OPINIÃO

Lapidar

Por Fraga / Publicado em 29 de junho de 2011

Fraga

Arte: Rafael Sica

Arte: Rafael Sica

Segundo reza uma lenda criada por mim neste exato parágrafo, as frases lapidares deram origem às lápides, e não o contrário.

No passado remotíssimo, quando todo mundo era ignorante até dizer chega, só havia frases banais para serem lembradas.

A pessoa vivia uma vida e, por mais prolixa que fosse, nada de raro brilho restava pro dito ser lembrado.

Assim, na hora final, o finado era depositado numa cova, num túmulo, ou até em mausoléu, e nenhuma linha bem-escrita sublinhava sua trajetória neste vale de lágrimas. Apenas clichês em baixo relevo, o lugar-comum no mais comum dos lugares.

Os parentes até tentavam os serviços de algum escriba, pra colocar um dístico na última morada do fulano. Mas só havia frase feita. Morrer nos antanhos era cair no esquecimento, tanto que raros são lembrados.

Até que, por força da evolução, a raça humana se humanizou como nunca. Então começaram a nascer pensadores, filósofos, poetas, escritores, cientistas e outros bambas no uso do bestunto.

A partir de sei lá quando, o monólogo e o diálogo melhoraram muito. Não demorou e era Platões e Sênecas, Shakespeares e Cervantes, Galileus e Dantes, Voltaires e Benjamins Franklins por todo o lado, uma nobre galeria de falantes de boa fala. O resultado foi o surgimento das frases lapidares. Eram tantas que enchiam desde papiros e placas de argila até pergaminhos e paredes.

Aí, cada vez que um falador genial desses se ia pro além, tascavam uma das suas memoráveis frases numa lasca de pedra. E lá ficava sua tumba identificada pelo sinal de vida inteligente, algumas linhas lapidares.

Em pouco tempo todos queriam ser lapidados pelo talento alheio e as frases lapidares passaram a ser adotadas no atacado e no varejo dos cemitérios, como citações cunhadas.

Desse modo foi instituída a lápide, um pedaço de rocha no formato institucional conhecido: é onde cabem os dizeres de indiscutível sabedoria e brilhantismo, lições que a humanidade guarda para sempre.

Podia ser esse o final feliz das frases lapidares, só que não foi.

Acabou que a genialidade e a sapiência perderam espaço na cachola humana e foram substituídas nas lápides por palavras nada grandiosas, até vulgares.

Hoje estamos ilhados pelo óbvio, cercados de saudades eternas por todos os lados. Quer dizer: ao contrário do passado, não se vê mais frases lapidares. Nem nas lápides. Sumiram.

Isso é evidente: até neste texto ninguém vai achar sequer uma frase lapidar.

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