POLÍTICA

Por que eles não querem?

A reforma política, seja ela qual for, esbarra nos interesses pessoais e cartoriais dos membros do Congresso que trabalham para inviabilizá-la ao mesmo tempo em que apresentam novas propostas
Por Flávia Bemfica / Publicado em 16 de agosto de 2013

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Wilson Dias/Abr

Wilson Dias/Abr

Financiamento de campanha, listas de candidatos, divisão do país em distritos, modelo alemão, modelo inglês, fim da reeleição, mandatos de seis anos, fim das coligações. Apresentada pela presidente Dilma Rousseff (PT) como forma de responder ao clamor das ruas, a proposta de uma ampla reforma política se tornou, de novo, uma discussão sem fim.

A população, que chegou a ser avisada de que deveria participar de um plebiscito para optar sobre como reformaria as regras para as disputas eleitorais no país, mesmo que muitas vezes desconheça inclusive as atuais, assiste a brigas entre políticos e partidos (cada um prefere um modelo), enquanto propostas como a da extinção de recibos para as doações de campanha prosperam no Congresso.

Os pontos centrais da reforma, financiamento de campanhas e sistema eleitoral, dividem os especialistas e os políticos, por motivos diferentes. Entre especialistas, existe uma máxima: todos os sistemas possuem pontos positivos e deficiências. A questão é como e por quem são operados.

Entre os poderes constituídos, o Executivo, após dois equívocos consecutivos (primeiro, a ideia de uma constituinte exclusiva, depois, um plebiscito a toque de caixa, de forma a que as mudanças valessem para as eleições de 2014) publicamente se afastou dos debates. Representantes do Judiciário se revezam a discorrer sobre as qualidades dos sistemas adotados em países da Europa. E ao Congresso, − que discute a reforma há 15 anos e tem um projeto pronto para votação em plenário, agitado pelo anúncio da presidente, criou um novo grupo de trabalho para discutir o tema − , não interessa votar a reforma. Por uma série de motivos.

“A reação do Congresso era previsível. Fazemos pequenas reformas, mas uma reforma mais estrutural causa muitas incertezas entre os políticos”, assegura o professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, Paulo Peres. “Uma reforma profunda esbarra em muitos problemas. O primeiro deles é que a concepção que se tem dela é muito eleitoral. No Brasil, temos uma taxa de reeleição que bate, no máximo, na casa dos 60%, o que não é um índice muito alto na comparação com outros países. O deputado sabe como chegou no parlamento pelo atual sistema, mas não sabe como fica se mudar. Então, não quer mudar”, resume o cientista político Antônio Octávio Cintra.

Cintra aponta a relação entre as duas grandes questões da reforma, o financiamento de campanhas e o sistema eleitoral, e os motivos que levam os partidos a terem opiniões diferentes sobre eles. A combinação de financiamento público com voto em lista fechada, por exemplo, apesar de não extinguir o Caixa 2 das campanhas, ajuda a barrá-lo, porque quem recebe os valores é o partido ou coligação. Ou seja, a montagem de um esquema de recebimento irregular de dinheiro vai precisar passar por uma estrutura bem maior e envolver muito mais pessoas do que quando é tratada dentro da estrutura de campanha de um só candidato.

Esta forma de organização também fortalece os partidos políticos, principalmente os maiores e já consolidados. Então, políticos que recebem grandes somas de empresas, mas não as contabilizam, não têm interesse em mudar a regra atual. As chamadas siglas de aluguel também não. “Mas o financiamento público combinado com lista flexível já levanta uma grande interrogação, porque aumenta muito as chances do Caixa 2, mais ou menos nos padrões atuais”, ressalva Cintra.

O voto em lista fechada, propagandeado por seus defensores como solução para o comprometimento dos políticos com programas partidários, gera longos debates entre os que pretendem disputar uma vaga pela primeira vez ou entre aqueles que conquistaram um mandato parlamentar contando votos com di culdade. Porque as listas, ao estabelecerem uma ordem prévia, tendem a facilitar a eleição dos mais conhecidos e já mais fortes e a dificultar a eleição daqueles que se elegeram com sacrifício, ficaram como suplentes ou são novos na disputa.

Reforma ampla versus reforma eleitoral

Mudança está na pauta dos movimentos sociais

Igor Sperotto

Mudança está na pauta dos movimentos sociais

Igor Sperotto

Quando a presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou a realização de um plebiscito para tratar da reforma política, a discussão que se estabeleceu foi se a reforma era ou não uma das reivindicações dos protestos que tomaram as ruas no mês de junho. As manifestações ainda tiveram algum fôlego e, nas ruas, o tema não ganhou mais atenção do que recebia antes. Mas, provocada, a sociedade parece ter interesse em discutir uma reforma mais ampla. Enquanto os partidos debatem uma mudança voltada exclusivamente para a questão eleitoral, que decida como farão os políticos para garantir sua próxima vitória, a população demonstra interesse em outras questões.

No mês de julho, o governo gaúcho divulgou o resultado de uma consulta feita na internet com a votação de quase 200 mil pessoas a respeito de quais julgavam ser as prioridades em uma reforma política. O fim do voto secreto nos parlamentos, o fim do foro privilegiado e da imunidade parlamentar, a redução no número de parlamentares, o aumento da transparência sobre gastos públicos e a criação de mecanismos de transparência sobre os partidos, o afastamento do cargo de pessoas investigadas por corrupção ou improbidade e a maior participação popular em todos os níveis foram os campeões da consulta, todos com índices acima de 70%.

“Para combater a corrupção, mudanças em pontos que não estão previstos na discussão dos partidos, como a forma como o poder público realiza suas licitações, o gerenciamento dos recursos públicos e o controle sobre a distribuição dos chamados cargos em comissão, por exemplo, se constituiriam em mudanças bem mais eficientes”, destaca o professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, Paulo Peres.

A questão do aumento da participação popular é outro ponto nevrálgico nos embates que opõe sociedade e políticos. Ela apareceu com força nos movimentos de rua, a ponto de Executivo e parte do Congresso trabalharem, à época, com a possibilidade de incluir na reforma a proposta de permissão de candidaturas avulsas. Aquelas de candidatos não vinculados a partidos.

“A candidatura avulsa aumenta a participação na política e isso não enfraquece os partidos. São pessoas que representam movimentos da sociedade e isso não tem nada de extraordinário”, considera o especialista em Direito Eleitoral, Antônio Augusto Mayer dos Santos.

O professor Peres faz apenas uma ressalva. “Temos hoje um endeusamento da participação popular. Só não podemos ter a ilusão de que daí só venham coisas boas”.

REFORMA POLÍTICA: OS PRINCIPAIS PONTOS EM DEBATE

SISTEMA ELEITORAL

A regra atual – proporcional com lista aberta
Atualmente vigora no país a combinação entre o sistema majoritário e o sistema proporcional com lista aberta. Para as eleições à presidência da República, Senado, governos estaduais e prefeituras é adotado o sistema majoritário em um ou dois turnos. Nele, os vencedores das eleições são os candidatos que obtêm o maior número de votos. Para as eleições à Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras de vereadores vale o sistema proporcional com lista aberta, no qual é considerada a proporcionalidade. Neste caso, o número de vagas a que um partido ou coligação tem direito é calculado a partir do quanto (em termos percentuais) do total de votos válidos ele obtém. É o chamado coeficiente eleitoral. As vagas no Legislativo são ocupadas pelos mais votados dentro de cada partido ou coligação e divididas conforme o cálculo do coeficiente eleitoral e a distribuição das sobras (que leva em conta um segundo cálculo, o do coeficiente partidário). A principal crítica feita a este sistema é de que ele abriga uma grande distorção, já que, pela regra, um candidato de determinado partido ou coligação pode fazer um número muito menor de votos do que um concorrente de outra sigla e ficar com a vaga. O RS teve um caso emblemático nas eleições de 2010, quando a então deputada federal Luciana Genro (PSol), não conseguiu se reeleger, apesar de ter sido a nona candidata mais votada à Câmara, com 129.501 votos.

AS PROPOSTAS EM DISCUSSÃO

Lista fechada
A que ganhou mais visibilidade nos últimos anos foi a do sistema proporcional com lista fechada para as eleições de deputados e vereadores. Na lista fechada, ao invés de votar diretamente em candidatos, os eleitores votam em partidos, que apresentam listas preordenadas de candidatos. Os que se elegem são os primeiros da lista, até o limite de vagas a que cada partido tem direito. É o sistema defendido no projeto Eleições Limpas (eleiçõeslimpas.org.br), proposta de reforma política por iniciativa popular que precisa reunir pelo menos 1,6 milhão de assinaturas (1% do eleitorado) para virar lei e é defendido pela OAB. Pelo projeto, eleições para deputados e vereadores ocorrem em dois turnos. No primeiro, os eleitores votam nas siglas, que possuem listas preordenadas com um número de candidatos até duas vezes o número de cadeiras em disputa. O coeficiente partidário é determinado pela divisão do número de votos válidos pelo número de vagas em disputa, sendo que o partido ou coligação obtém uma vaga a cada vez que alcançar o coeficiente partidário. No segundo turno, o partido ou coligação apresenta candidatos em número correspondente ao dobro das vagas obtidas, pela ordem da lista. Se o número de candidatos da lista for menor, as vagas remanescentes serão recalculadas e redistribuídas junto com as sobras. Os eleitos serão os candidatos mais votados no segundo turno, de forma a completar a totalidade das vagas destinadas a cada partido ou coligação.

Proporcional misto ou lista fl exível
Na Câmara, quando elaborou o relatório na Comissão Especial da Reforma Política, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) propôs uma combinação entre lista fechada e lista aberta para as eleições legislativas, chamada de sistema proporcional misto, e que lembra o voto distrital misto. Pela proposta, os eleitores têm dois votos: um na legenda e outro no candidato de sua preferência. A ocupação das cadeiras por cada partido se dá mediante a combinação entre os mais votados individualmente e os primeiros da lista partidária, na proporção de um por um. Os votos nominais e os de cada lista são somados e o coeficiente eleitoral é substituído pela regra dos divisores. Ela consiste em criar uma tábua de números na qual os votos dos partidos vão sendo divididos por um, por dois, por três, por quatro, por cinco. Assim, a primeira vaga fica com o partido mais votado. A segunda, com o partido que tiver o maior número de votos dividido por dois. A terceira com o que tiver o maior número dividido por três, de maneira sucessiva. O mecanismo permite que mesmo partidos pequenos, que hoje não atingem o coeficiente eleitoral, obtenham uma vaga.

Distrital misto
É uma combinação entre o voto proporcional e o majoritário. Os eleitores têm dois votos: um nos candidatos do distrito (escolhidos pelo partido) e outra na legenda. Os votos dados à legenda são computados em todo o estado ou município conforme o coeficiente eleitoral e, no caso dos candidatos, vencem os mais votados. É o sistema defendido pelo PSDB.

Distrital puro
Prevê a divisão do Brasil em distritos e a eleição de um deputado federal em cada distrito por maioria simples (50% dos votos mais um).

O mesmo aconteceria com estados e municípios. Pode haver ou não segundo turno, dependendo do tipo de sistema vigente. O voto distrital é adotado nos Estados Unidos, Reino Unido, e França, com diferentes características. No Reino Unido é forte a pressão por mudanças. Poucos sabem, mas o Brasil já adotou o voto distrital durante o Império e na República Velha (entre 1889 e a Revolução de 1930).

Distritão
Estabelece a transformação dos estados e municípios em um só distrito e a eleição de todos os representantes (deputados federais, estaduais e vereadores) pelo voto majoritário, ou seja, todos eleitos exclusivamente pela sua quantidade de votos, sem o coeficiente eleitoral. Tido como um projeto que incentiva o personalismo, é defendido por pesos pesados do PP, como o senador Francisco Dornelles, e do PMDB, como o vice-presidente, Michel Temer, o senador José Sarney, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e o líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha.

Distritão misto
As primeiras vagas seriam destinadas aos mais votados, independente do coeficiente eleitoral ou de voto de legenda, e as demais seriam preenchidas por listas apresentadas previamente pelos partidos, na proporção aproximada de 60% para os primeiros e 40% aos segundos.

FINANCIAMENTO DE CAMPANHA

A regra atual − fi nanciamento misto
O financiamento eleitoral e partidário misto inclui recursos públicos e privados. Os recursos públicos são oriundos do fundo partidário, um bolo de aproximadamente R$ 300 milhões/ano, com repasses mensais. No mês de junho, conforme os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram R$ 24,5 milhões, dos quais o PT ficou com R$ 3,9 milhões, o PMDB com R$ 2,9 milhões e o PSDB com R$ 2,7 milhões. O financiamento público ocorre ainda indiretamente, via compensação fiscal às emissoras de rádio e televisão em função da cedência de espaços para o horário eleitoral. O financiamento privado se dá por meio de doações de pessoas físicas ou jurídicas, e conforme as regras previstas na legislação eleitoral.

AS PROPOSTAS EM DISCUSSÃO

Financiamento público exclusivo
É o que consta na proposta do deputado Henrique Fontana (PT-RS). Ela prevê a criação de um fundo nacional gerido pelo TSE, e empresas que desejem fazer doações devem fazê-las para o fundo. O cálculo da eleição fica a cargo do Tribunal de Contas da União (TCU). Os críticos do financiamento público exclusivo argumentam que ele não barra o principal problema do modelo atual: o Caixa 2. Quem o defende admite que não barra, mas destaca que o coíbe.

Financiamento misto sem doações de empresas
O projeto Eleições Limpas prevê que as campanhas sejam financiadas por doações realizadas por pessoas físicas e pelo Fundo Democrático de Campanhas, gerido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e constituído de recursos do Orçamento Geral da União, multas administrativas e penalidades eleitorais. A lei orçamentária correspondente ao ano eleitoral conterá, em rubricas próprias, dotações destinadas ao financiamento das campanhas eleitorais de primeiro e segundo turnos, em valores a serem propostos pelo TSE.

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