EDUCAÇÃO

Lobby privado quer reduzir o rigor na avaliação das IES

Começa a pressão política para flexibilizar os critérios utilizados para classificar as instituições conforme a qualidade, ponto central da política do MEC para o setor
Por Jacira Cabral da Silveira / Publicado em 22 de agosto de 2010

Enquanto o ministro da Educação, Fernando Hadad, não homologa as novas regras para o credenciamento das futuras universidades e do recredenciamento das já existentes, a serem encaminhadas pelo CNE (Conselho Nacional de Educação), parte do setor do Ensino Superior privado tem reagido contra algumas questões que implicam a normatização do setor.

De acordo com o consultor Gabriel Grabowski, especialista no setor, “essa reação está se dando em torno de quatro pontos: avaliação institucional, autonomia das universidades, o processo de criação e autorização de cursos e a participação de capital estrangeiro”.

Depois de quatro anos no esquecimento, ressurge no Congresso Nacional a discussão da Reforma Universitária, através do parecer do deputado Jorginho Maluly (DEM-SP), relator da Comissão Especial da Reforma Universitária. Ele deixou de fora do parecer justamente esses temas questionados pelo setor privado de ensino, descontente com o atual sistema de avaliação.

Acaso? Não, interpreta Gabriel. “Quem representa hoje esse segmento é o DEM e o PSDB”, explica, “dessa forma, eles adiam para 2011 a discussão de tais temas, deixando-os sem normatização”. Isso porque um dos projetos analisados pela Comissão Especial é o do deputado Átila Lira (PSB-PI), Projeto de Lei 4.212/04, no qual ele introduz um mecanismo dizendo que, a partir de agora, o MEC só poderá legislar em assuntos de educação mediante lei. Esse projeto altera dispositivos da Leiº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional – LDB.

Na interpretação do consultor, como nos últimos anos toda normatização do Ensino Superior esteve e está baseada em decretos (nº 5.773/2006 que revogou o nº 3.860/2001) , a ideia desse fórum, através de seus articuladores no Congresso, é proibir o governo de usar decretos e portarias, “é isso que eles pretendem colocar na Reforma Universitária, sendo assim, o governo não poderia legislar sobre esses aspectos com os quais eles se sentem prejudicados”, reforça.

Para Gabriel, o substitutivo do deputado Átila Lira representa a carta na manga do setor descontente, pois, dessa forma, “o documento retoma a organização do Ensino Superior conforme estava estruturado nos anos 90, com o Decreto 3.860”, detalha. Isso representa, na avaliação do professor, uma mudança considerável na própria existência das instituições de Ensino Superior no país, retomando aquele modelo antigo quando havia instituto superior, escola superior etc. Eles mantêm os critérios da LDB, mas em relação aos novos critérios que a reforma estava propondo – que é ampliar o número de mestres e doutores e outras exigências que constam no parecer do CNE – tudo isso é retirado.

Núcleo de estudos debate documento do Inep

Sérgio Franco, da Conaes

Foto: Arquivo Conaes/Divulgação

Sérgio Franco, da Conaes

Foto: Arquivo Conaes/Divulgação

A pressão política, entretanto, não se dá apenas dentro do Congresso. Em recente reunião do Núcleo de Estudos da Legislação Educacional do Sinpro/RS (Nesle, ) foi avaliado, entre outros documentos, o ofício assinado pelo Inep (Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira) e Conaes (Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior), informando sobre as mais recentes alterações nos instrumentos de avaliação.

Tais mudanças, na análise dos membros do Nesle, podem representar a flexibilização da avaliação das instituições de Ensino Superior, através da redução do nível de exigência e, como consequência, abrindo precedente para a desqualificação da oferta de ensino neste segmento da educação brasileira.

Marcos Júlio Fuhr, diretor titular de Assuntos Jurídicos do Sinpro-RS, vê com preocupação, por exemplo, a forma como a Conaes trata o Plano de Carreira Docente especificada no ofício. Segundo ele, antes era exigido que o plano fosse homologado por ordem do Ministério do Trabalho e Emprego, e agora basta que seja protocolado. “Ao que tudo indica, essas alterações da Conaes são fruto da pressão do setor privatista no sentido de diminuir as exigências e afrouxar o padrão de avaliação do Ensino Superior no país,” pondera o dirigente.

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Gabriel concorda. Para o especialista, no momento em que indicadores passam de obrigatórios a facultativos já não incidem mais sobre a nota: “Eles não extinguiram, mas flexibilizaram”, reforça. Para o professor, esse afrouxamento ocorreu porque os indicadores da avaliação foram alterados de forma que deixem de ser impactantes na avaliação, para serem diferenciais. “Talvez a Conaes não queira assumir, mas a nossa avaliação é de que ela foi suscetível a pressões”.

Para membro da Conaes não há flexibilização

“Interpretação equivocada”, garante Sérgio Franco, membro da Conaes. De acordo com ele, o órgão não considera que tais alterações tenham reduzido o rigor da avaliação, “o documento faz algumas adequações com relação a outros instrumentos”, assegura. Na avaliação de Franco, ocorreu exatamente o contrário, pois “passaram a ser mais rigorosos do que o texto anterior, especialmente aqueles itens referentes ao recredenciamento institucional”, garante.

Ele cita como exemplo o tema relativo às faculdades, que passou a exigir formação mínima de lato sensu para “todo o corpo docente” da faculdade. De acordo com a redação anterior, essa exigência insidia apenas sobre “50% do corpo docente”, abrindo precedente para que a outra metade de professores pudesse ou não ter formação mínima lato sensu.

O professor ressalta ainda que a maioria das instituições privadas reclama dessa exigência, alegando que a LDB não coloca explicitamente que as faculdades precisam ter 100% do corpo docente com formação lato sensu. “E agora o instrumento deixa bem clara essa exigência”. Neste sentido, Franco reforça não ver uma diminuição da exigência nos critérios da Conaes.

Por outro lado, ele reconhece que a retirada da característica de “indicador imprescindível”, presente em alguns itens, pode parecer “diminuição” na exigência. Entendia-se por isso que, caso um indicador ‘x’ não fosse atendido, toda a dimensão da avaliação ficaria comprometida. Analisando o peso desses indicadores, Franco afirma que a Conaes entendeu que num instrumento de avaliação externa de instituições não deve existir indicador imprescindível, porque o que interessa é a qualidade: “É preciso separar a avaliação da qualidade dos processos regulatórios”, ressalta.

O professor lembra ainda que, anteriormente, como tudo era quantificado (cinco níveis) acontecia a prática da engenharia reversa, “inclusive tinha consultoria que fazia cálculo automático da nota que a instituição ia tirar e como fazer ajustes para que o conceito aumentasse”. Atualmente isso não ocorre, assegura o professor, agora a instituição deve considerar qual é o seu patamar de referência como mínimo e o que pode fazer além desse mínimo.

 

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