POLÍTICA

Tarso aposta no diálogo para governar

Tarso Genro assumirá o governo com disposição para dar voz a diferentes atores sociais e pretende repetir modelos que deram certo na era Lula e de outras gestões petistas
Por Flávia Bemfica / Publicado em 25 de novembro de 2010

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Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Diálogo, diálogo e mais diálogo é o que promete o governador eleito, Tarso Genro (PT) em todas as suas manifestações públicas após a eleição. Para mostrar que o diálogo e a instalação de um governo de coalizão não são apenas promessas de campanha, Tarso não perdeu tempo após a vitória no primeiro turno, inédita na história do Rio Grande do Sul. De imediato, estabeleceu os grupos técnicos que formatam, em uma espécie de QG instalado no Hotel Mercure da Rua Ramiro Barcelos, em Porto Alegre, as mudanças na estrutura de governo. Até o início de dezembro, todos os integrantes do primeiro escalão estarão definidos.

Há pelo menos dois pontos básicos nas mudanças que devem ser implantadas na estrutura de governo e na forma de governar a partir de 2011, quando Tarso Genro assumirá a administração do Estado: a disposição em dar voz a diferentes atores sociais e a repetição de modelos que deram certo nos governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ambos ficam evidentes na iniciativa de formar o Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social, promessa de campanha que Tarso não se cansa de lembrar, e, mais recentemente, no anúncio da instituição de um Gabinete de Prefeitos.

O Conselho Estadual será formatado nos moldes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (Cdes). Criado em 2003 pelo governo Lula, e vinculado à presidência da República, o Cdes, também conhecido como Conselhão, funciona como fórum de diálogo entre governo, empresários e trabalhadores a respeito de questões que tratem do desenvolvimento. Teve, por exemplo, participação nas propostas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). “As administrações do PT na prefeitura de Porto Alegre e sua passagem pelo governo do estado deixaram uma perspectiva de que foi muito receptivo aos movimentos populares. Agora, o que há é uma demonstração de que o governo pretende ouvir todos os lados. Tarso utiliza sua experiência no governo federal e, como se diz, ‘dá uma martelada no prego e outra na ferradura’”, resume a professora do Programa de Pós-graduação em Ciência Política (PPGPOL) da Ufrgs, Maria Izabel Noll.

“O comparecimento do Tarso na Agenda 2020 foi emblemático. Vamos lembrar do Jorge Gerdau: ele comandou a oposição ao governo de Olívio Dutra (PT). Conversar é salutar. Mas, é bom lembrar, há sempre limites para a negociação”, resume o também professor do PPGPOL da Ufrgs, Benedito Tadeu César. O cientista político refere-se ao fato de que em 18 de outubro, pouco após a eleição, Tarso reuniu-se com representantes da Agenda 2020 em um evento no Plaza São Rafael. No encontro, cinco temas foram priorizados: Educação Básica, Parques Tecnológicos, Infraestrutura, Previdência e Investimento. Empresários satisfeitos ouviram do governador eleito que ele comunga das avaliações da Agenda 2020 sobre a Previdência estadual, que o déficit será tratado como prioridade em sua administração e que já prevê muitas resistências a uma reforma. As declarações de Tarso geraram reações imediatas e um início de polêmica para o qual sobrarão ingredientes no início de governo.

Tarso quer relação direta com prefeitos

O Gabinete de Prefeitos, segundo analistas políticos, segue as mesmas diretrizes de ampliação dos espaços de diálogo e utilização de ferramentas bem sucedidas do governo federal. A presidência da República possui uma Subchefia de Assuntos Federativos, vinculada à Secretaria de Relações Institucionais. E é de conhecimento público que o presidente Lula estabeleceu um canal direto com as prefeituras, muitas vezes “passando por cima” dos governos estaduais, o que lhe garantiu uma base de apoio consistente nos municípios. Agora, Tarso promete que, no futuro gabinete, haverá uma estrutura física à disposição dos administradores municipais, que terão nela também assessoria técnica para a elaboração de projetos e busca de financiamentos em organismos nacionais e internacionais.

“Se a ideia é ter um espaço permanente para discussão, é bom, porque nos serve de referência, e não vemos problemas no que diz respeito ao papel da nossa entidade. Além disso, quanto mais perto do governador, melhor”, avalia o presidente da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs), Vilmar Perin Zanchin. Apesar da avaliação positiva, a afirmação de Zanchin traz implícito um recado ao futuro governo que diz respeito à atribuições, que traduz o antigo senão de muitas instâncias de representação social e serve há anos de munição para os opositores do governo Lula: de que o governo amplie de tal forma sua atuação a ponto de sufocar movimentos sociais e a atuação de sindicatos e federações, sejam eles de oposição ou não.

Não haverá reedição da primeira gestão petista

Governo terá maioria na Assembleia Legislativa

Foto: Walter Fagundes

Governo terá maioria na Assembleia Legislativa

Foto: Walter Fagundes

Para os que imaginam comparações entre a primeira vez em que o PT assumiu o governo estadual, com Olívio Dutra, em 1999, e o próximo governo, os especialistas alertam para as diferenças. “A experiência do governo Olívio dificilmente se repetirá. O PT, naquela época, entrava sem nenhuma experiência de governo, ganhou a eleição quase sozinho, por isso achava que não precisava flexibilizar nada e poderia impor seu projeto político”, destaca o cientista político Benedito Tadeu César. “O Tarso traz na bagagem muito da experiência como integrante do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, repete a cientista política Maria Izabel Noll.

Agora, o PT teve muita paciência e concordou em ceder espaços importantes para conseguir reeditar a aliança com PSB e PCdoB. Mais do que isso, durante as negociações para as alianças, insistiu à exaustão em acordos com o PDT e o PTB ainda no primeiro turno. O senador Sérgio Zambiasi (PTB) é presença constante em eventos ao lado de Tarso após a eleição. Em um deles, a plenária de arrancada da campanha de Dilma Rousseff no segundo turno no estado, realizada no Centro de Eventos do Hotel Plaza São Rafael, colocou a plateia de pé quando, logo no início do pronunciamento, revelou ter votado no petista. A postura diferente não parte apenas de Tarso. No final de outubro, o presidente estadual do PT e deputado estadual reeleito Raul Pont ignorou os comentários maldosos e os disparos dos flashes e participou de agenda com o então candidato à vice de Dilma, o peemedebista Michel Temer.

Tarso com representantes da Agenda 2020, onde se discutiu Educação Básica, Parques Tecnológicos, Infraestrutura, Previdência e Investimento

Foto: Caco Argemi

Tarso com representantes da Agenda 2020, onde se discutiu Educação Básica, Parques Tecnológicos, Infraestrutura, Previdência e Investimento

Foto: Caco Argemi

Compromisso com vários segmentos

A comemorada vitória de Tarso Genro no primeiro turno da eleição e as ações imediatas para começar a montagem do novo governo são, na avaliação dos analistas políticos, uma demonstração clara de que a nova administração não pretende perder tempo e de que tem a dimensão da responsabilidade recebida com a vitória. O fato de o petista ter sido eleito com quase 55% dos votos válidos e de ter obtido no primeiro turno no estado votação superior à da candidata do PT à presidência da República, Dilma Rousseff, são uma demonstração de que não foram apenas os petistas e os eleitores dos principais aliados no primeiro turno da eleição (o PSB e o PCdoB) que deram a Tarso a vitória. Por isso, segundo a professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGPOL) da Ufrgs, Maria Izabel Noll, a importância de o novo governo apostar no diálogo. “Tarso sabe que tem votos de todos os segmentos e isso aumenta a responsabilidade”, destaca ela.

Entre os pesquisadores que se dedicam a estudar os movimentos políticos, partidários ou não, há inclusive uma expressão para caracterizar os primeiros 90 dias de um novo governo. O período é definido como uma espécie de “estado de graça”, na qual o novo governante conta com a boa vontade da população em geral e dos formadores de opinião em particular, às vezes até com uma certa clemência dos opositores. Há um tipo de trégua, na qual os diversos segmentos sociais dão um tempo para que o novo detentor do poder possa se adaptar e começar a colocar em prática suas iniciativas. “Depois, começa uma outra fase”, alerta Maria Izabel.

Tarso Genro e seus aliados conhecem os tempos do poder e, por isso, já se antecipam. À imprensa, o governador e seus assessores têm fornecido dados em pílulas, alimentando a sede de jornalistas por novas informações. Aos aliados no pleito, há a garantia dos acordos feitos anteriormente: como a promessa de que o PSB ocupará três secretarias. E aos novos aliados, como o PDT e o PTB, é dedicada muita atenção – e mais promessas. Não há quem duvide de que Tarso conseguirá maioria na Assembleia Legislativa, por exemplo. O PT, sozinho, vai ficar a partir da próxima legislatura com 14 das 55 cadeiras. PSB e PcdoB têm outras quatro. O PTB fez sete deputados estaduais (por enquanto, não há garantia de adesão completa da bancada, mas de pelo menos três deputados). O PDT fez seis parlamentares. O PT já cavou até uma dissidência no PP – o deputado reeleito Mano Changes. E, apesar da histórica polarização com o PMDB, há quem assegure que a bancada não será sempre, e integralmente, de oposição. “Com a vitória de Dilma, o PMDB tem, digamos, uma tendência a integrar governos e, mesmo na oposição, não há como saber com que veemência a exercerá”, adianta o cientista político e professor Benedito Tadeu César.

Ainda sem respostas para questões de Segurança e Educação

Para o Cpers, plano de carreira é inegociável

Foto: Caco Argemi

Para o Cpers, plano de carreira é inegociável

Foto: Caco Argemi

Nem só de bons momentos viverá o novo governo que começa em 2011. A questão da Previdência estadual, já citada pelo governador eleito Tarso Genro e o piso salarial dos professores da rede pública estão entre os nós que precisarão ser desatados. Tarso prometeu na campanha que vai pagar o piso nacional. Neste primeiro mês após a eleição, não tem dado grande visibilidade nos anúncios a áreas como a Educação e a Segurança (ministérios que ocupou no governo Lula). Sobre Educação, tem dado destaque à meta de aumentar em 50 mil o número de vagas no Ensino Médio, em quatro anos. Na Segurança, fala em aumentar os Territórios de Paz que integram o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).

Há quem aposte que Tarso possui “cartas na manga” para as duas áreas e vai apresentá-las no devido tempo. Outros consideram que ele pode evitar os temas espinhosos enquanto constrói a base ampla. “É muito difícil implantar o piso nacional do magistério, por exemplo, sem que haja uma mudança na estrutura da carreira dos professores. E você tem o Cpers (Centro dos Professores do Estado do RS – Sindicato dos Trabalhadores em Educação) dizendo que carreira é inegociável. Haverá momentos difíceis”, alerta o cientista político Benedito Tadeu César.

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