EDUCAÇÃO

Palavra escrita, palavra falada

Distância entre literatura e oralidade dificulta desenvolvimento da leitura por jovens e adultos em fase de alfabetização e letramento, que não contam com livros adequados
Por Jacira Cabral da Silveira / Publicado em 13 de novembro de 2013
Márcia e a turma de EJA da escola Monte Cristo: faltam livros para recém-alfabetizados

Foto: Rafaela Possamai

Márcia e a turma de EJA da escola Monte Cristo: faltam livros para recém-alfabetizados

Foto: Rafaela Possamai

No dia 29 de outubro fez um ano que seu Gervalino, porteiro num prédio residencial, frequenta a turma de alfabetização da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Municipal Monte Cristo, na zona sul de Porto Alegre. A professora diz que ele é o terceiro da turma, o que o deixa muito satisfeito. Mesmo assim, comenta que ainda não se ‘destaca’ na leitura. Às terças-feiras, dia de escolher um novo livro na biblioteca da escola, ele procura aqueles com letras maiores, palavras pequenas e com desenhos: “Tudo isso ajuda o cara que sabe pouco, não é?”.

Márcia Dias Loguércio, professora de Gervalino, trabalha com EJA no município desde 1996, mas sua experiência com alfabetização de adultos começou ainda na graduação em Pedagogia na Ufrgs, quando colaborou com uma atividade de letramento na extensão. Atualmente, sua turma reúne alunos de alfabetização e pós-alfabetização, com idades entre 25 e 75 anos – empregadas domésticas, operários na construção civil, catadores de latinhas, aposentados.

Assim como Gervalino, 50% da turma precisam usar óculos para perto, mas como “não tem política pública para atender a saúde do aluno de EJA”, critica a professora, a solução é reproduzir com letras bem grandes os textos a serem usados em sala de aula. Por isso, Márcia prefere trabalhar com contos, lendas e poesias com seus alunos, e também pelo fato de serem textos menos extensos.

Recentemente, as turmas da escola realizaram atividades com os livros de Rogério Andrade Barbosa, que trabalha com lendas e contos africanos para um público infanto-juvenil. Segundo Márcia, são livros mais equilibrados em termos de extensão de texto e uso de imagens: “É uma literatura que se adequa bem a esse tipo de leitor”, observa: “Talvez se os livros para adultos tivessem mais imagens atrairiam esses leitores principiantes”, avalia.

Pensando na oportunidade de seus alunos visitarem a Feira do Livro de Porto Alegre, a professora relaciona algumas características que seriam apropriadas nas obras. “Seria maravilhoso trabalhar com eles quadrinhos para adultos, que não existem no mercado”, pondera.

Quanto às temáticas, a alfabetizadora diz que os autores poderiam abordar questões mais adultas como a relação de pais e filhos, o mundo do trabalho e os diferentes tipos de preconceito: “Eles enxergam o preconceito de classe muito mais forte que o racial. Eles não têm noção de que um negro bem vestido também sofre preconceito”, ilustra.

Há mais de 20 anos existe EJA nas escolas municipais de Porto Alegre, mas como isso não é divulgado, sobram vagas, lamenta a professora: “O município gasta dinheiro para divulgar os convênios que faz com as escolas privadas, paga bolsas, mas não torna público que tem vagas para Educação de Jovens e Adultos em mais de 30 escolas da rede municipal”, aponta, lembrando que os alunos podem ingressar nessa modalidade de ensino em qualquer época do ano.

Gervalino prefere livros com letras grandes e desenhos

Foto: Rafaela Possamai

Gervalino prefere livros com letras grandes e desenhos

Foto: Rafaela Possamai

Oralidade
Juçara Benvenutti, coordenadora da EJA do Colégio de Aplicação e professora de Português e Literatura, considera que seria interessante haver uma literatura pensada para o adulto em processo de letramento. Por outro lado, reconhece que não há autores que pensem em escrever para esse público. Isso porque, conforme a professora, tanto autores quanto as editoras buscam nichos literários mais consagrados no mercado: “Os escritores escolhem uma determinada linha, que pode ser o público infantil, o adolescente, ou o adulto, mas que sejam todos leitores ou se encaminhando para isso. Esses consumirão tudo o que for produzido”.

Já a trajetória de leitura de um aluno de EJA, na avaliação da especialista, passa pela necessidade de fazer todo um caminho de resgate de valores e de saberes, para se autoconhecer e se reconhecer como detentor de algum saber. “Por ele não se ver como um leitor”, observa, “não tem quem escreva para ele”, argumenta. E para escrever especialmente para esse aluno seria necessário trabalhar com uma linguagem acessível, textos mais curtos, com temáticas que exigissem mais reflexões, mas expressas em orações mais acessíveis.

Com base em seus estudos, Juçara constata que, para os alunos de EJA, o caminho para os clássicos de literatura são os textos que se aproximam da oralidade. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Além de provérbios como esse, ela usa outros textos com características próximas à fala, lendas e contos, assim como faz a professora Márcia, da Escola Monte Cristo. “Como são textos que se aproximam da forma como eles falam, contendo elementos familiares a eles, mostram-se mais eficientes para aproximar o aluno da EJA da literatura,” enfatiza a linguista.

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