CULTURA

O jogo sem regras das palavras

José Guaraci Fraga realiza uma retrospectiva dos 44 anos de sua obra em exposição com palavras que será lançada em livro na forma de catálogo brevemente
Por Gilson Camargo / Publicado em 11 de junho de 2015
José Guaraci Fraga realiza uma retrospectiva dos 44 anos de sua obra em exposição com palavras que será lançada em livro na forma de catálogo brevemente

Foto: Tânia Meinerz

Fraga, em uma exposição para ser vista e lida, que reuniu 283 peças com projeto gráfico de Fabio Zimbres e fotos de Tânia Meinerz

Foto: Tânia Meinerz

Uma inusitada exposição invadiu a sala O Arquipélago, do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, no centro de Porto Alegre, de 5 a 31 de maio. Inusitada por sua proposta, em que pôsteres de diversos formatos ocuparam ângulos que convidavam o visitante a permanecer em pé para apreciar o seu conteúdo. E também por ser uma exposição de textos – para ser lida. Fraga. 44 anos na mesma tecla. Palavras pelas paredes reuniu 283 peças – valorizadas pelo projeto gráfico do designer Fabio Zimbres e fotos de Tânia Meinerz –, sendo uma seleção de textos curtos, médios e longos e 101 das melhores frases do humorista profissional, publicitário, jornalista e editor. José Guaraci Fraga, 69 anos, é um mestre na costura de jogos de palavras, paródias, sátiras, anotações surreais, textos de duplo sentido, definições e pequenos poemas, aliterações (figura de linguagem que repete sons idênticos ou semelhantes) e palíndromos (palavra ou frase que permite a leitura também de trás para frente). “Faço crítica de costumes, com frases e textos. O que mais gosto é de encontrar ângulos e formas diferentes para tratar das mesmas coisas que qualquer um trata. Meu maior prazer está em me divertir com jogos de palavras”, define-se o autor, colunista do Extra Classe.

Nascido em 1946, em Porto Alegre, Fraga foi bolsista e aluno interno no Colégio Cruzeiro do Sul. Como redator publicitário, atuou em agências de Porto Alegre e centro do país. Como jornalista, manteve coluna de humor nos principais jornais da capital gaúcha e colaborou com inúmeras publicações, locais e nacionais. O material reunido na retrospectiva foi antes publicado em O PasquimExemplar, Zero Hora, Carrinho, Folha da ManhãDiário de Notícias, Coojornal, Risco, Diário do ParanáOvelha Negra, Programa, Atenção!, FicçãoA Raposa, Pasquim 21, Bundas, Coletiva.net, Solda Cáustico, Extra Classe, Revista Carta Capilé, Correio de Gravataí, Diário de Viamão, Diário de Cachoeirinha, Varanda Cultural, Twitter, Playboy, entre outros, de meados de 1971 ao início de 2015. Também organizou as coletâneas QI 14 e Antologia Brasileira de Humor, exposições coletivas com cartunistas gaúchos e nacionais como Humor nos Eixos (1977) e O Riso é Livro (2010).

Em 1980, publicou seu primeiro livro Punidos Venceremos e o segundo, Frasista, por assim dizer, que reúne 1.551 frases, será lançado em 2016 – ambos pela Motriz Assuntos Gráficos, “quixotesca empresa” que mantém em parceria com Zimbres e Beto Abreu. O catálogo da exposição será lançado em álbum ainda este ano, primeiro sob demanda, depois, em edição comercial na Feira do Livro.

Extra Classe − Como os visitantes reagiram à exposição?
José Guaraci Fraga − Adorei inventar algo na contramão: as paredes da nossa época andam cheias de imagens, somos uma civilização condicionada e adestrada para o visual. Por isso se lê menos. E por isso mesmo foi um projeto arriscado: quem iria até o CCCEV? Quem leria tudo aquilo? O resultado foram gatos pingados, mas gatos que liam. O público foi atraído pela belezura do projeto gráfico do Fabio Zimbres, que aliviou olhos e pernas cansadas dos visitantes. Palmas pro designer!

EC − O texto predomina, mas teu humor também se vale do humor gráfico, cartuns. Quem te influencia?
Fraga − Não me considero um grafista. Meu desenho é limitado, meus cartuns são salvos pelas ideias, eu sempre dependo mais dos temas e das abordagens que do traço. Desenho apenas para preencher os espaços que sobram nas colunas, um truque editorial, nada mais. Mestres não tive, senão desenharia melhor, né? Meus adorados são o Steinberg e o Millôr e o Jaguar e o Canini.

EC − Quem é o melhor chargista da atualidade?
Fraga − O Angeli. Ele é um baita fotógrafo da realidade, observador sagaz das conjunturas. E jamais banaliza ou superficializa fatos e temas. Além dum traço só dele. Admirável sempre.

EC − Tua geração foi privilegiada por oportunidades de trabalho em veículos alternativos, contestadores, como O Pasquim, CoojornalOvelha Negra. Pensando nisso e na involução dos veículos de um ponto de vista de contestação é possível explicar por que o espaço para o humor é cada vez mais restrito e controlado na imprensa e pior ainda na imprensa gaúcha?
Fraga − Hoje em dia os jornais, sobretudo os jornalões, têm mais interesses (seus) a defender que pautas sociais a respeitar. Há muito tempo acabou a época da imprensa a serviço do leitor, a mídia existe para mercantilizar a vida e transformar audiência em consumo. Nesse contexto, o humor é desinteressante – a crítica se tornou embaraço pros
jornais, que não querem incômodos como as opiniões em contrário.

EC − O que pensa sobre o atentado contra o Charlie Hebdo? Existe essa história de limite para o humor?
Fraga − Uma tragédia injustificável. Humor não é tapa na cara pra ser revidado com soco ou tiro. Não vejo limites, vejo responsabilidades profissionais, do artista e/ou do editor: humor tem que ser consequente, e aí o autor pode tudo; se for inconsequente, vai valer tudo, até fazer merda, mas aí os radicais chegam à mesma conclusão e revidam da pior maneira. Não se deve parar de cutucar a onça, mas existem vários tamanhos de vara à disposição de quem tem talento.

Comentários