OPINIÃO

Pedofilia: crime sem recortes de classe ou profissão

Abusadores podem pertencer a todos os meios sociais e buscam fácil acesso às crianças
Por Denise Casanova Villela* / Publicado em 4 de junho de 2010

ideias

Ilustração: Pedro Alice

Ilustração: Pedro Alice

A existência de comportamento pedofílico em nossa sociedade não é algo novo, nem por isso deve ser tolerada. Entretanto, a revelação deste comportamento implica intervenções que trazem consequências sérias para o infante e sua família.

É preciso voltar na história para compreender melhor este tema bastante complexo, e lembrar que a noção de infância é um conceito que surgiu somente a partir do final do século 17, e que a visão em relação à criança como um todo tem sofrido alteração ao longo do tempo. As crianças quando nasciam não recebiam cuidados especiais, assim morriam em grande número e o infanticídio era uma prática comum. Logo que dispensavam os cuidados da mãe ou ama, misturavam-se aos adultos em jogos e trabalhos diários (Ariés, 1981). Muitas áreas do conhecimento começaram a investir seus interesses na infância, considerando este período da vida uma fase peculiar de desenvolvimento.

Embora a violência na infância seja uma calamidade que tem suas raízes na antiguidade, o assunto recebeu consideração mais séria só a parir de 1946, quando Caffey, um radiologista americano, relatou a frequente associação da violência com hematomas crônicos e fraturas em crianças. Em 1961, surgiu o termo “criança maltratada”, abrangendo todos os tipos de violência contra criança, e a partir de então foram editadas várias publicações sobre o assunto na área da saúde (Garfinkel, Carlson e Weller, 1992).

Esta preocupação de diferentes áreas gerou a necessidade de proteger a criança, e o Direito, mais recentemente, buscou formas de protegê-la através de leis e outros mecanismos nos sistemas jurídicos de diversos países.

Como não há um perfil próprio para identificação do pedófilo, ele poderá estar inserido no meio social e conviver pacificamente com todos, inclusive com as crianças, até demonstrar para as vítimas seus instintos de algoz. Como é característico deste crime vir permeado de sedução ou ameaça por parte de seu autor, a delação fica prejudicada, até porque, como a vítima, criança ou adolescente, está com a personalidade em formação, não possui maturidade suficiente para entender a atitude ardilosa do agressor e de se determinar, defendendo-se ou buscando ajuda, denunciando- o. Em razão da natureza do crime, é comum que estes indivíduos tentem exercer atividades junto às crianças, pois conquistando a confiança destas, a atividade criminosa fica facilitada. Isso não significa que eles exerçam uma ou outra profissão, exclusivamente, pois estão presentes em todas as camadas sociais. Também circulam em shopping, praças e próximos a escolas, locais de cultos religiosos e em todos os locais onde crianças possam estar presentes, além de usar a Internet para aliciamento de vítimas. Por se sentir culpada, graças às artimanhas do agressor, a vítima se sente desacreditada e na maioria das vezes não denuncia, isso faz com que as estatísticas existentes não sejam reais.

Embora alguns tentam justificar a pedofilia, vinculando-a à homossexualidade e ao celibato, tal, tecnicamente, não restou comprovado. Sabe-se, entretanto, através de estudos científicos, que pedófilos geralmente foram vítimas de violência e maus- tratos na infância, não necessariamente de violência sexual, mas de sérias humilhações e não receberam qualquer tratamento psicológico. É de se observar que homossexualismo entre maiores de 18 anos não configura crime, ao contrário da pedofilia que envolve crianças e adolescentes, onde há tipificação penal, isso se explica pela personalidade em formação dos infantes.

Entretanto, não basta a existência de legislação punitiva, nem dispositivos protetivos, quando os padrões culturais que se perpetuam ao longo da historia não são rompidos. É preciso informar as diferentes camadas sociais que a criança é um ser em desenvolvimento e necessita de proteção integral. Como toda a quebra de paradigma, a construção cultural da proteção à criança pode trazer alguma dificuldade de interpretação do que seja protetivo ou abusivo para com as crianças. Mas tais equívocos de entendimento devem servir de estímulo para fomentar discussões e levar ao aperfeiçoamento do sistema de proteção, ao invés de cultivar a negação e ausência de responsabilidade dos setores sociais.

* Promotora de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre. 

 

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