POLÍTICA

Por centavos e votos

por Flavia Bemfica / Publicado em 5 de setembro de 2016

Falta de recursos, pouco tempo de exposição no rádio e na tevê e o desgaste da classe política por conta dos escândalos envolvendo partidos em nível nacional forçam os candidatos a recorrer à velha prática do corpo a corpo, em uma disputa por votos marcada pela escassez de verbas e de debate ideológico

O fim do financiamento empresarial, as ações do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF), que resultaram em uma série de escândalos na política, o tempo mais curto de campanha e outras mudanças promovidas pela minirreforma eleitoral aprovada no ano passado estão impactando com força as eleições municipais de 2016. A um mês do pleito, a propaganda de rua é escassa, os candidatos lamentam a falta de dinheiro, e debates acalorados sobre preferências eleitorais ou ideológicas parecem ter deixado de seduzir parte significativa da população. A todas essas mudanças, soma-se ainda a questão da propaganda no rádio e na TV, a qual sempre funcionou como ferramenta para conquistar eleitores e, por isso, se firmou como moeda de troca entre partidos na hora do fechamento de alianças.

Campanha eleitoral enfrenta restrições impostas pela minirreforma eleitoral

Foto: Igor Sperotto

Campanha eleitoral enfrenta restrições impostas pela minirreforma eleitoral

Foto: Igor Sperotto

Neste ano, o período da propaganda eleitoral gratuita encolheu de 45 para 35 dias (de 26 de agosto a 29 de setembro), os programas são em dois blocos de 10 minutos cada (antes, eram dois blocos de 30 minutos) e se limitam a candidatos das chapas majoritárias. Vereadores entrarão apenas em 40% dos 70 minutos de inserções diárias (nas cidades onde houver geradora de televisão, para compensar a diminuição nos programas, o antigo tempo de inserções, de 30 minutos diários, mais que dobrou). De quebra, há, entre candidatos, insegurança em relação ao impacto da propaganda no rádio e na TV porque, com a explosão dos serviços de streaming no país, ninguém sabe ao certo qual a fatia do eleitorado vai estar assistindo à TV tradicional na hora da propaganda ou das inserções. Ou seja, o horário gratuito segue importante para o eleitor, mas seu peso provavelmente diminuiu.

Parte das mudanças é motivo de críticas entre integrantes de tribunais e ministérios públicos eleitorais, que consideram que o tempo menor de campanha pode favorecer partidos e coligações que já estão no poder. E que o fim do financiamento empresarial pode aumentar o uso do chamado caixa 2 e os casos de abuso de poder econômico. Um dos principais alertas diz respeito à possibilidade do aluguel de CPFs. Por exemplo: impedidos de fazerem doações, grupos empresariais usariam funcionários para fazer doações individuais.

Na prática, não é isso que vem ocorrendo. Após os desdobramentos da Operação Lava Jato, candidatos têm encontrado empresários temerosos de destinar dinheiro ilegalmente e acabar sendo pegos. E as sugestões sobre o uso de CPFs não têm boa aceitação porque, na avaliação das empresas, o MP pode cruzar dados e flagrar as irregularidades.

Já a diminuição dos dois blocos de horário de propaganda e o aumento das inserções podem acabar beneficiando siglas pequenas, novas ou que ainda possuem pouca representação parlamentar. Em Porto Alegre, por exemplo, a candidata do PSol à prefeitura, Luciana Genro, que lidera as pesquisas de intenção de votos divulgadas até o início de setembro, tem apenas 12 segundos dos 10 minutos de propaganda. Por isso, a estratégia foi investir nas inserções – de 30 e 60 segundos.

Conforme o pesquisador de Políticas Públicas Rodrigo González, professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, a proibição do financiamento empresarial, além de importante, já mostrou suas consequências, e os receios em relação ao aumento do caixa 2 não estão se confirmando. “O fim do financiamento empresarial reduz muito o volume de recursos e induz ao equilíbrio entre os partidos. E as formas paralelas de destinação de recursos estão relativizadas porque o empresariado está preocupado. O que ele constata é que existem dezenas de deputados, alguns do RS, inclusive, investigados pela Lava Jato que continuam no Congresso livres e soltos, enquanto vários empresários foram ou estão presos”, lembra.

Fim das doações de empresas gera equilíbrio entre os partidos, diz González, da Ufrgs

Foto: Arquivo Pessoal

Fim das doações de empresas gera equilíbrio entre os partidos, diz González, da Ufrgs

Foto: Arquivo Pessoal

Para driblar a falta de dinheiro e as incertezas sobre o impacto do horário na TV, os candidatos recorrem a uma combinação entre velhas e novas ferramentas. Primeiro, retomaram uma tática que a maioria vinha desprezando nos pleitos mais recentes: o velho corpo a corpo, também chamado de “pé no barro”. Visitas a periferias, campanha de porta em porta, reuniões para ouvir segmentos organizados da sociedade são apontadas como práticas indispensáveis por estrategistas políticos nesta eleição. Soma-se a ela o uso pesado das redes sociais para fazer chamamentos, emitir opiniões sobre assuntos do momento e divulgar propostas de governo. Mas com alguns cuidados. O jogo pesado que caracterizou a eleição de 2014 na internet, com a enxurrada de robôs, perfis fakes e think tanks para espalhar informações falsas, atacar e difamar adversários, partidos e governos ou disseminar discursos de ódio, gerou um início de reação na legislação, mesmo que, na prática, notícias sobre punições ainda sejam raras. Pelas novas regras, é crime, com detenção de dois a quatro anos e multa de R$ 15 mil a R$ 50 mil, contratar direta ou indiretamente grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação.

A grande incerteza da eleição deste ano, contudo, é se todas as mudanças vão resultar em uma alteração no comportamento dos eleitores, principalmente na hora de escolherem seus representantes. As Câmaras de Vereadores são o equivalente municipal do Congresso Nacional, cujos constrangimentos – para a população – se acumulam em 2016. A lista é extensa, mas há dois casos que já marcaram o ano. O primeiro: não fosse por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a Câmara dos Deputados continuaria a ser presidida por Eduardo Cunha (PMDB/RJ), que segue no exercício do mandato e com influência sobre deputados de diferentes siglas. O segundo: o comportamento de parlamentares durante a votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) na Câmara, invocando de argumentos religiosos a homenagens familiares, deixando de lado aspectos técnicos do processo. De tão surpreendentes, elas chegaram a ganhar destaque (negativo) no noticiário internacional. Ao mesmo tempo, levantamento do site Congresso em Foco mostrou que, dos 513 deputados que votaram o impeachment na Câmara, 150 são investigados pelo STF e 48 são réus em ações penais.

Salata, da PUCRS: massa de eleitores pautada pela descrença nos partidos e na política

Foto: Igor Sperotto

Salata, da PUCRS: massa de eleitores pautada pela descrença nos partidos e na política

Foto: Igor Sperotto

“O eleitor não mudou. Se você pegar a massa de pessoas que foi para as ruas, participar dos protestos, verifica que ela é pautada por uma descrença muito grande na política e nos partidos e não vê no atual sistema algo que tenha a ver com suas demandas”, adianta o coordenador do Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia da PUCRS, André Salata. Para ele, as recentes manifestações e o momento político do país podem ter efeito na eleição, no sentido de aumentar os votos de candidatos com discurso mais radical, à direita ou à esquerda. “A polarização, junto à descrença em relação às instituições democráticas, pode levar a isso”, admite Salata.

González acrescenta que a eleição deve servir um pouco como catarse para o eleitorado, apesar de em eleições municipais grande parte da população demonstrar maior preocupação com as questões locais do que com o debate nacional. “Tanto defensores do impeachment como os que denunciam o golpe vão aproveitar para colocar as emoções para fora. Existe a possibilidade de que essa carga decorrente dos escândalos de corrupção venha a despolitizar ainda mais a eleição”, projeta.

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