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De Lafargue às 40 horas semanais

O debate sobre o direito ao descanso dos trabalhadores entra em cena com o surgimento da Revolução Industrial
Por Marcia Camarano / Publicado em 28 de outubro de 2013

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No século 19, ironia e provocação marcaram o texto que provocou os primeiros debates sobre o assunto e que serve de base e inspiração até os dias de hoje, O direito à preguiça, de autoria de Paul Lafargue, que viveu de 1842 a 1911. Nascido em Santiago de Cuba, era filho de uma cubana com um judeu francês. Lafargue foi um líder do movimento operário, co-fundador do Partido Socialista francês, que fez Medicina naquele país, onde passou a maior parte de sua vida. Também ficou conhecido como jornalista e escritor. Em 1868, casou-se com Laura, a segunda filha do filósofo/ economista alemão Karl Marx. Paul e Laura viveram juntos até a morte, pactuada pelo suicídio de ambos, quando ele estava com 69 e ela com 66 anos, idades bastante avançadas para os padrões da época. Lafargue é, ainda hoje, referência obrigatória sobre o tema, de Domenico De Masi à Marilena Chaui.

O texto/panfleto/manifesto foi publicado pela primeira vez em 1880, no jornal socialista L’Ègalité. É famoso pela polêmica que causa até hoje, sendo objeto de várias reedições e diversas teses acadêmicas em todo o mundo. Na época em que foi escrito, os operários franceses tinham que trabalhar 10, 12, 14 e até 17 horas por dia e isto era comum para homens, mulheres e crianças. Pois há mais de 130 anos, Lafargue defendeu que a jornada de trabalho poderia ser substancialmente reduzida a apenas 3 horas.

No Brasil, O direito à preguiça vem sendo publicado nas últimas décadas. A primeira tradução brasileira ocorreu em 1980, exatos cem anos após sua publicação na França. A mais famosa delas possui introdução da filósofa Marilena Chaui. Na língua portuguesa, há uma introdução também bastante conhecida feita pelo sociólogo italiano Domenico De Masi. Eis um trecho do texto de Lafargue:

Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a fortuna social e as vossas misérias individuais; trabalhem, trabalhem para que tornando-vos mais pobres tenham mais razão para trabalhar e para serem miseráveis. Eis a lei inexorável da produção capitalista.

Lafargue não aceitava que se desse adeus à alegria, à saúde, à liberdade, “adeus a tudo o que faz a vida bela e digna de ser vivida”. E proclamava o direito à preguiça, “milhares de vezes mais nobres e saradas do que os tísicos direitos do homem digeridos pelos advogados metafísicos da revolução burguesa; que ele se obrigue a trabalhar apenas três horas por dia, a mandriar e a andar no regabofe o resto do dia e da noite”.

Mas ele sabia que não seria fácil dobrar o interesse do capital e o dogma religioso, casados no interesse de fazer o ser humano trabalhar até a exaustão. “Convencer o trabalhador que a palavra que lhe inocularam é perversa, que o trabalho desenfreado a que se dedica desde o início do Século XIX é o mais terrível flagelo que já alguma vez atacou a humanidade, que o trabalho só se tornará um condimento de prazer, da preguiça, um exercício benéfico para o organismo humano, uma paixão útil ao organismo social, quando for prudentemente regulamentado e limitado a um máximo de três horas por dia, é uma tarefa árdua”.

40 HORAS – A reflexão de Paul Lafargue é referente a uma época determinada, os operários de chão de fábrica dos anos 70, 80 do século 19. E esta preocupação com a extensa jornada de trabalho é ainda hoje um dos objetos de trabalho de sindicalistas do século 20 até então. Se o desejo de Lafargue é ainda uma utopia distante, ao comemorar seus 30 anos, em 2013, completados em 28 de agosto passado, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) lançou a campanha 40 horas já!, pela redução da jornada semanal de trabalho sem redução de salários. Entendem os cutistas que este é um importante instrumento para a criação de empregos, para distribuição de renda e de melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.

Em 2005, no texto Saúde do trabalhador: novas- -velhas questões – elaborado para a 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador – pelo professor da Escola Paulista de Medicina Francisco Antônio Lacaz e pelo pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Carlos Minayo Gómez é apontado que, com o aprofundamento da reestruturação produtiva, a perda de vínculos formais de trabalho, a precarização e o trabalho em domicílio, novos elementos devem ser estudados para se entender as relações de trabalho e os adoecimentos produzidos por elas. Esta questão também é levantada pelo economista e professor Marcio Pochmann: “o sindicato não representa o trabalhador quando está fora da fábrica ou do canteiro de obra”.

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