EDUCAÇÃO

Escolas deverão alfabetizar em braile

Projeto de Lei 444/11 que assegura a alfabetização em braile nas instituições públicas e privadas já provoca controvérsias antes mesmo de ser votado na Câmara Federal
Por Jacira Cabral da Silveira / Publicado em 1 de março de 2014

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Aprovado no final de 2013 pelas comissões de Educação e de Constituição, Justiça e Cidadania, o Projeto de Lei 444/2011, de autoria do deputado Walter Tosta (PMN-MG), busca sanar ‘uma urgente necessidade’ do sistema de ensino brasileiro, conforme o teor do documento. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, de 1% a 1,5% da população é portadora de deficiência visual. Segundo dados do Censo 2010, realizado pelo IBGE, existem mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual no país, sendo 582 mil cegas e 6 milhões com baixa visão, mas estima-se que apenas 10% dessas pessoas dominem o braile. Embora o tema seja considerado relevante por diferentes setores da educação no estado, há quem se oponha à implantação da proposta de lei.

Implantação
O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos do Ensino Privado (Sinepe/RS), Bruno Eizerik, argumenta que 71% dos alunos de educação especial no país estão na rede privada de ensino. “Isso demonstra que, apesar das leis serem elaboradas para que as escolas públicas e privadas as cumpram, a cobrança é muito maior sobre as particulares, que mais uma vez assumem o papel que o Estado deveria desempenhar”, reclama. Eizerik afirma que a alfabetização em braile deve começar pela formação dos professores, uma atribuição das universidades. “A maioria dos docentes não está preparada para trabalhar com alunos com deficiência visual. Não me refiro ao aspecto físico, de acessibilidade, mas a questões pedagógicas, que tratam do aprendizado dos portadores de necessidades especiais”, aponta.

A diretora do Sinpro/RS e membro do Conselho Estadual de Educação (CEEd/RS), Cecília Farias, avalia que muitas das instituições de ensino superior são frágeis no que tange à temática da diferença de uma forma geral, e especialmente quando essa diferença refere-se às eficiências. Mas reconhece que nos cursos de Magistério, ainda que os professores desenvolvam competências que não irão adquirir em nenhum outro lugar, também não há formação para trabalhar com alunos com deficiência. Considerando todas essas dificuldades de qualificação profissional, e o fato do alto custo para montar uma estrutura que dê suporte a uma educação de qualidade no caso de algumas deficiências (aquisição de equipamentos e adaptação de material didático), Cecília avalia que o mais factível no setor privado de ensino é a existência de escolas especializadas para as diferentes especificidades. “Assim poderá haver inclusão desses alunos”, pondera.

Formação
A professora Marilena Assis trabalha há mais de duas décadas com alfabetização em braile de crianças, jovens e adultos. Também portadora de baixa visão, ela colabora com frequência em cursos de Pedagogia e licenciaturas, falando a respeito da prática em educação de indivíduos com deficiência visual. “Vou seguidamente ao curso de Pedagogia da Ufrgs a convite de uma professora de deficiência intelectual. Ela é maravilhosa, mas convida outros profissionais para falar sobre cegueira e surdez”. Ainda que goste de contribuir com tais cursos, Marilena considera insuficiente, pois não há como ensinar a respeito da aprendizagem de estudantes com diferentes tipos de deficiência em disciplinas de poucas horas.

Como alternativa, ela pensa que poderiam ser planejados cursos de especialização ou mesmo de extensão, abordando as diferentes modalidades de educação inclusiva: “Hoje, a graduação é genérica”, aponta. Marilena observa que o PL que estabelece a alfabetização em braile legisla a respeito de direitos já previstos na Constituição, assim como na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, promulgados pelo Decreto Federal Nº 6.949/09. Mas considera positiva a iniciativa parlamentar porque dá visibilidade ao tema. “O Brasil está longe de oferecer educação de qualidade à pessoa com deficiência”.

Em dezembro, o movimento Cidade para Todos, do qual ela é membro, encaminhou carta à presidente Dilma Rousseff alertando sobre aspectos relativos à efetivação dos direitos das pessoas com deficiência no país. Entre as reivindicações, o documento pede a garantia “da capacitação, da qualificação e do monitoramento de profissionais da educação especial e do ensino regular (em classes comuns) para o trabalho com a comunicação, a língua, a adaptação razoável e o desenho universal, conforme o Artigo 2º da Convenção, nas escolas ou instituições que ofereçam apoio no contraturno”.

Salas de recursos multifuncionais

Foto: Igor Sperotto

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Estrutura e proposta pedagógica devem contemplar necessidades dos alunos cegos

Foto: Igor Sperotto

Em 1.170 das 2.574 escolas estaduais gaúchas existem salas de recursos multifuncionais, que dão apoio à oferta de atendimento educacional especializado, prestado de forma complementar ou suplementar aos estudantes com algum tipo de deficiência, matriculados em classes comuns do ensino regular. Essas salas fazem parte de programa especial do MEC que disponibiliza às escolas públicas de ensino regular conjunto de equipamentos de informática, mobiliários, materiais pedagógicos e de acessibilidade para a organização do espaço de atendimento educacional especializado. De acordo com esse programa, cabe ao sistema de ensino do estado disponibilizar o espaço físico e contratar professores para atuarem nesses locais destinados a estudantes com algum tipo de deficiência.

É nesse sentido que a coordenadora da Educação Especial da Secretaria de Educação do estado, Marizete Almeida Müller, afirma que as escolas da rede estadual de ensino já cumprem o PL 444/11. Segundo ela, essa inclusão já ocorre justamente pela adesão do RS ao programa do MEC. Segundo ela, a expansão dessas salas se dá através da demanda, ou seja, quando uma escola que ainda não dispõe de uma sala de recursos, ao receber uma criança com algum tipo de deficiência, essa matrícula passa a constar do Censo Escolar daquele ano, que será encaminhado ao MEC.

Entretanto, a sala só será montada no ano seguinte à matrícula desse aluno, cabendo à escola descobrir estratégias pedagógicas para cobrir essa lacuna até que a sala seja montada e tenha um especialista para atender o aluno em questão. Marilena atua numa dessas salas em uma escola em Porto Alegre. Na sua opinião, esse sistema de oferta dá conta da demanda se não fosse a morosidade. “Se um aluno é cadastrado no início do ano em uma escola nova, ele só receberá os livros em braile lá na metade do ano”, ilustra, referindo-se a alunos maiores, já alfabetizados: “As estruturas existem, o que falta é uma sincronia”. Com base em sua  experiência, a professora afirma que não falta material – livros ou equipamentos, como notebooks e máquinas de escrever em braile – para serem usados na educação de crianças com baixa visão. Por outro lado, ela ressalta a importância do envolvimento docente: “Se a pessoa não se abriu ao aprendizado daquele aluno, a lei não obriga”, enfatiza.

Referência

Foto: Igor Sperotto

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Menos da metade das escolas estaduais possuem salas de recursos multifuncionais

Foto: Igor Sperotto

Laone Azambuja é assessor em assuntos de Educação da União dos Cegos do Rio Grande do Sul (Ucergs), entidade que promove atividades educacionais, culturais, profissionais, assistenciais e sociais para pessoas com deficiência visual. Durante dez anos lecionou no Instituto Santa Luzia, em Porto Alegre, escola tradicional no estado na promoção de educação a pessoas cegas e de baixa visão em turmas com estudantes sem deficiência visual. Formado em Letras e com especialização em Educação Especial, Laone também trabalhou com orientação de alunos de baixa visão nas salas de recursos das escolas estaduais, especialmente com adolescentes. Comparando as experiências, ele reconhece que escolas como o Santa Luzia representam uma situação privilegiada, “devido à estrutura que possui e especialmente pela proposta pedagógica sensível às necessidades do processo educativo de pessoas cegas”.

Quando entrou na rede estadual de ensino e foi lecionar no colégio Júlio de Castilhos sentiu grande diferença. O educador diz que a Faders, à época, mantinha centros de atendimento para cada deficiência, prestando assistência às escolas: “Os alunos com deficiência, nessa época, eram concentrados em algumas escolas. Hoje não é mais assim, o aluno se matricula na escola mais próxima à sua casa, e se não tiver sala de recursos, ele é atendido por profissionais de outra escola que possua esses recursos. Mas essa visita vai acontecer uma vez por semana ou quinzena”.

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