POLÍTICA

A verdadeira eleição

Serra e Dilma terão de confrontar inevitavelmente os governos Lula e FHC, mas se o denuncismo tomar conta da campanha haverá prejuízo ao embate de ideias
Por Flavia Bemfica / Publicado em 30 de outubro de 2010

Já começaram a ser consolidadas as estratégias de PT e PSDB para o segundo turno da eleição presidencial que, entre políticos, também já está recebendo a denominação de segundo round. A expectativa da campanha de Dilma Rousseff (PT) é sobre a intensidade das denúncias com o objetivo de envolver o governo ou o PT que podem surgir até o final deste mês, quando os eleitores voltam às urnas para escolher em definitivo quem governará o país nos próximos quatro anos. Do lado do tucano José Serra, a expectativa é em torno de qual será a postura do PT: se vai responder aos ataques e em que medida.

A partir dos resultados das urnas, que deram ao PT e ao aliado PMDB o domínio do Congresso, o discurso que também pode dominar a campanha do segundo turno é aquele a respeito do avanço do poder do Executivo sobre o Legislativo. Quando considerada a coligação de partidos que apoia Dilma, a candidata, se eleita, terá 49 dos votos no Senado e 310 na Câmara dos Deputados. Já Serra teria 25 votos no Senado e 136 na Câmara.

A diferença fez com que, desde o domingo, 3 de outubro, passassem a ser feitas especulações sobre se o PSDB poderá lançar mão do discurso do “rolo compressor” ou da “mexicanização” para tentar desidratar a adversária, ou seja, dizer que um eventual governo Dilma pretenderá ter o controle total do Legislativo. É o mesmo argumento que chegou a ser ensaiado no primeiro turno, mas não com muita força.

A tática, contudo, é arriscada, porque pode levar os petistas a recuperarem de fato a expressão “rolo compressor”, que foi utilizada em profusão na época em que o tucano Fernando Henrique Cardoso era presidente e detinha a maioria do Congresso. “Essa história do rolo compressor é papo, porque tinha no governo FHC também, e acho que não cola. Agora, as denúncias, estas vão continuar”, resume o cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).

O cientista político e professor da Ufrgs, Benedito Tadeu Cesar, tem avaliação semelhante. Ele lembra que Fernando Henrique, quando presidente, chegou a governar com três quintos do Congresso e, por isso, lançar mão da argumentação do “rolo compressor” agora para tentar vincular a candidatura petista a qualquer forma de autoritarismo é muito arriscado. “O que imagino que vai acontecer é o Serra puxar para um debate de projetos, uma vez que ele confia no fato de possuir maior corrida política.”

Debate de projetos seria mais vantajoso

O debate de projetos, na avaliação dos analistas políticos, é o que de melhor pode acontecer na campanha do segundo turno da eleição. Porque, segundo eles, as alternativas a um debate mais político, que apresente propostas específicas para as diferentes áreas de atuação do governo, podem fazer a campanha enveredar por uma sequência de ataques pouco vantajosa.

“Acredito que a campanha de Dilma Rousseff (PT) vai continuar na mesma postura de antes. A questão é que, se as acusações e denúncias começarem a ser muito baixo nível, a tendência é de que o governo também comece a retaliar. E aí, se o debate cair no denuncismo, vai ficar muito difícil de debater propostas”, adverte o cientista político David Fleischer.

O professor Benedito Tadeu Cesar avalia que a tendência petista é de seguir mostrando realizações do governo e fazer um debate propositivo. Mas ressalva que o PT pode decidir voltar a usar, por exemplo, a questão das privatizações no governo de Fernando Henrique Cardoso, que foram úteis para deter os índices de Geraldo Alckmin (PSDB), agora governador eleito de São Paulo, na eleição presidencial de 2006, quando o tucano foi para o segundo turno com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Cesar também lembra que, no primeiro turno, Dilma estava em ascensão e com expectativa de vitória. Por isso, não revidou aos ataques constantes. Agora, a situação é outra. “Pode sim, aparecer isso de o PT contra-atacar ou mesmo atacar abaixo da cintura.”

De um lado, segundo Fleischer, o PT poderá explorar fatos do governo FHC ou fazer surgir informações a respeito das biografias de Serra e de sua família. De outro, estima Cesar, a questão do aparelhamento do Estado, que foi usada de forma mais sutil no primeiro turno, pode voltar com intensidade ao discurso tucano.

No primeiro turno, antes o vice de Serra, o deputado Indio da Costa (DEM), e depois o próprio ex-governador, começaram a fazer acusações diretas sobre o aparelhamento do Estado. A mídia deu visibilidade. Mas Dilma rebateu com rapidez, lembrando fatos da administração de Serra em São Paulo e dos dois governos de Fernando Henrique. O assunto morreu.

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