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Quanto ainda custa uma GM?

General Motors anuncia ampliação da fábrica gaúcha por meio de incentivos públicos e renúncias fiscais. Impostos só retornarão ao Tesouro em 2033
Por Maurício Boff / Publicado em 13 de setembro de 2009

O investimento de R$ 2 bilhões no Complexo Industrial Automotivo da General Motors (GM) em Gravataí, na região Metropolitana de Porto Alegre, foi anunciado oficialmente pelo presidente da multinacional para o Brasil, Jaime Ardila, ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, na metade de julho. A promessa é de que a fábrica gaúcha produza dois novos modelos de automóveis, triplicando, assim, a capacidade original da linha de montagem para cerca de 380 mil veículos por ano. A operação da unidade industrial ampliada, que será a maior da empresa no país, tem a previsão para começar em 2012, deve gerar mil empregos diretos e 7mil indiretos. Como aconteceu em 1996, durante a gestão do governador Antônio Britto (PMDB) e data do anúncio da vinda da multinacional para o Rio Grande do Sul, a ampliação da fábrica gera polêmica quanto ao modelo de financiamento e política de isenção fiscal adotado para implantar o chamado Projeto Onyx. Especialmente, em se tratando da GM, uma empresa que precisou ser remodelada nos Estados Unidos durante a crise econômico-financeira internacional.

No anúncio oficial, Ardila garantiu que dos R$ 2 bilhões, R$ 1,4 bilhão serão para o desenvolvimento dos novos modelos e para a ampliação da capacidade produtiva em Gravataí, que já produz os modelos Celta e Prisma. O recurso restante será destinado para outras unidades da montadora no Brasil. O presidente da multinacional ainda afirmou que cerca de 50% dos recursos a serem investidos no novo projeto virão dos próprios lucros da montadora. O superintendente do Instituto Gaúcho de Estudos Automotivos (IGEA), Paulo Fernando Ely, ressalta que as informações não são precisas até porque, estrategicamente, a sucursal brasileira da multinacional é de Capital limitado. Outras gigantes – que negociam papéis na Bolsa de Valores – oferecem uma maior visibilidade aos acionistas. “O que se pode dizer é que cerca de R$ 700 milhões estão em negociação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) já garantiu o aporte de R$ 344 milhões”, diz. Outra instituição financeira pública, o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), já se manifestou disposto a emprestar dinheiro.

O economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE), Lívio Luiz Soares de Oliveira, lembra que, em 1996, os termos da negociação geraram intensos debates porque também envolviam recursos públicos vultosos. O acordo previa a concessão inicial de R$ 580 milhões (US$ 310 milhões) em empréstimos oficiais para a compra de terreno, obras de infraestrutura e capital de giro, a uma taxa de juros de 6% ao ano, a serem pagos a partir do ano de 2002. O protocolo estabelecia a isenção de tributos estaduais durante um período de 15 anos a partir da entrada em funcionamento da fábrica, em 2000. O governo também se comprometia a oferecer toda a infraestrutura necessária para a operação, como água, luz, gás natural e melhorias no transporte público para o acesso à fábrica. “Houve quem disse que as condições do protocolo assinado entre o Estado e a montadora foram ‘extremamente generosas’”, afirma Oliveira. O economista lembra que a discussão se deu em um cenário precário das finanças públicas estaduais, em que a pergunta era se seria vantajoso ao Rio Grande do Sul entrar numa guerra fiscal contra outros estados para atrair empreendimentos de grande porte.

Prorrogação de incentivos fiscais por mais 15 anos

A governadora Yeda Crusius (PSDB) enfrenta uma não menos complicada situação do Tesouro Estadual. A tucana chegou a anunciar o déficit zero, o que significa não gastar mais do que arrecadar, numa tentativa de conter o ciclo vicioso de despesas acima do limite possível. Mas a ampliação da capacidade produtiva em Gravataí terá novamente incentivos fiscais semelhantes aos que já existem hoje para a fábrica gaúcha, mas com uma diferença. Atualmente, 100% da produção da unidade gaúcha da GM tem a prerrogativa de prorrogar por 15 anos o pagamento da principal fonte de arrecadação estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Pelo acordo anterior, o retorno dos recursos aos cofres do Estado deveria ocorrer em 2014. A regra é parte do programa Fomentar RS, instituído em 1997 como instrumento público para receber a GM. “Para a ampliação, a prorrogação valerá para 75% das vendas”, afirmou o vice-presidente da GM do Brasil, José Carlos Pinheiro Neto, durante o anúncio oficial. Isso significa que a GM vai recolher 25% do ICMS imediatamente após a venda dos veículos. Os 75% em impostos prorrogados terão dez anos de prazo de carência e mais 12 anos para o pagamento. Se a fábrica ampliada começar mesmo a operar em 2012, o imposto só retornará ao Estado em 2033.

A Casa Civil encaminhou um projeto à Assembleia Legislativa com o argumento de dar transparência para os investimentos públicos. Na prática, o projeto do Executivo estende o Fomentar RS alterado ao novo anúncio da montadora. O líder da bancada tucana, deputado estadual Adilson Troca (PSDB), defendeu que o projeto encaminhado é um avanço em relação ao do governo Britto, que previa a isenção total, e é parte da regra do jogo. “Tenho certeza de que mesmo a oposição não irá colocar empecilhos e irá aprovar a matéria”, salienta. As bancadas de oposição se manifestaram contrárias à proposta e apresentaram emendas. O deputado estadual Raul Pont (PT) definiu a renúncia fiscal como um verdadeiro suicídio a qualquer estado. O parlamentar salientou que o Tesouro Estadual deixará de arrecadar milhões por ano em ICMS (ver mapa). “Como se vai garantir um mínimo para o sustento decente da Educação pública?”, questionou.

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