SAÚDE

Modelo espanhol é referência no mundo

Por Beatriz Mahillo Durán* / Publicado em 12 de setembro de 2014

Em 2014 celebramos o 25º aniversário de criação da Organização Nacional de Transplantes (ONT) da Espanha. Antes de a ONT ser criada, a taxa de doação de órgãos no país não chegava a 15 por mi­lhão de população. A partir da ONT, foram colocadas em prática uma série de medidas organizativas que se consolidaram no que se chamou de Modelo Espanhol de Doação e Transplantes. Não se trata de uma estraté­gia única, mas de um conjunto de ações. Isto permitiu alcançar cifras de doação entre 34 e 35 doadores por milhão de população, taxa mais alta do mundo.

A criação e consolidação deste sistema organi­zativo foi facilitada por uma legislação adequada, que define morte encefálica e uma série de condicionan­tes técnicos, econômicos, políticos e também médi­cos. O principal ponto é a figura do coordenador de transplantes. A coordenação tem três níveis, inter­-relacionados: nacional, do qual faz a parte a ONT como escritório central; regional, em cada uma das 17 comunidades autônomas da Espanha; e hospitalar.

O Modelo Espanhol conta com uma auditoria contínua e um programa de qualidade da morte ence­fálica que permite entender que fatores hospitalares podem influir na perda de doadores e como estabe­lecer mecanismos para melhorar a captação. Prevê uma compensação econômica para cobrir os gastos do hospital e a dedicação do pessoal quando há uma doação de órgãos. É um tipo de subvenção para for­mação e fomento de todo o processo.

Nos 25 anos de trabalho da ONT foram desen­volvidas estratégias para conscientizar a população e aproximar-se de setores considerados “chaves” atra­vés do Plano Estratégico para Redução de Negativas para a Doação de Órgãos. A ONT, em colaboração com a Universidade Autônoma de Madri, realizou pesquisas com a população para identificar fatores psicossociais que influenciam na tomada de decisão das famílias, o grau de conhecimento, o poder de in­fluência das notícias e a eficácia das campanhas de divulgação. Além disso, foram feitas campanhas espe­cíficas para promover a doação.

ESTRATÉGIA – A campanha Doação sem Fron­teiras, realizada entre 2008 e 2011 com as comunidades de imigrantes na Espanha, permitiu estreitar as relações com as organizações de imigrantes, levando em con­ta as variedades linguísticas, o fato de que não existe a cultura de doação nos países de onde procedem, a religião e a crença de que o processo interfere nos ritos funerários. Folhetos informativos em espanhol, chinês, francês, inglês, árabe e romeno foram distribuídos em centros de saúde, em associações do povo cigano, em organizações não governamentais como a Cruz Verme­lha, e na Comissão Espanhola de Ajuda a Refugiados.

Ainda como parte do plano estratégico, a ONT mantém um telefone 24 horas disponível para contato. Anualmente faz uma reunião com jornalistas para anun­ciar campanhas, prestar esclarecimentos e comentar al­guma situação de crise ocorrida na área da comunicação. Também são realizados cursos anuais para profissionais do meio jurídico e forense, porque há doações que re­querem autorização judicial, como nos casos de trau­matismo crânio-encefálico por acidente de trânsito, em mortes violentas, ou mortes súbitas em que é preciso descartar causa violenta. O objetivo é aproximá-los das novidades legislativas e técnicas e informar que na maior parte das vezes não existe problema ou interferência para o processo judicial se o falecido for doador.

E, principalmente, há uma atividade permanen­te de formação de todos os envolvidos no processo. Trabalhamos com sociedades científicas e fazemos cursos de formação com profissionais de urgência, emergência e de cuidados intensivos. O Curso de Co­municação em Situações Críticas, ou o Curso de Co­municação de Más Notícias, é dirigido especificamen­te a coordenadores de transplantes para a entrevista de solicitação de doação à família.

Cada país deve fazer uma análise de sua situação real, estrutura organizativa, condições sociais e econô­micas para ver que aspectos de um modelo pode im­portar ou aplicar na sua realidade para incrementar as taxas de doação e transplante. Há muitas diferenças de uma região a outra, mas pode-se dizer que ao longo dos últimos anos se observou um incremento da atividade de doações e transplantes no mundo. Não é possível atribuir o crescimento a uma só estratégia: é o con­junto de todos os pontos do modelo organizativo de doações e transplantes que permitiram esse aumento.

Beatriz Mahillo Durán

Foto: arquivo pessoal

Foto: arquivo pessoal

*Médica adjunta da Organização Nacional de Transplantes (ONT), Espanha, responsável, entre outras atividades, pelo Observatório e Registro Mundial de Doação e Transplantes.

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