EDUCAÇÃO

Mudança que gera dúvidas

Em 2012 escolas públicas e privadas viverão a difícil aventura da primeira turma do quinto ano unidocente do Ensino Fundamental de nove anos
Por Jacira Cabral da Silveira / Publicado em 28 de novembro de 2011

Educação

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

De acordo com indicadores do Sistema Educacenso, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o percentual de matrículas no Ensino Fundamental de nove anos (EF/9a) em relação ao número total de matrículas no Ensino Fundamental regular da rede pública de ensino brasileira, passou de 23,8% em 2004 – ano em que o governo federal começou a discutir a implantação do ciclo de nove anos – para 63,97%, em 2010. Ou seja, quase triplicou o acesso das crianças de seis anos na escola brasileira, inclusão obrigatória a partir da Lei 11.274/2006, que alterou o artigo 32 da LDBEN.

Além de tornar obrigatório o ensino para crianças de seis anos, o EF/9a passou a estruturar-se em cinco anos iniciais unidocentes (um único professor por turma), e quatro anos finais pluridocentes (professores por área), e o termo “ano” foi adotado em substituição à “série”, empregada no Ensino Fundamental de oito anos (EF/8a). Essa informação é importante especialmente para entender o que acontece nas escolas estaduais que mantiveram turmas paralelas correspondentes ao ensino de oito e de nove anos letivos.

De acordo com a secretária adjunta estadual de Educação, Maria Eulalia Nascimento, até o final do ano a secretaria abrirá concurso para 10 mil vagas na Educação Básica com vistas a atender a ampliação do Ensino Fundamental. Desde 2006, os professores das escolas estaduais participam de encontros para a reconstrução do projeto pedagógico que, com a inclusão das crianças de seis anos, antecipou a alfabetização e o letramento: “Precisamos ver essa formação como um processo global e não fragmentado”, ressalta.

Quanto à repetência que caracterizava a quinta série do EF/8a, Maria Eulalia afirma que o objetivo é desenvolver um trabalho já no quarto e quinto anos – ainda unidocentes –, dando continuidade ao trabalho pedagógico inaugurado com o ciclo dos primeiros três anos. Por outro lado, ela atribui tal dificuldade vivida pelos alunos na passagem para a pluridocência pelo fato das crianças entre 9 e 10 anos ainda estarem dentro do pensamento concreto e não abstrato, favorável ao trabalho com mais professores.

Embora professores, especialistas e gestores dos sistemas público e privado de ensino reconheçam a importância social que representa a inclusão da criança de seis anos na escola, muitos também concordam, especialmente os profissionais da rede privada de ensino, que essa implantação tem gerado inquietação tanto para aqueles que trabalham nas escolas quando para os que buscam nessas instituições educação para seus filhos.

Na avaliação da professora do Colégio Aplicação, Roselaine Zardon, que até 2010 prestou assessoria na organização curricular de habilidades e competências para EF/9a a três redes de ensino privado, as escolas particulares tiveram tempo suficiente para se adaptar à lei, mas não deram o devido valor a esse tempo. Segundo ela, se a rede privada tivesse estudado a legislação desde sua promulgação, em 2006, não estaria enfrentando tantos problemas. “A maioria dessas escolas no estado resistiu até o último ano do prazo (2008), como se esse processo pudesse ser revertido”, critica.

Roselaine Zardon: "escolas privadas tiveram tempo"

Foto: Marcelo Amaral

Roselaine Zardon: “escolas privadas tiveram tempo”

Foto: Marcelo Amaral

O QUINTO ANO – Diferente das escolas municipais e estaduais, nas quais a nova legislação impactou no começo dos anos iniciais com o acréscimo de mais um ano no processo de alfabetização, constituindo um ciclo de três anos sem retenção, na escola privada esse impacto ocorreu no quinto ano.

“A quinta série era um abismo que separava o aluno de toda aquela organização unidocente que ele vivia no quarto ano”, comenta a professora. Por essa razão, a escola privada aproveitou a proposta do EF/9ª e montou “um quinto ano diferenciado que serve de ponto de chegada de aluno de quarto ano unidocente e ponto de saída para aluno de sexto ano pluridocente”, explica.

Com base na liberdade de gestão prevista no artigo 23 da LDBEN, que incentiva a criatividade e insiste na flexibilidade da organização da Educação Básica, surgiram diferentes adaptações por parte das escolas privadas na criação do quinto ano, uma diversidade que preocupa e deve ser questionada pelos pais.

“Que professor tem o perfil para enfrentar esse desafio de trabalhar as disciplinas de quinto ano mesmo que os conteúdos não sejam os da quinta série tradicional, mas o nível de complexidade tem que ser maior do que o do quarto ano? As universidades estão formando esse profissional?”, inquieta-se Roselaine. Se as escolas trabalharem esse quinto ano como um processo de interdisciplinaridade, de composição de áreas, aliadas a uma unidocência que organize a vida dos alunos, eles não terão tantos problemas no quinto ano quanto apresentavam na quinta série do EF/8ª, sinaliza.

Outra preocupação que tem rondado as escolas diz respeito à reprovação, que já justificaria um estudo de recuperação paralela pelas escolas. “A escola que não pensou nesta recuperação agora enfrenta problemas porque nas instituições privadas a maior parte das reprovações acontece na quinta série. Ou seja, existem crianças de quinta série no ensino privado que vão reprovar e não terão uma quinta série para serem matriculados”, alerta. A lei, por sua vez, garante que o aluno retorne para o quinto ano. “Mas isso significa retornar dois anos, porque ele estará retornando de uma quinta série do EF/8a, para um quinto anos do EF/9a”, pondera.

No entanto, se a migração ocorrer de uma escola pública para uma escola da rede privada, a situação fica mais complicada. “É a pior migração possível, porque na escola pública esse quinto ano representa a antiga quarta série e na escola privada esse quinto ano é uma série diferente, ela não tem o mesmo caráter do quinto ano”, avalia.

REDE PÚBLICA – Já na rede pública estadual, essa mobilidade não preocupa a presidente do Conselho Estadual de Educação (Ceed/RS), Sonia Maria Nogueira Balzano, pois em caso de mudança de escola entre as redes municipal, estadual e privada, ou de repetência “o aluno será reclassificado com base em sua idade, para a qual há uma expectativa de que ele tenha dominado determinados conteúdos curriculares”, esclarece.

Segundo a presidente, a implantação do EF/9a está acontecendo desde 2005, por meio de pareceres do Conselho Nacional de Educação, mas sem a obrigatoriedade. No RS, os municípios foram os primeiros a implantar o EF/9a, em 2005 e 2006, e a rede estadual aderiu em 2007.

Ainda que comemore a ampliação de dois para três anos do período escolar de alfabetização, a presidente do Ceed/RS reconhece que os professores desses anos iniciais terão que passar por uma atualização porque, segundo ela, não estão acostumados a alfabetizar crianças de seis anos de idade.

Despreparo que não diminui sua expectativa com relação aos resultados futuros: “Vamos ter uma criança, possivelmente, melhor alfabetizada, porque a reprovação nesta fase tinha consequências para essa criança”. Essa avaliação, entretanto, segundo Sonia Balzano, será possível quando houver dados de final de quinta série. “Em 2016 poderemos avaliar qual foi o impacto de as crianças começarem a ser alfabetizadas aos seis anos na rede estadual do estado”, aponta.

Novidades geram expectativas e ansiedade

Lenir dos Santos Moraes, coordenadora pedagógica

Foto: Igor Sperotto

Lenir dos Santos Moraes,
coordenadora pedagógica

Foto: Igor Sperotto

“É igual ao admissão? Como vai ter uma professora só, se antes tinha um professor pra cada matéria?” Essas são algumas das perguntas que Lenir dos Santos Moraes, coordenadora pedagógica do Colégio Mãe de Deus, instituição privada localizada na zona Sul de Porto Alegre, tem respondido aos pais de seus alunos do quarto ano do EF/9a. Isso porque, em 2012, essas crianças estarão cursando o quinto ano, que sempre foi a série da escola básica que passava da unidocência para a pluridocência.

Embora já tenha reunião programada para responder a esse tipo de questionamento, Lenir procura tranquilizar os pais e mesmo os alunos. Há muita ansiedade em relação ao que os espera para o próximo ano. Desde 2006, toda a escola, tanto os pedagogos que dão aula nos anos iniciais quanto os professores por área e os coordenadores, vem trabalhando na elaboração do Plano do EF/9a, pensando as competências e habilidades que as crianças precisam desenvolver dentro de sua faixa etária. Durante esse tempo, professores foram se apresentando como interessados em assumir os futuros quintos anos. “Esses professores estão há pelo menos três anos lendo materiais”, reforça a coordenadora, ressaltando que todos deverão ter o curso de Pedagogia.

A escola implantou o EF/9a em 2008, com a aprovação do plano pela mantenedora. Ela explica que, conforme previa a lei, o trabalho foi no sentido de modificar o plano de estudos, pensando o EF/9a. “Sistematizando aquele estudo que vínhamos fazendo do ensino infantil e já fomos vivendo algumas experiências de como as crianças se organizavam para isso. A primeira decisão foi chamar de “anos” para não misturar com o outro currículo”, explica.

Outra medida foi trabalhar para que os cerca de 120 alunos de quinta série não tivessem que repetir o ano. De acordo com a lei, o aluno que venha a ser reprovado no EF/8a teria que se inserir no EF/9a, “só que uma criança que já está nos anos finais [pluridocente] ter que voltar para os iniciais [unidocente] é uma coisa bem complicada”. Por isso, desde o início deste ano a escola vem realizando um trabalho de apoio, chamando as crianças no turno inverso: “No levantamento que fizemos, teríamos quatro alunos com risco de reprovação”, relata. E, no caso de reprovarem na sexta série, “não há problema, porque ficarão dentro dos anos finais”, explica Lenir.

Quanto ao primeiro ano, não houve grandes modificações, porque, como a maioria das escolas privadas, o Colégio alfabetizava mesmo antes da promulgação da nova lei, até porque a LDBEN já permitia a alfabetização de crianças de seis anos de idade. “Para nós, o que acabou sendo novo foi esse quinto ano”, conclui.

 

 

Comentários