OPINIÃO

O fim do livro didático

Por Marcelo Spalding * / Publicado em 11 de maio de 2012

O livro, objeto milenar que amamos e que enfileiramos nas prateleiras de nossos quartos, salas ou escritórios, por muitos anos foi o portador da cultura letrada e permitiu que histórias, sonhos, medos, leis, tratados e lições atravessassem séculos. Há algum tempo, porém, o livro não é mais o único a transmitir essas histórias, sonhos, medos, lições. Tem dividido bastante de seu protagonismo com o cinema, a televisão e, agora, a internet. Mais do que isso, recentemente o próprio objeto físico tem sido rediscutido, prevendo que ocorrerá com o livro o mesmo que aconteceu com os discos ou os filmes fotográficos: uma transposição do seu formato de átomos para um formato de bits, digital.

É nesse contexto que foram lançados há algum tempo aparelhos como o Kindle e mais recentemente dispositivos como o iPad, com telas já muito melhor adaptadas à leitura do que as de notebooks ou PCs. Dizer que os aparelhos digitais irão substituir por completo a milenar tradição de livros impressos, entretanto, é tão leviano quanto ignorar sua presença ou lutar contra ela.

Livros de referência, como enciclopédias, atlas, dicionários, guias, legislações e manuais fazem muito mais sentido numa plataforma digital do que no papel. Por pelo menos duas razões: a facilidade de consultas precisas e de atualização. Só interessa a um mercado tradicional e um tanto viciado que um estudante compre o mesmo livro a cada ano, preocupado apenas com a mudança de uma ou outra lei que foi alterada naqueles meses, por exemplo.

Na sala de aula, da mesma forma, livros didáticos grossos e caros são cada vez mais anacrônicos (ainda que coloridos e bonitos), e não pela questão pedagógica, tão bem discutida há algum tempo por nossos colegas pedagogos, mas pela questão tecnológica. Fazer os pais comprarem uma caixa de livros didáticos de editoras e autores que se repetem, livros cujo valor ultrapassa o de muitos tablets, é hoje tão justificável quanto a compra da última versão da Barsa pela biblioteca da escola.

Talvez melhor seria se parte desse valor fosse investido em livros de literatura. Livros em papel, sim, pois ainda que haja – e cada vez mais – literatura nas mídias digitais, temos e por muito tempo teremos boa literatura nos livros impressos. E a literatura, quando bem trabalhada, incentiva os jovens a ler, aprimora técnicas de leitura, raciocínio, compreensão, o que no final das contas é fundamental para qualquer disciplina.

Mais importante do que o uso de livros didáticos (ou mesmo de aplicativos didáticos) é o gosto e a capacidade de leitura, pois sem a leitura em breve não teremos mais livros – nem digitais, nem impressos; nem literários, nem didáticos. E dá para imaginar um aluno estudando apenas por aqueles tutoriais em vídeo de qualidade duvidosa? Que se permita o surgimento de novas tecnologias em sala de aula, mas que se preserve o que de melhor a tradição escolar construiu.

*Escritor, jornalista e professor de Língua Portuguesa.
Doutorando em Literatura pela Ufrgs,
onde trabalha com Literatura e Novas Tecnologias

 

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