OPINIÃO

Ecos do eco

Publicado em 11 de novembro de 2010

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Quem grita diante de um vale e vibra com o eco não imagina o que foi aperfeiçoar esse fenômeno acústico, milênios de incompatibilidade acústica entre a linguagem e a topografia. A garganta humana e as gargantas geográficas não falavam a mesma língua.

Tudo começa com os trovões, que ribombavam nos céus e de alguma maneira ressoavam na terra, para pavor dos ancestrais.

Assim que passava o temporal, a tribo saía da caverna e bradava contra os raios. Ur-ravam daqui de baixo mas o céu não reverberava. Precisavam de um ampli-ficador.

Durante séculos, des-cobriram lugares onde barrancos devolviam alguns sons. Mas a ressonância era, por assim dizer, primitiva: se berravam Aukts!, ouviam Strachtz! As tribos reuniam os sons mais audíveis e faziam exercícios. E a cada vez que um local se mostrava retumbante, corriam pra ensaiar a gritaria.

Havia dois problemas com os ecos: falta de nitidez e falta de sincronismo. O primeiro significava ouvir sons diferentes dos que proferiam; o segundo, ter que ouvir fora da ordem da pronúncia. E o tempo e os trovões passando.

Assim que a humanidade se espalhou com seus idiomas por todos os terrenos acidentados do planeta, as pesquisas dos ecos e o intercâmbio entre os pesquisadores avançaram. Alguns grupos descobriram que palavras davam os melhores resultados; outros, que tipos de aclives ofereciam sonoridade semelhante aos berros dados.

À medida que o domínio dos ecos aumentava, eram distribuídas instruções pra se conseguir o efeito junto a colinas e montanhas. Agora, já havia geógrafos e gramáticos fazendo testes, trocando conhecimento, agrimensores e linguistas ajustando teorias para se obter ecos mais precisos.

Na busca das respostas, tiveram que mover céus e terras: cavar e alterar áreas, uma espécie de afinação de terreno. Ao mesmo tempo, as pessoas foram treinadas por gritadores profissionais, que articulavam cientificamente. Aos vales de eco só restava corresponder ao que era dito.

E foi assim, de tanto se adestrarem um ao outro, que o solo e as vozes foram se condicionando, até ser possível qualquer um dizer qualquer vocábulo – em qualquer língua! – e qualquer vale de eco reproduzir fielmente qualquer som, sintaxe e dicção perfeitas. De xingões a poesia, tudo passou a ecoar.

Hoje você chega a um belvedere, escancara os pulmões e pode reagir a antigos desafios das nuvens. Mas em dias tempestuosos, tudo volta ao passado: todo eco será abafado.

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