EDUCAÇÃO

EaD cresce e problemas continuam

Especialistas avaliam as condições da oferta de Educação a Distância no setor público e privado
Por Jacira Cabral da Silveira / Publicado em 7 de agosto de 2012
Mára Lúcia Fernandes Carneiro (EaD/Ufrgs)

Foto: Igor Sperotto

Mára Lúcia Fernandes Carneiro (EaD/UfrgsNos últimos anos proliferou no Brasil a oferta de cursos na modalidade a distância, desde capacitações técnicas e atualizações, a cursos de graduação e pós-graduação, oferecidos por instituições públicas e privadas. Parte da responsabilidade por tal expansão cabe ao desenvolvimento das chamadas TICs (tecnologias de informação e comunicação), que, entre outros usos, aplicam-se a atividades de ensino.

Foto: Igor Sperotto

Segundo estudo realizado pela Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) sobre as tendências atuais dessa modalidade, dos 1.752 cursos EaD oferecidos em 2008 os de especialização formam o maior grupo isolado (37% do total), seguido pelos de graduação (26,5%), ou então por um grupo que pode ser composto pelos cursos de graduação mais os tecnólogos ou de complementação pedagógica, que ainda assim ficam com 34,6%, mantendo a superioridade numérica dos cursos de especialização.

Quanto à área de atuação, os dados apurados no estudo revelam que os cursos voltados para a formação de professores ainda constituem o maior grupo (31,5%), seguidos pelos de gestão e/ou administração (19%) e dos que envolvem tecnologia e informática (6,7%). Existem ainda, com relevância, os cursos relacionados à área de Direito (6%), em sua ampla maioria em nível de especialização.

De acordo com os dirigentes da Abed, a criação de cursos a distância, ou de conteúdo educacional de maneira geral, de acordo com as demandas mais diversas que têm surgido no mercado de educação a distância é uma atividade que já ocupa 76% das empresas que fornecem produtos, serviços e insumos para esse mercado. Quase o mesmo percentual de empresas (70%) acredita que essa área (a produção e “venda” de cursos a distância) será também a que mais crescerá nos próximos anos

ALERTA − “Nas instituições privadas de perfil empresarial, com frequência, a EaD tem mais proximidade com o conceito de mercadoria do que de oferta da educação de qualidade que tanto precisamos. Principalmente os cursos de licenciatura e formação de professores a distância em que o aluno dificilmente reconhece como paradigmao próprio professor, já que o docente é uma figura distante, virtual”, afirma a diretora do Sinpro/RS e conselheira do CEEd/RS, Cecília Farias.

TUTORES − A expansão da EaD, entretanto, ao longo de sua instalação mais recente no cenário brasileiro, vem suscitando uma série de questões que vão desde a qualidade da oferta, o efetivo aprendizado, até a definição dos papéis daqueles que atuam nesse processo, podendo ser no segmento público ou privado. Uma das questões que une ambos os setores é a polêmica figura do tutor. Enquanto nas universidades públicas muitas vezes essa função é desempenhada por alunos de mestrado e doutorado, com baixas remunerações, nas instituições privadas é comum a contratação de professores como tutores, com salários mais baixos, porém exercendo função docente.

Um exemplo é que até o final do ano, o Sinpro/RS realizará a segunda negociação com a Ulbra para renovar acordo firmado em 2008, reconhecendo a figura do tutor em EaD como professor-tutor. Segundo Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS, com esse acordo, foi garantida uma base salarial e o direito a todas as cláusulas da convenção coletiva Sinpro/RS e Sinepe/RS. Também foi realizado um segundo acordo disponibilizando 25% da carga horária dos professores de EaD fora do ambiente da instituição, durante a qual eles prestam atendimento on-line aos alunos. Os professores, entretanto, estão reivindicando maior flexibilização, considerando ainda insuficiente esse tempo para a demanda junto aos alunos.

Atualmente a Ulbra é a instituição privada de Ensino Superior no estado que promove maior número de cursos na modalidade a distância desde quando ingressou nesse mercado, em 2003, como forma de expandir sua atuação, incorporando-se a um segmento com demanda crescente. Mesmo que há dois anos a Universidade Luterana não ofereça novos cursos em função de Termo de Saneamento de Deficiências, ao qual responde desde 2009. A Ulbra mantém 12 cursos de EaD em andamento. Corresponde a cada um desses cursos mil vagas, o que representa 12 mil alunos, desconsiderando as desistências ou novas matrículas. Para dar conta de todo esse universo, cada professor é responsável por 150 alunos, e tem a colaboração de um professor-tutor-presencial e um professor-tutor a distância, sendo que estes podem chegar a ter sob seus cuidados os mil alunos do curso.

Nas Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), a figura do tutor também é um tema controverso e tem repercutido negativamente. Conforme Glauber Lucio Alves, coordenador do curso de música EaD da Universidade Federal de São Carlos até 2011, um dos grandes problemas que seu departamento enfrenta para dar continuidade a esse projeto que começou em 2007 e já está em sua quinta edição, totalizando cerca de 600 alunos, é justamente encontrar profissionais para exercerem a função de tutor.

Hoje, aqueles que exercem essa tarefa junto às Ifes recebem bolsas com valores baixíssimos, em média R$ 700. Algumas soluções nesse sentido estão sendo sinalizadas: “Sempre temos dito junto ao MEC que precisamos profissionalizar [a figura do tutor], não podemos permanecer com esse sistema de bolsas. Devemos incorporar o esforço docente da EaD no trabalho do dia a dia da universidade”, manifesta- se durante Encontro Nacional de Licenciatura em Música ESD, de 22 a 25 de maio, em Porto Alegre. Segundo o professor, essa carência tem levado algumas instituições a recorrerem à contração de pessoas menos qualificadas, pois profissionais mais competentes não se interessam pelo valor da bolsas.

Fiscalização: na teoria a prática é outra

Com a extinção da Secretaria de Educação a Distância do MEC (SEEd), em 2011, o fomento – ou seja, a Universidade Aberta do Brasil (UAB) – passou para a Capes, e a regulação ficou ao encargo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). “Teoricamente eles estão certos, mas na prática não funciona bem, porque não ficou ninguém com a função de pensar a EaD em termos de políticas,” observa Sérgio Roberto Kieling Franco, ex-presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) e atual membro do Conselho Nacional de Educação.

Atualmente, o que norteia a criação dos cursos são os Referenciais de Qualidade para Educação a Distância, elaborados pelo MEC em 2007. Entretanto, Sérgio Franco observa que o Conselho Nacional de Educação ainda não tem nenhuma resolução sobre o tema, tampouco foi constituída a comissãopara estudar o assunto. Segundo o Sinpro/RS, a necessidade de atendimento à demanda da população brasileira ao ensino e o pouco interesse pela carreira de professor tem sido resolvidos, infelizmente, com muito aluno, um professor a distância que, em muitos casos, é somente um monitor/tutor.

FORMAÇÃO − De acordo com o MEC, a Região Sul do Brasil oferece 85 cursos na modalidade a distância, sendo que destes, 24% corresponde a licenciaturas e Pedagogia. Uma das universidades campeãs em oferta EaD é a Universidade Norte do Paraná (Unopar). No total, são 12 cursos oferecidos, entre eles, os de Letras, História e Pedagogia são os diretamente ligados à formação de professores. Todos os cursos na modalidade a distância da Unopar, entretanto, ainda estão em fase de reconhecimento conforme o e-MEC.

Esse reconhecimento é realizado quando a primeira turma do novo curso completa entre 50% a 75% de sua carga horária, devendo a instituição solicitar seu reconhecimento ao MEC. É feita então uma segunda avaliação para verificar se foi cumprido ou não o projeto apresentado para autorização. E até que o curso seja reconhecido, todos os diplomas emitidos não terão a validação do MEC. O curso de Pedagogia, por exemplo, autorizado a abrir 22.250 vagas, atendidas em 469 polos em todo o país, sendo que 35 desses polos em municípios gaúchos, enquanto não tiver seu credenciamento autorizado, não poderá emitir diplomas com reconhecimento oficial. Quanto à pontuação no Enade, a Pedagogia EaD da Unopar tem conceito 3, que corresponde à classificação: razoável.

CREDENCIAMENTO − Cabe ao Conselho Estadual de Educação (CEEd) fiscalizar a oferta de cursos na modalidade EaD na Educação Básica através do credenciamento e autorização, onde são estabelecidas as normas para o funcionamento dos cursos conforme Resolução 320/2012. Dentro de três e cinco anos, as instituições devem encaminhar junto ao CEEd o recredenciamento de seus cursos enviando relatórios dentro das normativas da mesma resolução. Segundo o conselheiro Antônio Saldanha, desde 2009, com a promulgação da Resolução 300, não podem ser criados cursos normal e cursos técnicos no eixo Ambiente e Saúde, como os de técnico em Enfermagem e técnico em Radiologia: “Eles requerem atividades práticas”, alega.
No ano passado, o Conselho fechou cursos na área da Saúde promovidos pelo Instituto Educacional Dimensão depois de receber denúncia de “oferta sem as condições necessárias de funcionamento”, relata o conselheiro. Atualmente, só existem cursos nessa área no Rio Grande do Sul, oferecidos pelo Sistema Educacional Galileu. Entretanto, ressalva Saldanha, eles só terão continuidade se forem recredenciados, pois a resolução prevê a continuidade dos cursos já existentes mediante tal avaliação.

FINANCIAMENTO
 − Para a vice-coordenadora do Núcleo de Apoio Pedagógico de Educação a Distância da Ufrgs Mára Lúcia Fernandes Carneiro, que atua na área desde 1998, as políticas públicas no Brasil ainda são insuficientes para atender a demanda crescente em todo o país. A origem de tais políticas começou quando o governo federal lançou o programa Pró-licenciatura, em 2002/2003, com os cursos de Pedagogia porque a LDB exigia a formação de professores com nível superior e não tinha como atingir essa meta com cursos presenciais. Ao analisar os cursos atualmente oferecidos no mercado, ela aponta diferenças entre o segmento público e o privado. Uma delas diz respeito ao financiamento. Segundo Mára, a experiência em EaD das instituições públicas difere-se das privadas especialmente porque elas têm apoio financeiro do MEC, através da Universidade Aberta do Brasil ou por meio dos programas de formação continuada do Ministério da Saúde, permitindo que os alunos façam cursos de forma gratuita. “Isso permite que as Instituições Federais de Ensino (Ifes) tenham uma infraestrutura diferenciada”, ressalta.

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