OPINIÃO

Com causa e sem casa: a Europa também começa a ferver

Por Marco Weissheimer / Publicado em 29 de junho de 2011

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Foto: Enrique Dans (divulgação)

Foto: Enrique Dans (divulgação)

Depois do Oriente Médio e do norte da África, parece ter chegado a vez da Europa. O velho continente, orgulho da civilização ocidental, está repetindo cenas que o mundo viu nos últimos meses ocorrerem em países como Tunísia, Egito, Líbia, Yemen, Síria, Bahrein, entre outros. Os atores dessas diferentes mobilizações têm um ponto em comum: em sua esmagadora maioria são jovens que ou estão desempregados ou têm poucas perspectivas de vida em seus respectivos países. Mas há também outro fio condutor que atravessa essas diferentes rebeliões: políticas econômicas que pedem austeridade ao povo, enquanto seguem mantendo os lucros e privilégios dos representantes do setor financeiro, cuja cobiça e insensatez mergulhou o mundo em uma grave crise econômica a partir de 2008.

O descontentamento com o atual modelo econômico, hegemônico na maioria dos países do planeta, tem sua expressão política também. Um modelo que celebra a injustiça e a exclusão social como “políticas públicas” tem, inevitavelmente, um viés autoritário. As pessoas querem viver, e viver razoavelmente bem, com um mínimo de dignidade. Sem comida na mesa, sem emprego, sem casa muitas vezes, só lhes resta sair às ruas para protestar. O fato de isso estar acontecendo agora na Europa, particularmente na Grécia e na Espanha, só reforça a gravidade da situação. Um dos lemas utilizados pelos jovens manifestantes que tomaram, aos milhares, as ruas de diversas cidades espanholas, em maio, é: “com causa e sem casa”. Resume bem o tamanho e a natureza do problema.

Mas qual é a consequência política dessas mobilizações. No momento, a Europa vê crescer, de modo assustador, a popularidade de organizações de extrema-direita que caminham na contramão do processo de integração que vem sendo construído ao longo das últimas décadas pela União Europeia. Cresce com elas a xenofobia, a aversão ao estrangeiro, o preconceito contra populações de países árabes, africanos, latinos e do leste europeu. O homem branco de classe média europeu e mesmo de alguns setores mais pauperizados começam a ser seduzidos pelo discurso de que é preciso fechar as fronteiras, erguer muros bem altos e cuidar de si mesmo. Na França, a extremadireita representada pela Frente Nacional aparece liderando algumas pesquisas eleitorais, apresentado Marine Le Pen, filha de Jean-Marie Le Pen como candidata.

A esquerda europeia, há muito tempo em crise, especialmente em sua vertente social-democrata que acabou mergulhando na mesma vala comum das políticas de austeridade propostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, perde votos a cada eleição e deixou de ser uma força política capaz de responder e dialogar com os setores mais afetados pela crise, especialmente os mais jovens.

Uma observação feita pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano, em uma entrevista concedida recentemente à televisão da Catalunha, resume bem uma das dimensões mais significativas da crise que atinge a Europa. “Há hoje em quase toda a América Latina um problema visível e preocupante que é o divórcio entre os jovens, as novas gerações, e o sistema político, o sistema de partidos vigente. Eu não reduziria a política à atividade dos partidos, por que ela vai muito mais além, mas isso é preocupante mesmo assim”.
A afirmação de Galeano, referindo- se à realidade latino-americana, pode se aplicar perfeitamente ao que se vê hoje em vários países europeus. O exemplo da Espanha é paradigmático. Milhares de jovens saíram às ruas há duas semanas das eleições municipais e autônomas, que ocorreram dia 22 de maio. O manifesto dos “indignados” espanhóis apontou a classe política e os meios de comunicação eletrônicos como os grandes aliados dos agentes financeiros, os causadores e grandes beneficiários da crise. Além disso, denunciou os dois principais partidos do país, PSOE (centro-esquerda) e PP (direita) como responsáveis pela degradação econômica e social do país. No entanto, o prejuízo causado pela revolta foi maior para o PSOE, atualmente no governo, que viu seu adversário PP avançar em todo o país.

Não é muito difícil de explicar por que isso ocorreu. A maioria dos jovens manifestantes não vota no PP, mas já votou no PSOE em outras ocasiões. No momento em que os socialistas espanhóis passaram a praticar políticas econômicas similares a de seus adversários, perderam confiança e credibilidade. A direita e a extrema-direita agradecem e avançam em vários países, agravando ainda mais o quadro de crise pelo receituário que pregam para seus países.

A América Latina e o Brasil, em especial, deveriam olhar para esse cenário com especial atenção. O ciclo de governos de esquerda e centro- esquerda na região dificilmente deixará de ser atingido por essa onda conservadora. E quando isso acontecer, a advertência de Galeano sobre o divórcio entre as novas gerações e a classe política poderá cobrar seu preço.

 

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