CULTURA

Os direitos que persistem

A CLT completa 70 anos em agosto e seu cumprimento sempre sofreu resistência das classes patronais
Por Jacira Cabral da Silveira / Publicado em 21 de julho de 2013

Em agosto deste ano, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) completa 70 anos. Desde que foi instituída no governo de Getúlio Vargas, em 1943, ela vem suscitando grande debate e polêmica. Em sua origem, muitos a identificavam como um tipo de doutrina política corporativista sob influência fascista. Entretanto, independente das críticas, a CLT resiste.

Na avaliação do historiador e diretor do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Nova Iguaçu, Alexandre Fortes, é bastante surpreendente que a CLT tenha sobrevivido por tanto tempo, considerando o panorama mundial no qual, depois que acabou a Segunda Guerra Mundial, voltou a predominar a visão liberal de livre mercado nas relações de trabalho. Para Maria Cristina Carrion Vidal de Oliveira, secretária-geral adjunta da OAB/RS, não há como comparar o exercício jurídico entre países, pois cada nação tem uma visão de mundo própria. Na avaliação da dirigente, a longevidade da CLT se explica pela permanente mobilização dos trabalhadores para quem: “Apesar da sua idade, a CLT é essencial como garantidor de direitos básicos. Nesses 70 anos, a classe patronal tem lutado arduamente para a sua extinção, e até agora não conseguiu”.

Entretanto, na prática, Fortes afirma que os estudos têm revelado a difícil efetivação da CLT: “A resistência patronal em cumprir a lei sempre foi muito grande”, explica o historiador. Segundo ele, isso ocorria porque para os empresários o espaço da empresa é um domínio de poder absoluto e exclusivo do empresário. Atualizando o tema, Maria Cristina afirma que a crítica dos empresários está no fato de que, para eles, a CLT engessa as relações entre patrões e empregados: “Não, a CLT não engessa, ela evita que se precarize os direitos dos trabalhadores”, reforça.

MUDANÇAS – Ao longo dessas sete décadas de vigência da legislação trabalhista brasileira, muitas mudanças têm ocorrido no mundo do trabalho. Entre elas, Fortes cita como exemplo o exercício docente. Atualmente, o trabalho do professor não se limita ao espaço e tempo escolar, mas também a atividades em locais e horários variáveis: “A dinâmica do trabalho já não se contém mais numa lógica tradicional de uma função que ocorria de tal a tal hora, num local específico de trabalho. Hoje em dia, boa parte da atividade produtiva passa por meios eletrônicos virtuais. E a CLT não dá conta desse conceito de trabalho que vai passando por transformações importantes”, observa.

Maria Cristina também aponta mudanças, mas do ponto de vista do engajamento profissional em prol dos direitos das categorias. “Até o final da década de 1980, cada um de nós tinha um lado. Mas hoje as coisas estão muito mescladas. Antigamente, ou tu era da esquerda ou da direita, não havia muito centro. Hoje em dia tem o centro-esquerda, o centro-direita, então as coisas ficaram mais nebulosas”. Esse tipo de consciência, na avaliação da dirigente, prejudica os movimentos sindicais. Para ela, parte da responsabilidade desse panorama está na atuação de alguns setores da mídia que caracterizam de baderneiros determinadas manifestações de trabalhadores.

Neste sentido, Alexandre não percebe hoje no país nenhum movimento forte o suficiente para produzir mudanças mais estruturais com relação à CLT. O que ele identifica é um certo impasse no movimento sindical brasileiro, se por um lado não há mais a mesma força que já teve há algumas décadas, esse movimento continua sendo um ator muito importante da vida social e política brasileira, ao contrário do que ocorreu em muitos países. “Hoje, em boa parte dos países do mundo, o movimento sindical foi praticamente varrido do mapa”, comenta.

O historiador percebe também a dificuldade de tentar gerar algum tipo de consenso entre capital e trabalho sobre novas formas de regulação que possam combinar a defesa dos direitos do trabalhador com algum grau de flexibilidade e modernização um pouco maior. “Houve uma tentativa no início do governo Lula, que passava pela discussão de fazer uma reforma trabalhista a partir de um processo de negociação democrática, envolvendo todas as representações de trabalhadores e empresários, mas não conseguiu se chegar a um mínimo de pontos de consenso que pudessem dar uma base de um novo sistema de relações de trabalho. Então acaba sendo, de fato, o que está na pauta hoje, que é a defesa da CLT, a expansão de alguns direitos para a inclusão de novas categorias, como está acontecendo com as domésticas, talvez uma ou outra modernização mais pontual,” conclui.

DOMÉSTICAS – Francisco considera que o Brasil vive um momento interessante com a extensão de uma série de direitos trabalhistas às empregadas domésticas, porque, assim como os funcionários públicos, rurais e de autarquias paraestatais, os empregados domésticos haviam ficado de fora da CLT quando de sua criação. Em maio deste ano, a Casa Civil do governo federal colocou três possibilidades de cumprimento da jornada de trabalho: uma que envolve banco de horas, outra é jornada de turnos (12 e 36) e a terceira é o pagamento de horas extras, baseado na jornada de 44h. “A diferença disso com relação ao tipo de legislação que acontecia no período do Estado Novo, por exemplo, é que hoje é uma democracia onde há debate público e tem o Congresso funcionando, as centrais sindicais, os sindicatos atuando”.

Conforme Maria Cristina, toda a legislação tem que ser revista, assim como está acontecendo com a CLT no que diz respeito à empregada doméstica. Reafirmando que a legislação de um país reflete o pensamento de seu povo, a advogada comenta que no Brasil a empregada doméstica sempre foi uma questão problemática devido à visão da sociedade de que o empregado doméstico era uma “coisa meio amorfa (meio família, meio trabalhador)”. Mas: “Essa legislação atual vem reconhecer efetivamente o trabalhador doméstico como trabalhador e não como agregado da família”, comemora.

Foto: arquivo

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Desfile de trabalhadores no Estádio de São Januário (RJ) em 1943 saúdam Getúlio Vargas e a nova legislação

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Assistência trabalhista grátis na Ufrgs e UniRitter

Jéssica Becker Moraes formou-se em Direito no ano passado, fez e passou no exame da OAB e desde o início do ano é voluntária no grupo de atendimento em direito trabalhista no Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Ufrgs (Saju), onde já atuava durante toda a sua graduação. Com base em sua experiência no Saju, ela avalia que a procura da população tem aumentado por esse tipo de serviço “porque as pessoas estão mais cientes de seus direitos”.

Por outro lado, ela justifica parte de tal demanda – o Saju consegue atender apenas 1/3 da procura – à falta de Defensoria Pública nessa área do Direito, acarretando acúmulo de procura junto aos sindicatos e aos serviços gratuitos de assistência jurídica, como o das universidades. Mas, apesar de não haver Defensoria Pública, Jéssica afirma que os juízes aconselham que em casos trabalhistas deve haver a presença de advogado por ambas as partes: “Alegam ser difícil para o leigo entender as leis nessa área”.

Ao comentar os 70 anos da CLT, Jéssica afirma que: “Não basta legislação protetiva se a Justiça for lenta”, diz, com base em um dos casos que vem acompanhando no Saju. Lisandra (nome fictício), 25 anos de idade, contrariando a legislação trabalhista, foi demitida com quatro meses de gravidez. O bebê já está com três meses e ainda o caso não foi resolvido: “A Justiça é lenta em atender casos urgentes”, critica.

Já Rafael Dias Gastou, um dos advogados do Serviço de Assistência Jurídica Gratuita da UniRitter (Sajuir), destinado à toda a população de baixa renda. De acordo com ele, devido ao perfil do público que procura o Sajuir em questões trabalhistas – empregadas domésticas, operários de obra –, as demandas concentram-se na questão de reconhecimento de vínculo empregatício. “Hoje em dia existem muitas formas de contratação, mas nem sempre fica clara a relação de prestação de serviço”, neste sentido, ele ressalta a importância da CLT porque “ela estabelece as regras gerais para o enquadramento dos casos”.

Foto: Igor Sperotto

Igor Sperotto

Assessoria jurídica realizada na Ufrgs

Igor Sperotto

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