou do tipo de aluna que conversa muito e atrapalha as aulas, mas acho que os professores deviam tentar entender nosso lado também, em certas ocasiões”, argumenta, acrescentando que, no geral, tem uma boa relação com os professores.

Um dos membros da comunidade Meu professor é sacana, que tem mais de 1,7 mil membros, optou por não se identificar, mas reclama de perseguição. “Eu tive um professor que brincava com certos alunos e com outros pegava no pé. Por exemplo, eu tirava notas boas, mas, quando ela pegou no meu pé, minhas notas baixaram e ela atendia o celular no meio da aula. Será que isso pode”?, questiona.

PUNIÇÃO LEGAL – Mesmo tendo dificuldades de comprovar a autoria, pois muitas das páginas são anônimas, os episódios envolvendo comunidades podem ser enquadrados no artigo 186 do Código Civil, que trata do dano moral. Patrícia Peck, advogada e especialista em Direito Digital, alerta que a internet não é simplesmente uma rede de computadores, mas uma rede de pessoas, portanto, está sujeita às leis vigentes nos países nos quais as pessoas moram. No artigo Males do Orkut e da TI, publicado na internet em IDG Now (http://idgnow.uol.com.br), ela orienta que o usuário deve verificar o teor dos conteúdos das comunidades das quais está participando para não ser envolvido e responsabilizado por algum dano civil ou infração criminal.

Segundo Patrícia, já existe uma série de condutas digitalmente incorretas, uma delas é a imputação da responsabilidade civil referente ao Orkut. “Há, sim, a responsabilidade do dono e também do participante da comunidade. Ambos irão responder de acordo com seu envolvimento, em casos de ação, ou até mesmo de omissão, conforme reza o Direito Brasileiro”, ressalta. As penas podem ser multas, detenção e até 12 anos de reclusão. “Com possibilidade de se aplicar agravante de pena, uma vez que a internet é um ambiente de comunicação social, além de demissão por justa causa, indenização, etc.”, explica Patrícia.

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